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2.2 GERENCIAMENTO DE RESULTADOS CONTÁBEIS

2.2.2 Incentivos para a prática de Gerenciamento de Resultados Contábeis

O gerenciamento de resultados contábeis envolve ações dos gestores com o propósito de alterar as informações reportadas sobre o real desempenho da empresa. Estas ações gerenciais possuem motivações, e essas motivações podem não ser condizentes com o objetivo das demonstrações contábil-financeiras (fornecer informações úteis para a tomada de decisões dos usuários em geral da contabilidade). Sendo assim, o conjunto de informações divulgadas será distorcido, prejudicando a apropriada representação da realidade econômica da entidade, com impacto nas análises dos agentes do mercado e, em consequência, no processo de alocação de recursos em toda a economia.

Neste contexto, outro importante evento que vem sendo investigado recentemente não é a existência ou não do gerenciamento de resultados contábeis, mas as motivações para essa prática e os impactos que ela pode ter para os usuários que creditam confiança e solidez nas demonstrações contábil-financeiras publicadas pelas empresas e tomam decisões econômico- financeiras com base nelas.

Entretanto, importante fator acerca das discussões sobre o tema gerenciamento de resultados contábeis refere-se aos incentivos dos gestores para “enganar” investidores e outros stakeholders das informações contábil-financeiras sobre a situação econômico-financeira da empresa e sua performance. Assim, verifica-se que a grande implicação da prática de gerenciamento de resultados é o não reporte da realidade concreta das empresas, apesar dos registros contábeis estarem de acordo com os padrões exigidos pelos dispositivos legais e os princípios contábeis geralmente aceitos.

A importância da motivação é evidente para Healy e Wahlen (1999) e sua definição de gerenciamento de resultados. Refere-se, de fato, a dois motivos: para enganar os usuários ou para influenciar os resultados contratuais. Porque a contabilidade é inerentemente subjetiva, a aplicação de julgamento de uma forma benigna, sem o objetivo de ganho pessoal não é

considerado como gerenciamento de resultados. Ou seja, o motivo para o gerenciamento de resultados é que ele satisfaz expectativas.

Tratando-se de IPOs, na verdade, o motivo parece ser idêntico em qualquer entidade e em qualquer parte do mundo - quer o IPO ocorra no Reino Unido ou nos EUA – inflar o preço do IPO para beneficiar insiders à custa de assinantes do IPO. Não há nenhum equilíbrio para o gerenciamento de resultados. O grau de motivação e extensão do gerenciamento de resultados depende do comportamento que é esperado em cada ambiente (LO, 2008).

Healy e Wahlen (1999) elucidam que uma abordagem comum para investigar a existência de gerenciamento de resultados é identificar os incentivos dos gestores para gerenciar lucros e testar se os accruals discricionários são consistentes com estes incentivos. Estes autores classificam a pesquisa empírica acerca dos incentivos para o gerenciamento de resultados em três vertentes: i) incentivos relacionados ao mercado de capitais; ii) incentivos contratuais; e iii) incentivos relacionados a regulação.

Corroborando, no trabalho seminal de Martinez (2001) o autor enfatiza que apesar de serem muitos os incentivos para o gerenciamento de resultados contábeis, é possível classificá-los em:

a) Motivações vinculadas ao mercado de capitais:

O uso difundido das informações contábil-financeiras por investidores e por analistas na avaliação de ações cria incentivos para que os gestores gerenciem os resultados contábeis. O propósito é modificar a percepção de risco quanto a investimentos nas ações da empresa. Ou seja, pretende-se angariar uma reação positiva do mercado.

Para Healy e Wahlen (1999), a amplitude do uso das informações contábil-financeiras por investidores e analistas financeiros pode criar um incentivo para o gerenciamento de resultados na tentativa de influenciar o desempenho dos títulos de curto prazo. Ou seja, o incentivo para a prática de gerenciamento de resultados se origina da motivação em não desapontar o mercado.

Os incentivos para gerenciar lucros relacionados ao mercado de capitais podem objetivar reduzir o preço das ações reduzindo os resultados (por exemplo, em períodos antecedendo management buyouts) ou para manter o alto preço das ações, aumentando os resultados (por exemplo, em períodos que antecedem a oferta pública de ações). Healy e Wahlen (1999) enfatizam que são altos os incentivos para gerenciar resultados por parte dos gestores em períodos que antecedem management buyouts e oferta pública de ações.

Neste contexto, cabe destacar que as pesquisas empíricas que investigaram a existência de gerenciamento de resultados contábeis antecedendo IPOs ((Teoh, Welch e Wong (1998), Teoh, Wong e Rao (1998), Paulo (2006), Gioielli, Carvalho e Sampaio (2013) e Alhadab, Clacher e Keasey (2013)) encontraram evidências desta prática.

b) Motivações contratuais:

Para esta perspectiva, as escolhas contábeis passam a ter efeito econômico, bem como se criam incentivos contratuais para gerenciamento de resultados contábeis.

Para Healy e Wahlen (1999), a informação contábil-financeira é utilizada no auxílio ao monitoramento e regulação dos contratos entre a empresa e seus vários stakeholders. Contratos ou planos de remuneração para os gestores atrelados à informação contábil- financeira são usados para alinhar os interesses entre agente (gestor) e principal (acionistas). Já contratos de empréstimos com cláusulas restritivas atreladas a informação contábil- financeira são fixados para limitar as ações dos gestores que beneficiam os stakeholders da empresa em detrimento dos credores.

Contratos baseados em informação contábil-financeira não são efetivos no que tange ao alinhamento de interesses entre administradores e outras partes do contrato, pois o gestor sempre tem alguma discricionariedade sobre os relatórios contábil-financeiros, podendo utilizá-los como veículo para aumentar a riqueza de todas as partes (perspectiva informacional) como para aumentar sua própria riqueza ou função de utilidade, em prejuízo das outras (perspectiva econômica) (WATTS e ZIMMERMAN 1990).

De acordo com Schipper (1989), o instrumento de atribuição de benefícios é atrelar, pelo menos de forma parcial, o preço de alguma obrigação para com terceiros ou fonte de recurso a um número contábil.

Assim, percebe-se que o problema mais sério dos contratos de incentivos é que os mesmos proporcionam enorme oportunidade para os gestores se auto beneficiarem, seja negociando tais contratos quando os mesmos sabem que o lucro ou preço das ações são altos e/ou irão crescer, ou até mesmo manipulando os relatórios contábil-financeiros objetivando aumentar a sua remuneração.

No que tange os contratos de dívida, o gerenciamento de resultados pode ser analisado sob uma perspectiva ex ante e ex post. Numa situação ex ante, as empresas podem praticar o gerenciamento em prol da obtenção de menor variância dos lucros e, com isso, demonstrar solidez econômica e obter financiamento a um menor custo. Ou seja, verifica-se que a taxa cobrada pelos credores é uma função crescente da sua percepção sobre a variação dos lucros,

a qual determina a probabilidade de falência da empresa. Com a redução dos riscos a captação de recursos ocorre em condições mais atraentes (juros mais baixos) (SCHIPPER, 1989).

Em uma situação ex post, o gerenciamento pode ser praticado com o intuito de evitar a violação das cláusulas dos contratos de dívida confeccionados. Watts e Zimmerman (1990) enfatizam que quanto maior a relação dívida/capital próprio maior a possibilidade de gerenciamento de resultados para aumentar os resultados reportados, pois quanto maior esta relação maior é a probabilidade de violação das cláusulas restritivas do contrato.

c) Motivações regulamentares e custos políticos:

As empresas gerenciam seus resultados contábeis quando possuem lucros muito elevados, ou resultados acima da média de outros setores. O propósito seria evitar despertar inveja de outros setores, que poderiam alegar práticas de cartel ou monopólio.

As empresas de setores regulados têm incentivos para gerenciar as variáveis contábeis que são de interesse do órgão regulador objetivando se beneficiar com a prática. Evidências empíricas sobre a relação entre gerenciamento de resultados e incentivos regulatórios elucidam que o ambiente regulatório influencia a prática do gerenciamento de resultados contábeis (JONES, 1991).

d) Motivações por plano de incentivos:

Os gestores que recebem algum tipo de bônus ou remuneração variável tentarão utilizar-se de métodos contábeis alternativos para aumentarem os resultados do período e consequentemente atender a sua função de utilidade ou bem-estar.

Como recentemente os gestores tem grande parte de sua remuneração atrelada aos números contábil-financeiros como tentativa de alinhar os interesses entre gestores e stakeholders, os primeiros têm incentivos para gerenciar os resultados contábeis e aumentar sua remuneração. Os gestores irão adotar as normas e procedimentos contábeis que estejam alinhados ao seu interesse particular, seu bem-estar ou função de utilidade (RONEN e YAARI, 2008).

As razões para os gestores gerenciarem resultados estão relacionadas ao desempenho da empresa no que tange alguma meta de referência (benchmark) que se deseja atingir. A qualidade do resultado contábil pode ser vista, então, como uma medida de assimetria da informação, pois a empresa é capaz de influenciar os usuários da informação contábil- financeira em suas decisões, modificando o julgamento dos mesmos sobre a real situação da empresa (MOHANRAM, 2003).

Assim, dadas todas estas motivações para o gerenciamento de resultados contábeis, percebe-se que as vítimas potenciais do gerenciamento de resultados são, naturalmente, os usuários das demonstrações contábil-financeiras. Esses usuários incluem investidores, banqueiros, reguladores, sindicatos, fornecedores, clientes e concorrentes. No contexto das IPOs, as vítimas potenciais são, obviamente, os investidores que compram patrimônio destas empresas (LO, 2008). Teoh, Welch e Wong (1998) exploram esta questão e descobrem que, de fato, os investimentos em empresas com gerenciamento de lucros altos tendem a ter mal desempenho em períodos futuros, desapontando os investidores no longo prazo.