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PARTE I: FUNDAMENTOS E CONCEITOS

Capítulo 2. Apoio à Decisão em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação

2.2. Incertezas na gestão da P, D&I

Ao associarmos a discussão sobre a incerteza com a gestão das atividades de P, D&I, são conjugados elementos interessantes, se por um lado algum tipo de controle organizacional é necessário para se alcançar objetivos pretendidos, por outro certa porção de flexibilidade é necessária para que, frente à incerteza, intuição e imaginação possam florescer com vistas a alcançar a inovação. Gerenciar incertezas características da P, D&I requer admitir especificidades como: 1- Seu caráter coletivo, de elevada indeterminação quanto aos produtos e conhecimentos gerados; 2- Sujeição a elementos imponderáveis que, ao longo do desenvolvimento, podem fazer com o que os resultados alcançados sejam diferentes daqueles originalmente esperados; 3- O papel do aprendizado adquirido e sua relação com desenvolvimentos futuros, dentro da perspectiva de que o conhecimento é cumulativo e a pesquisa o retroalimenta (OCDE, 1992; GIBBONS

et al.., 1994; MILES et al.., 2002). Em essência, o principal desafio é justamente lidar

com a incerteza e a complexidade associadas aos possíveis resultados frente aos objetivos organizacionais pretendidos.

O papel da incerteza subjetiva e sua influência sobre o comportamento das empresas também é confirmado por evidências empíricas. Um exemplo dessas evidências é o trabalho “Forbidden Fruit: An Analysis of Bootlegging Uncertainty and

learning in Corporate R&D”, de Augsdorfer (1996); ao pesquisar mais de 50

empresas, este autor constatou uma ampla existência de projetos “clandestinos” realizados por departamentos de P&D. O trabalho relaciona a ocorrência destes projetos com o elevado nível de incerteza, que na prática, implica em dificuldade por parte dos gestores organizacionais de realizarem um planejamento de P&D centralizado e “racionalmente justificado”.

Segundo Freeman e Soete (2008), as dificuldades e malogros dos projetos de P, D&I podem estar associados a três categorias de incertezas: 1- incertezas técnicas, relacionadas a uma questão de grau e de padrão de desempenho sob várias condições operacionais e de custos - informações que poderão ser confirmadas ao longo do tempo e que portanto configuram uma condição de incerteza epistemológica procedural; 2- incertezas de mercado, ligadas aos níveis de aceitação do mercado – incerteza verdadeira/fundamental e incerteza procedural; 3- incertezas gerais, relacionadas a políticas regulatórias e econômicas também descritas como incertezas de negócio que recai na dimensão subjetiva de incerteza. As incertezas se referem ao grau em que a inovação irá satisfazer uma variedade de critérios técnicos, sem aumento dos custos de desenvolvimento, de produção ou de funcionamento. Os autores propõem diferentes graus de incerteza associados a vários tipos de inovações (Quadro 1).

Incertezas verdadeiras Pesquisa fundamental Inventos fundamentais

Níveis muito altos de incerteza

Inovações radicais de produtos

Inovações radicais de processo realizadas fora da firma Altos níveis de incerteza Importantes inovações de produtos

Inovações radicais de processos obtidas no próprio estabelecimento ou contexto da firma

Incertezas moderadas Novas “gerações” de produtos já existentes Pouca incerteza Inovações licenciadas

Imitação de inovações de produtos Modificação de produtos e processos

Adoção antecipada de processos já existentes Muito pouca incerteza Novos “modelos”

Diferenciação de produtos

Providências para inovação de produtos já existentes Adição tardia de inovações de processos já existentes e de operações flanqueadas no próprio estabelecimento.

Melhorias técnicas menores

Quadro 1: Graus de incerteza associados a vários tipos de inovações (FREEMAN e SOETE, 2008)

Um dos principais desafios no apoio à decisão para P, D&I reside logo na primeira etapa de delineamento do objeto de análise. Isto é, no desenvolvimento particular de um conjunto variado de métricas e indicadores que irão qualificar e pautar o processo de tomada de decisão. Tais indicadores devem ser aptos a representar as características setoriais, os objetivos organizacionais e as diferentes dimensões consideradas relevantes do ponto de vista organizacional que se inter- relacionam e influenciam as atividades de P, D&I. Além disso, devem ser capazes de

incluir relações entre atores distintos, abrangendo resultados e impactos diretos e indiretos em diferentes camadas de análise: micro, meso e macro. Segundo BACH et. al., (1992), na medida do possível, metodologias que se propõem a priorizar e avaliar atividades de P, D&I devem ser capazes de mensurar múltiplas dimensões simultânea e integradamente, assim como devem lidar com as questões de causalidade.

BIN et. al. (2015) destacam que os desafios que os gestores organizacionais enfrentam estão diretamente relacionados a: 1- Limitação de informação disponível sobre os resultados de execução e potenciais impactos das atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e das propostas de projeto de inovação; 2- As percepções distintas (e variáveis no tempo) sobre os projetos quando se considera um grupo de partes interessadas e peritos; 3- Múltiplos e às vezes conflitantes critérios de seleção; 4- As restrições relacionadas à execução de projetos, principalmente de recursos e outras limitações técnicas e suas modificações ao longo do tempo; 5- A interdependência entre as alternativas, o que significa que a declaração conjunta de projetos dependentes pode ser diferente a partir da soma dos seus retornos individuais; 6- Programação da execução dos projetos considerando a variação dos seus impactos ao longo do tempo; 7- A reavaliação constante do portfólio, incluindo novos projetos ao longo do tempo e a suspensão ou cancelamento daqueles em execução, assim como a redistribuição de recursos.

Outras especificidades das atividades de P, D&I podem ser identificadas ao analisarmos as diferenças do gerenciamento de portfólios de ativos financeiros em relação a um portfólio de propostas de projetos de P&D. Solak (2010) destaca três elementos principais que distinguem estes problemas: o primeiro é na realização de retornos. O tempo de realização e a variação do retorno de um projeto de P&D depende do investimento feito nesse projeto. No caso de títulos financeiros, tanto o risco, como o tempo de realização de retorno é independente do montante de recursos previamente alocados. Uma segunda diferença entre os dois problemas é a correlação entre os resultados do projeto. Em teoria, no gerenciamento de um portfólio financeiro, a correlação dos retornos dos ativos é independente da forma como são distribuídos os recursos pela carteira de ativos. Por outro lado, a correlação entre os retornos dos projetos de P&D é dependente de níveis de investimento, e os recursos gastos em um projeto são tirados de outros projetos, o

que impacta a velocidade da realização de retornos. Uma terceira distinção é a dependência de projetos de tecnologia em termos dos benefícios gerados. Na teoria financeira, o retorno acumulado a partir de dois ativos adquiridos é assumido como sendo igual à soma das partes. No entanto, projetos de P&D podem apresentar dependências, que podem ter um efeito positivo ou negativo na realização de retornos conjuntos. Frequentemente o produto é maior que a soma das partes.

Uma das abordagens mais citadas na literatura é o Stage Gate. O modelo original trata das atividades, que vão desde a geração das ideias até o lançamento em cinco fases distintas: descoberta, investigação preliminar, planejamento, desenvolvimento, testes e lançamento. Esta abordagem propõe uma lógica ao processo de inovação, que permite dar sequência às atividades e avaliações necessárias. Contudo, uma das principais críticas à efetividade do modelo é sua condição linear.

Assim, no que tange a gestão das atividades de P, D&I uma questão importante é como lidar com a percepção de incerteza, e se esta percepção pode ser graduada para fins de planejamento organizacional. Da mesma forma, quais são as características particulares da incerteza que podem vir a orientar a construção de abordagens de seleção. Nesta linha, a seguir discutiremos a matriz de Stacey, cuja aplicação consideramos interessante quando o problema é a identificação de abordagens apropriadas e a definição de ações frente a condições de incerteza.

A Matriz de Stacey (Stacey, 2002)

A matriz de Stacey propõe representar conceitos com base na abordagem de sistemas complexos adaptativos balizada por diferentes condições de incerteza. Ao nosso ver deve ser adotada tendo como base na ideia argumentada em Dequech (1999) de que a realidade social é composta tanto por eventos sujeitos a incerteza verdadeira/fundamental como pela incerteza epistemológica procedural e que estes se complementam e se sobrepõem. Assim, num extremo do eixo da incerteza “perto da certeza” temos condições de natureza epistemológica procedural e no outro extremo “longe da certeza” condições de incerteza verdadeira/fundamental

A ideia é que ela funcione como um guia para a escolha de métodos em gestão organizacional aderentes às condições de certeza e nível de acordo sobre a

questão em causa. Abaixo, uma das versões do diagrama aplicados a gestão organizacional.

Figura 2: Diagrama de Stacey (STACEY, 2002)

Perto de Certeza: problemas ou decisões estão perto de “certeza” quando

as ligações de causa e efeito podem ser determinadas. Este é geralmente o caso quando um problema ou decisão muito similar foi feito no passado. Então se pode extrapolar a experiência do passado para prever o resultado de uma ação com um bom grau de certeza.

Longe de Certeza: no outro extremo do continuum certeza encontram-se

decisões que estão longe de certeza. Estas situações são muitas vezes únicas, ou pelo menos novas para os tomadores de decisão. As ligações de causa e efeito não são claras. Extrapolar a experiência do passado não é compreendido como um bom método para prever resultados extremos.

Acordo/consenso: o eixo vertical mede o nível de concordância acerca de

uma questão ou decisão dentro do grupo, equipe ou organização. Como seria de esperar, a função de gestão ou de liderança varia de acordo com o nível de concordância em torno de um tema.

Há uma grande área neste diagrama que fica entre a região de anarquia e regiões das abordagens tradicionais de gestão. Stacey chama essa região central grande de zona de complexidade. Nesta zona, ele considera que as abordagens

tradicionais de gestão não são muito eficazes, embora esta seja a zona de alta criatividade e inovação.

Tomada de decisão racional técnica: grande parte da literatura sobre

teoria da gestão associa a região sobre a matriz que está perto da certeza e perto do acordo à tomada de decisão técnica racional. Nesta região, são usadas técnicas que reúnem dados do passado para prever o futuro. São planejados caminhos específicos de ação para alcançar resultados e monitorar o comportamento real, comparando-a contra esses planos.

Tomada de decisão política: algumas questões têm grande dose de

certeza sobre como os resultados são criados, mas altos níveis de desacordo sobre quais resultados são desejáveis. Nestes casos, nem o monitoramento com base em um cronograma estabelecido ou um forte comportamento de compartilhamento da missão organizacional funcionam. Em vez disso, ganha protagonismo a política: construção de coalizões, negociação e compromisso são usados para criar agenda e direção da organização.

Tomada de decisão de Juízo: algumas questões têm um alto nível de

concordância, mas não muita certeza quanto às ligações de causa e efeito para criar os resultados desejados. Nestes casos, o monitoramento contra um plano pré- definido não vai funcionar. Um forte senso de missão ou visão compartilhada pode ser substituído por um plano, nesses casos. As comparações são feitas não contra os planos, mas contra a missão e visão da organização. Nesta região, o objetivo é caminhar para um acordo sobre o estado futuro, embora os caminhos específicos não possam ser predeterminados.

Caos: situações em que há altos níveis de incerteza e desacordo, muitas

vezes resultam em uma avaria ou anarquia. Os métodos tradicionais de planejamento, visão e negociação são insuficientes nestes contextos. Uma estratégia pessoal para lidar com tais contextos é evitar as questões que são altamente incertas e em que há pouca discordância. Embora isso possa ser uma estratégia de proteção a curto prazo, é desastroso a longo prazo. Esta é uma região que as organizações devem evitar, tanto quanto possível (STACEY, 2002).