• Nenhum resultado encontrado

1.2 ROTAS PELA VACARIA E EXPANSÃO MBAYÁ

1.2.2 Incursões preadoras pela Vacaria

De acordo com o cronista Barbosa de Sá, alguns utilizaram, em 1720, a rota pelos rios Pardo e Anhanduí, procedendo em seguida à varação dos campos da Vacaria e tomando, depois, o rio Mbotetei (atual Aquidauana), desaguaram no Paraguai (vide Figura 2).

―Padeceram grandes destroços, afirma Sá, perdições de canoas nas cachoeiras por falta de

pilotos e práticos, que ainda então não havia, mortandades de gentes por falta de mantimentos,

doenças, comidas das onças, e outras muitas misérias‖.7

Embora Sá não se refira a ataques de índios, é certo que, à época, as precauções não eram nada desnecessárias, a dar crédito para a

advertência do Autor Anônimo: ―esse caminho é mais arriscado de encontrar os Índios Guaicusús [sic]‖.8

A rota pela Vacaria era conhecida dos paulistas desde o final da década de 1640. Provavelmente foi a rota de Antonio Raposo Tavares,9 tendo em vista que as reduções jesuíticas localizavam-se algumas no planalto da serra de Maracaju, entre a cabeceira do rio

5

O mesmo bando diz que as mulheres casadas poderiam passar às minas sem problemas com os seus maridos. DI, v. 13, p. 78-79.

6

SÁ, Chronicas do Cuyabá... op. cit., p. 19-20.

7

Ibidem, p. 19.

8

DEMONSTRAÇÃO dos diversos caminhos de que os moradores de São Paulo se servem para os Rios Cuiabá e Província de Cachiponé [anterior a 1727]. In: TAUNAY, Afonso de. Relatos

sertanistas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. p. 203. 9

Sertanista também conhecido pela sua participação na destruição do Guairá, entre 1628 e 1632. MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Cia. das Letras, 1994. p. 71-74.

Anhanduí e a do Cahy, este último afluente do Mbotetei, e outras no vale do próprio Mbotetei (vide Figura 3). Parece que Raposo Tavares, por volta de 1649, tomou cativos nas reduções de Cruz de Botanos, Xerez, Itatim, Nossa Senhora da Fé e outras; a partir daí, fez com que parte de sua gente voltasse para São Paulo com os escravos obtidos e, com um grupo de sertanistas, empreendeu marcha até o Peru, voltando pelo Amazonas a São Paulo, aonde chegou ―tão

desfigurado que sua própria família o desconheceu‖.10

FIGURA 3: Extrato do Mapa da bacia do rio Paraguai, elaborado pelo missionário Sánchez Labrador na segunda metade do século XVIII, pelo qual é possível localizar o rio Mbotetei e seu afluente Cahy. Fonte: LABRADOR, José Sánchez. El Paraguay Católico [1780]. v. 2. Buenos Aires: Imprenta de Coni Hermanos, 1910.

10

SÁ, Chronicas do Cuyabá... op. cit., p. 8-9. Rechaçando a ideologia nutrida na ―maior bandeira‖ por historiadores como Jaime Cortesão, que insistem na tese de que seu objetivo era a expansão das fronteiras portuguesas, John Monteiro aponta que a incursão de Raposo Tavares deve ter soado, aos contemporâneos, como um grande fracasso. O bandeirante teria sido perseguido pelos Payaguá, combatido pelos jesuítas e seus índios, e acabou por voltar a São Paulo um homem acabado e empobrecido. Nesse sentido, a abertura da possibilidade de incursões às missões do Itatim teria sido a única vantagem produzida pela sua expedição. MONTEIRO, op. cit., p. 81.

É provável que, para alcançar as missões do Itatim, os paulistas tomassem, além do Anhanduí, o rio Ivinheima, cuja proximidade de sua foz com a do Paranapanema o fazia quase que um prolongamento natural para os sertanistas acostumados a navegar este último rio.11 Em crônica do padre Lozano encontra-se um roteiro dos primeiros anos do século XVIII, pelo qual se fica sabendo que as incursões tomavam um rio que faz barra no Paraná chamado Yaguari, que suponho seja o Ivinheima,12 até a sua nascente, de onde se procedia à varação em busca da nascente do rio Cahy, que desemboca no Mbotetei (vide Figura 1).13 Seja como for, na mesma crônica do padre Lozano, multiplicam-se as referências a sertanistas paulistas nos Itatins e além, do mesmo modo que o número de cativos por eles tomados.14

De acordo com Luis Castanho de Almeida, Pascoal Moreira Cabral, um dos primeiros a atingir as minas de Cuiabá, chegou a entricheirar-se em alguma paragem das nascentes do rio Mbotetei, no período de 1684 a 1694.15 Esse arraial, que ficou conhecido como Nova Xerez dos paulistas, seria um posto avançado estratégico para organizar a captura de cativos Guarani, condensados nas reduções.16 Em 1668, segundo a carta de um jesuíta, o grande medo dos castelhanos do Paraguai devia-se ao fato dos paulistas estarem ―no meio dos índios e

11

DEMONSTRAÇÃO... op. cit., p. 203. Há informação de navegação regular do rio Paranapanema com destino à Vacaria no ano de 1695. NOTÍCIAS UTILÍSSIMAS á corôa de Portugal e suas conquistas [1695]. In: CASTRO E ALMEIDA, Eduardo de (Org.). Inventários dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar. t. 6: Rio de Janeiro: 1616-1729. ABN, v. 39, p. 224.

12

Provavelmente se trate do rio Ivinheima, pois o Anhanduí não faz barra no Paraná, e sim no Pardo. Prosseguindo no rio Ivinheima e depois navegando pelo seu afluente atualmente conhecido como Vacaria, alcança-se com breve varação a um dos afluentes do antigo rio Mbotetei, atual Aquidauana.

13

O padre Lozano se baseia numa carta do mestre de campo Sebastião de Vilalva ao governador do Paraguai, escrita em 12/12/1708: Vilalva fora encarregado de verificar qual a rota utilizada pelos paulistas. EXAME necessário do Padre Lozano sobre o manifesto do Padre Vargas Machuca [1760] [Doc. XXXVIII]. In: CORTESÃO, Jaime. Jesuítas e bandeirantes no Itatim (1596-1760): Manuscritos da coleção De Angelis. t. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1952. p. 327.

14

Lozano enumera incursões paulistas contra o núcleo criollo de Villarica em 1676 e 1677, obrigando- a a deslocar-se em 1678; em 1681 e 1683, os paulistas teriam atacado as missões de Chiquitos. Ibidem, p. 327-28.

15

O sertanista teria aparecido em Sorocaba em 1710 e, em 1716, partiu na incursão em que se descobririam as minas cuiabanas. ALMEIDA, Luis Castanho de. Bandeirantes no ocidente. RIHGSP, v. 40. p. 354, 358; TAUNAY, Afonso de. HBP, t. 2. São Paulo: Melhoramentos, 1961. p. 18. Acrescenta Castanho de Almeida que há indícios de arraiais paulistas na Vacaria para antes de 1679, devendo ser observado que Pascoal Moreira Cabral e os sorocabanos não moravam continuamente na Vacaria, aonde iam quase todos os anos, mas mantinham ali uma base estratégica para plantar roças,

organizar os despojos de cativos e se ―refrescar‖ para as incursões de maior distância. ALMEIDA, loc.

cit.

16

As reduções facilitavam as incursões preadoras porque aumentavam significativamente a densidade demográfica das populações indígenas, ou seja, em vez de grupos móveis e esparsos, tem-se um numerário considerável condensado num mesmo lugar. MONTEIRO, op. cit., p. 70.

dispondo de abundância de cavalos e víveres‖.17 Em outros termos, tratava-se do receio de que os paulistas estivessem aliados aos Mbayá.

Tal aliança é muito provável, tendo em vista que os moradores de Santa Cruz de la Sierra, já em 1692, solicitavam socorro das autoridades de Assunção, pois se viam cercados de paulistas e Mbayá aliados. Um morador refere que ―los Portugueses de San Pablo estan coligados com los Enemigos Guaicurus, Bayas y demas naciones con Pretencion de apoderarse de aquella Prov.a‖.18 Outro morador faz pedido para que se ―reprima la ousadia de los mamelucos de la Ciu.d de San Pablo y ser la nueva que pretenden assaltear este presidio

[…] porque el biene con soblada gente escolteada de las barvaras naziones de Guaycurus, Payagua y Guacharapos‖.19

Há quem ateste, para o mesmo ano de 1692, incursões de

paulistas aliados aos Mbayá ―entre los Itatines, Xarayes y Chiquitos‖, tomando numerosos

cativos.20

Por toda a segunda metade do século XVII, os paulistas freqüentaram os itinerários fluviais e os varadouros entre os rios Paraná e Paraguai, a fim de tomar cativos Guarani às reduções jesuíticas do Itatim e aos pueblos ali existentes. Para isso, chegaram a consertar uma aliança com os Mbayá, Payaguá e outros grupos, e mantiveram um arraial provisório denominado Nova Xerez. Isto posto, permanece o problema quanto à razão pela qual os paulistas, no século XVIII, mesmo tendo essa experiência nas rotas da Vacaria, não as usavam, ao menos não regularmente, para acessar as minas do Cuiabá.

17

PASTELLS, Pe. Pablo. Historia de la Compañia de Jesus en la Província del Paraguay, v. IV apud HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Extremo Oeste. São Paulo: Brasiliense: Secretaria de Estado da Cultura, 1986. p. 62.

18

AUTO do governador do Paraguai pelo qual se tomam as medidas necessárias para atender ao pedido de socorro dos moradores de Santa Cruz de la Sierra. Assunção, 12/11/1692 [Doc. XXXVII]. In: CORTESÃO, Jesuítas e bandeirantes no Itatim... op. cit., p. 310.

19

COPIA de uma carta dos moradores de Santa Cruz de la Sierra pedindo ao governador do Paraguai socorro contra os portugueses. 22/05/1692 [Doc. XXXV]. In: CORTESÃO, Jesuítas e bandeirantes no

Itatim... op. cit., p. 302. 20

GANDÍA, Enrique. Historia del Gran Chaco. Buenos Aires: [s.n.], 1929 apud SUSNIK, Branislava.

El indio colonial del Paraguay: t. 3-1: el chaqueño: Guaycurúes y Chanes-Arawak. Asunción: Museo