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No Ceará, estima-se que a presença humana data de mais de 11.000 anos. À época da invasão portuguesa, estima-se que o estado era densamente ocupado, contendo cerca de 22 povos indígenas espalhados entre serra, mar e sertão. Tais indígenas seriam derivados de duas populações provenientes da costa do Pacífico, aqui chegadas através do estreito de Bering: um grupo constituído por pessoas altas e robustas e outro por indivíduos de estatura mediana (PINHEIRO, 2002; STUDART FILHO, 1965). Dados do começo do século XVII, período que marca o início da ocupação do Ceará pelos portugueses, apontam para a existência de 75.000 índios Tupi e 150.000 índios Tapuia em terras cearenses àquela época (POMPEU SOBRINHO, 1937).

Os povos originais do Ceará foram sendo progressivamente expulsos e dizimados, principalmente entre os anos de 1680 e 172019. Para tanto, uma das estratégias utilizadas pelos portugueses foi a de se valerem de conflitos já existentes entre as etnias, fomentando-os e se aproveitando deles. Além disso, o confronto direto e os aldeamentos repletos de missionários tanto confinava os indígenas de várias etnias a um espaço delimitado, dirimindo suas identidades, quanto os convencia de que a aceitação da ocupação de suas antigas terras pelos colonos e por gado era o melhor a ser feito (PINHEIRO, 2002).

Sobre as formas de resistência e/ou de sobrevivência indígena, além do confronto direto de etnias isoladas e da assimilação da cultura dos brancos com enfraquecimento das culturas de origem, a união entre tribos foi um dos meios utilizados para combater a invasão dos colonos no Ceará. Como exemplo se tem o ano de 1713 quando os povos Tremembé, Paiacu, Jaguaribara e Icó ocuparam a

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Pois, como já explicado, no ano de 1679 foi instituído o sistema de sesmarias que incentivou a cobiça pelas TI dos sertões. No ano de 1720, boa parte dos colonos já havia vencido as guerras contra os indígenas (PINHEIRO, 2002).

Vila de Aquiraz, expulsando os donos de terras localizadas no Vale do Jaguaribe (PINHEIRO, 2002).

Desde o começo do século XVIII, os colonizadores já haviam dominado a maior parte do território cearense. A economia do Ceará àquela época dependia dos índios como força de trabalho escravizada, para servirem como trabalhadores livres e como exército de luta contra etnias ainda não aldeadas/catequizadas. Eram os índios “mansos” defendendo as fazendas de gado dos índios “bárbaros” (PINHEIRO, 2002).

Como explanado anteriormente, o processo de conversão de aldeias em vilas de índios se deu com o advento do Diretório Pombalino (1757) e visou diluir as culturas indígenas em meio às dos não-índios; diminuir o poder da Igreja na colônia e aumentar o controle da Coroa Portuguesa sobre os povos originais (AZEVEDO, 2003). A política iniciada com o Diretório Pombalino extinguiu e fundiu aldeias atuando em parceria com o avanço do gado para a diminuição das TI no estado. Além disso, o Diretório estimulou o desaparecimento das características indígenas através do incentivo ao casamento entre índios e não-índios e estabelecendo escolas obrigatórias nos moldes europeus para indígenas. As escolas seriam separadas por gêneros e ensinariam a todos os alunos a doutrina cristã assim como a ler e a escrever. Já as contas seriam restritas aos meninos e às meninas caberia aprender a costurar e a fazer renda (PINHEIRO, 2002).

Durante o século XIX, o esforço foi no intuito de integrar os índios à “civilização” e, sob o argumento de não haverem mais índios em estado “selvagem” no Ceará, aprofundar o processo de tomada de suas terras. Como afirma Leite (2004), a Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei d e Terras), deu respaldo legal às posses de terras dos não-índios, regularizando as posses já efetivadas e privilegiando aqueles que mais tinham poder para investir na tomada de territórios. Ela marcou a retomada da regularização sobre as Terras Indígenas que inicialmente (ao serem conquistadas pelos colonos) haviam passado a ser públicas (pertencentes à Coroa); posteriormente foram também destinadas aos colonos através das sesmarias (em 1679), porém de 1823 até 1850 estavam sem regulação

devido à extinção definitiva do sistema de sesmarias em 182320 através de uma Provisão Imperial.

Assim, o que se deu no Ceará do século XIX foi a descredibilização dos indígenas a fim de que lhes fossem tomadas as terras. Só seriam considerados índios aqueles percebidos como “selvagens” e como com a política de integração dos indígenas, eles já não eram assim considerados, suas terras foram inicialmente julgadas terras públicas, após o que se tornaram propriedade privada de seus posseiros (LEITE, 2004; PINHEIRO, 2002).

O século XX, em especial a partir dos estudos de Darcy Ribeiro na década de 1950, foi marcado pela crença no desaparecimento das comunidades indígenas de todo o Nordeste (SILVA, 2006). Conforme afirma Monteiro (2004), além de Darcy Ribeiro, outros autores que pesquisavam acerca da temática indígena como Capistrano de Abreu, Florestan Fernandes e Alexandre Rodrigues Ferreira tinham em comum a tese do desaparecimento indígena como sendo apenas uma questão de tempo.

Apenas a partir do final do século XX é que as vozes dos indígenas que lutavam pela autoafirmação e negavam a tese da caminhada rumo ao desaparecimento começaram a ser mais ouvidas em todo o Brasil, inclusive no Ceará. Isso se deve à tendência de aumento da população indígena no Brasil; ao avanço dos movimentos em prol dos direitos históricos dos indígenas; e a um crescimento das produções acadêmicas sobre a história dos povos originais americanos (MONTEIRO, 2004).

Sobre o crescimento da população indígena no Brasil, pode-se, por exemplo, comparar os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1991, em que o número de indígenas no país era de 294.131 pessoas

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Ocorrido após a independência do Brasil em 1822. Elas já haviam sido oficialmente extintas em 17 de julho de 1822, através da Resolução n° 76 do Prí ncipe Regente D. Pedro. Pouco tempo antes da Independência do Brasil em 7 de setembro do mesmo ano (LEITE, 2004).

aos dados obtidos pelo Censo de 2000, em que a população indígena passou para 734.127 pessoas e ao ano de 2010 em que a população brasileira que se considera indígena saltou para 817.963 pessoas. Tal aumento se deve não apenas às taxas de natalidade superando as de mortalidade, mas a um crescimento da população que se autodeclara indígena. De 2000 para 2010 o aumento foi menos expressivo provavelmente devido à introdução de perguntas específicas às pessoas que se autodeclaram indígenas como: etnia a qual pertence; língua indígena falada e localização do domicílio dentro ou fora de Terra Indígena (IBGE, 2016).

Sobre o movimento de afirmação e crescimento indígena no estado do Ceará, Silva et al. (2007, p.7) afirma que:

A partir da mobilização política dos Tapeba e dos Tremembé de Almofala, inicialmente, e dos Pitaguary e Jenipapo Kanindé, posteriormente, assistimos a um crescente levantar da etnicidade no estado, a partir da década de 1980. A partir dos anos 1990, esta articulação atingiu diversos grupos no sertão do Ceará, onde temos fortes organizações do movimento indígena nos municípios de Crateús, Poranga, Monsenhor Tabosa, Quiterianópolis, Tamboril, Novo Oriente, entre outros.

Resulta desse movimento o número crescente de indígenas no Ceará, correspondendo, nos dias atuais, a um contingente de aproximadamente 20.500 pessoas. Dentre as quais 14.000 têm terras reconhecidas pelo governo, mas 6.500 ainda não (SILVA, 2011).