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2 ESTUDOS FEMINISTAS E PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO:

4.2 A PRODUÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DOS DADOS

Ao considerar a característica “multimetodológica” da pesquisa qualitativa segundo Alves–Mazzotti e Gewandsznadjer (2004), optamos, na incursão em campo, por operar com o grupo de discussão (GD)129 e com as técnicas de entrevistas com o

enfoque nas trajetórias de vida para conhecer e traçar o perfil socioeconômico das estudantes, conhecer suas histórias de vida, suas experiências de escolarização e suas percepções acerca da construção da identidade feminina e sobre as relações de gênero que perpassam suas vidas.

Examinamos também um corpus documental para complementar as análises, tais como atas e relatórios das reuniões pedagógicas intermediárias e finais; os relatórios das oficinas onde foram desenvolvidos as dinâmicas do mapa da vida130; as

anotações das reuniões que coordenei e participei como coordenadora dos dois Programas, o questionário socioeconômico preenchido na matrícula no PMMil; os relatórios gerados do Sistema Acadêmico; notas tomadas durante a realização dos GDs e das entrevistas. Igualmente integram esse corpus, os Planos de Desenvolvimento Institucionais; os Relatórios de Gestão do Ifes e da Setec; os sites do MEC e de alguns IFs que ofertam o PMMil, além dos documentos que norteiam os

129 O trabalho com grupos de discussão foi desenvolvido por Libanêz, na Espanha, pelos estudos culturais, na Inglaterra, e por Mangold e Bohnsack, na Alemanha. São considerados mais do que procedimentos de produção de dados, constituindo-se também em um método de investigação. No Brasil, encontram-se trabalhos nessa linha metodológica desde os anos 1980 (WELLER, 2010). 130 O Mapa da Vida é uma das diversas metodologias que compõe as diretrizes pedagógicas do PM Mil. A proposta é criar um ambiente para trocas de suas experiências de vida com o objetivo de potencializar as educandas como autoras da história da sua vida, da de seu grupo, da instituição ou da comunidade. Para Oliveira (2013), a construção do Mapa da Vida estimula as estudantes a organizarem sua própria história numa cronologia que possibilite a cada uma visualizar e apresentar sua trajetória global.

dois Programas131.

No que se refere a proposição do GD e da técnica de entrevista na perspectiva do de desvelar as trajetórias de vida, Delgado (2006, p. 21-22) explicita que

[...] são depoimentos de história de vida mais sucintos e menos detalhados [...] que objetivam reconstituir, através do diálogo do entrevistador e do entrevistado, a trajetória de vida de determinado sujeito (anônimo ou público) desde a sua tenra infância até os dias presentes.

Nesse estudo, consideram-se trajetórias, os percursos feitos por sujeitos socializados, que sofrem influências na esfera familiar, escolar e outras esferas. A trajetória não segue um percurso pré-determinado, mas constrói-se a partir de estratégias das quais homens e mulheres lançam mão mediante as variações das injunções sociais sobre si (ALVES, 2006).

Explanado por Alves (2006), as trajetórias de vida participam do instrumento analítico a ser utilizado na leitura de fontes orais, pois assinalam o universo social do qual provieram e no qual se situam as pessoas entrevistadas. Para essa autora,

[...] construir uma trajetória de vida não significa elaborar uma mera biografia do sujeito, pois transitando por suas lembranças, tem-se contato com as práticas e relações sociais do entrevistado, permitindo- nos estabelecer sua mobilidade social e espacial. Os papéis sociais definem atitudes e expectativas dos entrevistados, e estão relacionados aos diferentes momentos da existência de cada um (ALVES, 2006, p.69, grifo da autora).

Na ótica de Tedeschi (2014, p. 32) “[...] A recuperação da memória feminina nos ajuda a fortalecer os processos de discriminação e de resistência à hegemonia dos discursos do poder “[...]. E ao se apossar de suas próprias histórias, as mulheres se apropriam criticamente do passado, o que leva a assumir os problemas do presente”. A pretensão, como afirmado, foi fazer a escuta e dar visibilidade às mulheres que frequentaram os cursos do PMMil oferecidos no Ifes Campus Vitória e continuaram a

131 Entre os principais documentos pesquisados do PMMil, destacamos a Portaria do MEC nº 1.015/2011, que institui o Programa Nacional Mulheres Mil; o Guia metodológico do sistema de acesso, permanência e êxito, que estabelece os processos, metodologias, ferramentas técnicas e currículos a serem seguidos na implementação do programa pelos IFs; a publicação Programa Nacional Mulheres Mil: Educação, Cidadania e Desenvolvimento Sustentável, que descreve os objetivos do Programa o dos eixos estruturadores; a cartilha Pronatec: Brasil Sem Miséria, Mulheres Mil/2014, que esclarece a integração do Programa Mulheres Mil ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (Pronatec/BSM) e a publicação Mulheres Mil: do sonho à realidade, traz a trajetória do Mulheres Mil a partir da narrativa de suas participantes. Do Proeja destacamos os decretos indutores e o Documento Base (2007).

investir no seu percurso formativo retornando aos estudos por meio do Proeja. Assim, para possibilitar uma produção de dados mais ampla e que permitisse analisar vários aspectos da trajetória dessas estudantes, utilizamos o GD.

Desse modo, buscamos compreender aspectos que formam a identidade dessas mulheres: as motivações individuais e o contexto social observado a partir de um sentimento de coletividade. O enfoque foi tanto naquilo que as identifica como sujeitos, com uma história singular, como no que pode apontar uma homogeneidade enquanto um grupo específico que compartilha uma mesma trajetória.

O GD como estratégia metodológica de investigação qualitativa tem sido cada vez mais valorizado em pesquisas que envolvem uma abordagem sociológica, especialmente as que envolvem situações educativas (SANTOS, 2009; WELLER, 2006; 2010). Essa prática de investigação é capaz de assimilar e representar a “[...] complexidade, a diversidade e a interacção de determinadas situações educativas [...]” (SANTOS, 2009, p. 91). Outro ponto essencial para a escolha do GD, é que, por princípio, utiliza um grupo reduzido de pessoas e se aproxima mais da proposta dessa pesquisa.

Para compreender a história de vida e a individualidade de cada uma das mulheres, a entrevista enquanto “uma arena de significados” (SILVEIRA, 2007), se apresentou, no nosso entendimento, como procedimento metodológico mais adequado para complementar os dois GDs realizados. Além de não limitar a liberdade de expressão das entrevistadas, ao mesmo tempo, permitiu direcionar o questionamento a aspectos específicos da vida de cada uma das educandas, assegurando também a não dispersão da temática central.

Inclusive, revelou-se uma opção acertada diante dos desafios encontrados no momento da realização dos GDs. Acrescentamos, ainda que possibilitou um diálogo intensamente correspondido entre entrevistadora e informante, e permitiu a produção de mais um material extremamente rico para as análises desenvolvidas em que o reflexo da dimensão coletiva confluiu a partir da visão individual.

O trabalho de organização dos dados produzidos tanto nos GDs quanto nas entrevistas envolveu a transcrição dos dados e as análises do que foi usado de cada etapa da produção. Tivemos o cuidado para que cada etapa e cada metodologia pudessem refletir pontos específicos que nos ajudassem a traçar as histórias de vidas

e chegar às temáticas e eixos de análises que trataremos nesse trabalho. Conforme afirma Weller:

As opiniões de grupo (Grupepen-meinungen) não são formuladas, mas apenas atualizadas no momento da entrevista. Em outras palavras: as opiniões trazidas pelo grupo não podem ser vistas como tentativa de ordenação ou como resultado de uma influência no momento da entrevista. Essas posições refletem acima de tudo as orientações coletivas ou as visões de mundo do grupo social ao qual o entrevistado pertence (2006, p. 245).

Dessa forma, cada etapa trazia informações específicas que se complementavam no propósito de traçar um panorama tanto individual quanto coletivo do contexto das egressas do PMMil, participantes da pesquisa.