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O INDICADOR COINCIDENTE PARA A ECONOMIA PORTUGUESA: UMA AVALIAÇÃO HISTÓRICA DOS SEUS DEZ ANOS DE EXISTÊNCIA*

Textos de política e situação económica Quadro

O INDICADOR COINCIDENTE PARA A ECONOMIA PORTUGUESA: UMA AVALIAÇÃO HISTÓRICA DOS SEUS DEZ ANOS DE EXISTÊNCIA*

Francisco C. Dias**

1. INTRODUÇÃO

O indicador coincidente para a actividade eco- nómica desenvolvida em Dias (1993) tem desem- penhado um papel muito importante na análise de conjuntura realizada no Banco de Portugal. Passa- dos dez anos de existência deste indicador — o que constitui uma longevidade praticamente única para este tipo de indicadores — justifica-se uma análise do seu comportamento neste período, o que constitui o principal objectivo deste artigo.

Para se efectuar a “leitura” sobre a evolução re- cente da conjuntura económica, torna-se necessá- rio analisar um grande volume de informação so- bre as mais variadas séries económicas, cada uma delas reflectindo o andamento de aspectos parciais específicos da economia. É frequente acontecer que alguns dos indicadores económicos apresen- tem sinais contraditórios, ou pelo menos não intei- ramente sincronizados, dificultando a identifica- ção da tendência geral da actividade económica. Apesar dos andamentos “contraditórios” encon- trados em algumas dessas séries, a grande maioria apresenta, no entanto, evoluções concordantes. Justifica-se, assim, o desenvolvimento de indica- dores sintéticos que permitam condensar o grande volume de informação disponível sobre o anda- mento da conjuntura. Foi neste contexto que come- çaram a ser apresentados indicadores compostos sintéticos coincidentes ou avançados como instru- mentos de análise do estado geral da actividade

económica. Esses indicadores compostos procu- ram sintetizar a informação dispersa contida nas diversas variáveis económicas captando a sua ten- dência de evolução dominante.

Mitchell e Burns (1938) foram os pioneiros no desenvolvimento de instrumentos sintéticos de análise de conjuntura para os Estados Unidos. Desde então, este tipo de indicadores têm vindo a desempenhar um papel importante no acompa- nhamento e previsão da actividade económica ge- ral num horizonte de curto prazo. Auerbach (1982), sobre esse assunto, escreveu: “se o sucesso

duma certa abordagem pode ser medida pela sua longe- vidade e popularidade contínua em contextos variados, então a utilização de indicadores coincidentes e avança- dos para o acompanhamento e previsão dos ciclos econó-

micos devem figurar perto do topo em tal sucesso”.

A metodologia da construção deste indicadores foi evoluindo e foi-se sofisticando ao longo do tempo, à medida que os própria instrumentos/mo- delos estatísticos se foram desenvolvendo. Em si- multâneo, a própria informação estatística de base utilizada na sua elaboração foi-se alargando não só em extensão das séries estatísticas assim como na própria cobertura da actividade global que se foi estendendo a aspectos novos da realidade, não contemplados até então pelo aparelhos estatísticos nacionais. Neste percurso, nos finais de década de 1980 Stock e Watson (S&W) (1989) desenvolveram um novo instrumento/modelo estatístico para a construção de indicadores coincidentes e avança- dos para a economia.

Assim como sucedeu com outras instituições, o Banco de Portugal veio a desenvolver em 1993

Banco de Portugal / Boletim económico / Setembro 2003 97

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* As opiniões expressas no artigo são da inteira responsabilidade do autor e não coincidem necessariamente com a posição do Banco de Portugal.

(Dias, 1993) um indicador coincidente para a acti- vidade global para economia portuguesa, seguin- do a metodologia proposta por S&W. O Banco ela- borou igualmente, na mesma linha, um indicador coincidente para o Consumo Privado para Portu- gal (Gomes, 1995). O indicador coincidente para a actividade económica, assim como o indicador co- incidente do consumo privado, continuam a ser peças cruciais nas análises de conjuntura da eco- nomia portuguesa desenvolvidas pelo Banco de Portugal. Passados que são dez anos, julgou-se in- teressante avaliar o comportamento deste instru- mento de análise, ao longo desse período, procu- rando destacar os traços mais relevantes observa- dos no período. Para facilitar a leitura deste artigo, na próxima secção serão revistos os principais as- pectos metodológicos da elaboração do indicador.

2. ALGUNS ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia para a construção do indicador coincidente, proposta por Stock e Watson (1989), assenta num modelo probabilístico explícito e é baseada em conceitos desenvolvidos na literatura especializada sobre séries temporais. Trata-se es- sencialmente de um modelo típico de extracção de sinal sobre a evolução do ciclo económico, que procura determinar a tendência de andamento do- minante no conjunto de séries que compõe o cabaz de “inputs” para o indicador. Para uma descrição da metodologia veja-se o artigo original de Stock e Watson (1989) ou Dias (1993).

Dado que a aplicação do modelo estatístico subjacente a esta metodologia tem limitações em termos do número total de séries “input” que se podem utilizar na elaboração do indicador coinci- dente(1), teve que se prestar grande atenção ao grau

de cobertura sobre os vários sectores de actividade económica que é contemplada pelo seu conjunto. Como se verá adiante, as séries seleccionadas per- mitem captar de forma muito satisfatória a tendên- cia global do andamento da actividade económica. É evidente, contudo, que aspectos parcelares da actividade económica podem não estar cobertos e, nesse sentido, o indicador coincidente não deverá

ser confundido com o produto interno bruto (PIB), onde de forma exaustiva se pretende cobrir todas as facetas da actividade económica.

Esta limitação associada ao modelo estatístico do indicador coincidente de S&W constitui, no en- tanto, uma importante vantagem operacional, na medida em que a utilização de um número reduzi- do de séries diminui a probabilidade de desconti- nuidade no indicador provocada por possíveis quebras nas séries “input”. Adicionalmente, a op- ção pela utilização maioritária de séries de nature- za qualitativa, que à frente se identificam, evita que sejam introduzidas revisões no indicador co- incidente resultante da revisão das séries “input”. Efectivamente estas séries não estão sujeitas a revi- sões, ao contrário da generalidade de indicadores estatísticos de curto prazo de natureza quantitati- va. Adicionalmente, estas séries de natureza quali- tativa apresentam a vantagem de serem publica- das com um avanço em relação à variável de refe- rência, o que confere uma grande utilidade prática ao indicador coincidente.

As séries estatísticas utilizadas na produção do indicador coincidente da actividade do Banco de Portugal são as seguintes: o saldo de respostas ex- tremas (s.r.e.) sobre a apreciação do volume de vendas no comércio a retalho e o sre sobre a apre- ciação do volume de vendas no comércio por gros- so (Inquérito Mensal de Conjuntura ao Comércio); o s.r.e. relativo à avaliação da produção contempo- rânea na indústria transformadora (Inquérito Mensal de Conjuntura à Indústria Transformado- ra); e as vendas de cimento para o mercado inter- no(2), esta última de natureza quantitativa.

As duas primeiras séries procuram captar o an- damento do sector do comércio. Efectivamente, a inclusão de indicadores sobre este sector, mais do que procurar captar o seu contributo directo para o valor acrescentado da economia, visa tirar parti- do da sua característica de ligação entre a oferta e a procura interna na economia, na qual se inclui quer a procura pelas empresas quer pelas famílias (parcela do consumo privado). A terceira série per- mite contemplar a informação sobre o andamento da produção industrial que, em parte, poderá tam- bém captar o comportamento das exportações de bens. Finalmente as vendas internas de cimento,

(1) Recentemente foram desenvolvidos na literatura novos instru- mentos de construção de indicadores sintéticos que permitem a utilização de um conjunto muito mais vasto de informação so- bre a actividade económica. Ver, a esse respeito: Stock e Watson (1998) e Forni et al. (2000).

(2) Incluindo cimento importado directamente por empresas não produtoras de cimento.

que estão altamente correlacionadas com a cons- trução, permitem englobar informações sobre o andamento da formação bruta de capital fixo em construção (que pesa actualmente cerca de 12 por cento no PIB).

A informação das séries de natureza qualitati- vas, quando comparada com a média histórica das respectivas séries, contêm informação relativamen- te ao posicionamento cíclico da variável em ques- tão. No caso do cimento, foi necessário tratar a in- formação previamente para se dispor de informa- ção de igual carácter, tendo-se utilizado para esse efeito a informação dessa série em taxas de varia- ção homóloga.

Para além das questões metodológicas do mo- delo formal para a construção do indicador — que o leitor pode consultar em Dias (1993) — há al- guns aspectos técnicos particulares sobre a sua construção que importa salientar para facilitar a sua interpretação. Em primeiro lugar, todas séries que foram escolhidos para calcular o indicador co- incidente revelaram ser séries altamente voláteis no curto prazo, i.e., continham muito ruído, mes- mo depois de dessazonalizadas. Esse facto, obri- gou a um alisamento adicional das séries, através do cálculo da sua tendência, para poderem ser úte- is para a leitura da conjuntura económica. Um se- gundo aspecto que importa mencionar é o facto de ter sido necessário “homogeneizar” a volatilidade das séries, i.e., estandartizá-las, antes de entrar no cálculo do indicador para evitar que séries com maior volatilidade intrínseca viessem a ter uma preponderância/peso artificialmente grande no in- dicador, dominando assim a sua evolução. Nessas circunstâncias a série do indicador sintético que se obtém do modelo tem uma média próximo de zero. Com vista a “atribuir” uma escala com al- gum significado a esse indicador é necessário efec- tuar um reescalonamento do indicador através de uma transformação linear, para o qual se utilizou a escala da série das taxas de variação homóloga do PIB trimestral do INE, também em tendência. Essa transformação linear não altera o perfil da série do indicador sintético, limitando-se a deslocar a sua localização e a alterar a sua volatilidade, fazen- do-as coincidir com os correspondentes valores da série das taxas de variação homóloga do PIB.

Ainda que o perfil de evolução do indicador co- incidente seja muito análogo ao do PIB (ver Gráfi- co 1) devido ao elevado grau de cobertura dos di-

ferentes sectores económicos contemplada pelas séries “input”, deve-se salientar, que o indicador coincidente não pretende medir a variação do PIB trimestral “tout court” mas sim retratar o “estado geral da economia”. O seu padrão de evolução procura captar essencialmente a tendência domi- nante na economia aproximada pelo andamento dominante do conjunto das quatro séries que en- tram na sua constituição. Assim, ainda que tenha sido atribuída uma escala ao indicador, a das taxas de variação homóloga trimestral do PIB, a infor- mação primordial que se deve reter do seu anda- mento deve-se limitar às acelerações, desacelera- ções e aos pontos de viragem, e não particular- mente ao seu nível.

3. ANÁLISE HISTÓRICA DO INDICADOR COINCIDENTE

3.1. Os principais traços gerais do comportamento do indicador nos últimos dez anos

O indicador coincidente da actividade econó- mica do Banco de Portugal tem dez anos de exis- tência. Dada a sua longevidade justifica-se uma avaliação do seu comportamento histórico. Em ter- mos globais, e à luz de quaisquer critérios, a “per-

formance” do indicador tem sido notável no acom-

panhamento da evolução do estado geral da eco- nomia. Uma forma de ilustrar o comportamento histórico do indicador é confrontando-o com a evolução do PIB trimestral(3)(Gráfico 1).

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Gráfico 1

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