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2. M ETODOLOGIA

2.4. Instrumentos e procedimento de aferição dos mesmos

2.4.2. Indicadores de ajustamento

Para a avaliação do ajustamento perante a violência social, consideram-se como indicadores apropriados para avaliação do ajustamento interno, a saúde mental, a autoestima e a satisfação com a vida e para o ajustamento externo considerou-se o desempenho negativo em tarefas socialmente relevantes.

Para avaliação da saúde mental, utilizou-se a versão portuguesa do Mental Health Inventory-5 (Ribeiro, 2001; Veit & Ware, 1983). Este instrumento foi selecionado pois revelou-se adequado para avaliar a saúde psicológica junto da

população em geral e os resultados observados na versão curta, de 5 itens, revelam uma boa correspondência com os observados na versão mais longa de 38 itens (Ribeiro, 2001). O instrumento inclui itens relacionados com a ansiedade, depressão e o bem- estar e, desta forma, é consonante com a definição de saúde apresentada, atualmente, pela Organização Mundial de Saúde como um “state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity” (WHO, 2014, para. 2). Adicionalmente, este instrumento foi também considerado adequado para o rastreio de perturbações do humor na população geral (Cuijpers, Smits, Donker, ten Have, & de Graaf, 2009). A escala demonstrou um bom ajustamento à amostra (ver Tabela 4), um valor de consistência interna muito satisfatório (α de Cronbach = .83) e similar ao que havia sido observado em outra amostra (α = .83; Cuijpers et al., 2009).

A autoestima foi avaliada pela versão portuguesa da Rosenberg Self-esteem Scale (Rosenberg, 1965, citado em Azevedo & Faria, 2004; e em Dias & Fontaine, 2001). A escala tem sido usada amplamente para avaliar a autoestima global junto de jovens, incluindo os de grupos discriminados (e.g., Neto, 2006). Sendo um instrumento com 10 itens, a adaptação à presente amostra revelou um ajustamento satisfatório após a exclusão de 2 itens, devido a baixos pesos fatoriais (ver Tabela 4). Em amostras portuguesas, os 10 itens haviam demonstrado um valor de consistência interna satisfatório (α =. 80, Azevedo & Faria, 2004; α = .86, Dias & Fontaine, 2001). Na presente amostra, o instrumento com 8 itens apresenta também um valor de consistência interna satisfatório (α de Cronbach = .84)

Já a satisfação com a vida foi avaliada com recurso à versão portuguesa da Satisfaction with Life Scale (Diener, Emmons, Larsen, & Griffin, 1985)Neto & Barros, 1990 in Neto, 1999). À semelhança da Escala de Autoestima de Rosenberg, este instrumento tem sido amplamente usado na literatura em geral, mas também especificamente em estudos com minorias étnicas (e.g., Neto, 2010b) e sexuais (e.g., Doyle & Molix, 2015). A escala demostrou um valor de consistência interna satisfatório (α de Cronbach = .73) e próximo ao observado em outra amostra portuguesa (α = .78; Neto, 1999). Também os índices de ajustamento global são satisfatórios (ver Tabela 4).

A avaliação do desajustamento externo baseou-se em seis acontecimentos de vida associados a um desempenho negativo em tarefas sociais valorizadas nesta faixa etária: três itens de conduta problemática, nomeadamente problemas com dependências (tabaco, álcool ou outras drogas), ter agredido fisicamente alguém e ter problemas com a polícia ou o sistema judicial; outros três itens de experiências de insucesso escolar,

mais precisamente, ter reprovado um ano, ter conflitos graves com os professores e não ter conseguido entrar no curso pretendido. Estes itens fazem parte de um Inventário de Acontecimentos de Vida, elaborado com base no Inventários de Acontecimentos de Vida apresentado por Coimbra (2008) e no inventário de eventos stressantes na adolescência por Kristensen, Leon, D’Incao e Dell’Aglio (2004). Da diversidade de situações avaliadas e que são socialmente consideradas como negativas e dependentes da ação dos participantes, estes itens foram escolhidos pois são indicadores de desadaptação pouco comuns - ter reprovado na escola foi reportado por 33.5% dos participantes e 10.5% reportaram ter tido problemas com polícia e tribunais - mas não excecionais (e.g., “estar grávida (ou ter uma parceira/namorada grávida)” - 2.5%). Sendo este instrumento um inventário de acontecimentos e não propriamente uma escala de avaliação de constructos psicológicos, as suas qualidades psicométricas não foram avaliadas mediante análises fatoriais. No entanto, verificou-se que a soma destes indicadores - perfazendo um índex de 7 pontos (0 a 6) - apresentava uma distribuição com propriedades similares à da curva normal, mais precisamente valores de assimetria e curtose abaixo de um (sk = 0.90, ku = 0.18). Deste modo, este indicador foi utilizado nas análises de variância e regressão linear, pois essas análises são robustas ao não cumprimento dos pressupostos de normalidade e homogeneidade de variâncias, desde que a distribuição não apresente grandes desvios de assimetria (sk > 3) e curtose (ku > 7) (Kline, 1988, in Marôco, 2011), o que se observou na presente situação.

Os itens remanescentes do Inventário de Acontecimentos de Vida utilizado neste estudo incluem fatores de risco para a saúde psicológica dos adolescentes (e.g., dificuldades económicas graves na família), possíveis mecanismos de promoção de um ajustamento positivo (e.g., fazer uma atividade nos tempos livres), assim como outros indicadores de ajustamento (e.g., ter boas notas). Devido à sua diversidade, os restantes acontecimento de vida não foram utilizadas no presente estudo. Futuros estudos poderão, contudo, centrar-se na exploração destes outros aspetos, importantes para o ajustamento psicológico.

2.4.3. Mecanismos de proteção

Os mecanismos de proteção considerados no estudo incluem dimensões do nível individual e do nível familiar. Ao nível individual foi considerada a personalidade ansiosa, a empatia, bem como a utilização de diversas estratégias de coping. No que concerne à personalidade ansiosa, esta foi avaliada com recurso à versão portuguesa da

subescala da Ansiedade do Neuroticism, Extraversion, Openness Personality Inventory Revised (NEO-PI-R, Costa & McCrae, 2000; Lima & Simões, 2006). Esta subescala, com 8 itens, havia apresentado na amostra de adaptação à população portuguesa um valor de consistência interna ligeiramente abaixo do aceitável (α = .57; Costa & McCrae, 2000), porém, na presente amostra, após a exclusão de um item, manifestou um valor satisfatório (α = .71).

Para avaliação da Empatia foi utilizada a versão Portuguesa do Interpersonal Reactivity Index (Davis, 1983; Limpo et al., 2010). Duas das quatro subescalas do instrumento foram utilizadas, a Tomada de Perspetiva e a Preocupação Empática, cada uma com 7 itens. Estas subescalas avaliam os processos cognitivos e emocionais perante o estado emocional ou condição de outros. Em estudos prévios, estas dimensões demostraram valores de consistência interna satisfatórios (α >.74; Limpo et al., 2010). Na presente amostra, as subescalas, com 5 itens cada, demostraram valores de consistência interna boa e aceitável (α – TP =.84; α - PE =. 64).

Para avaliação do uso de diferentes estratégias de coping utilizou-se a versão portuguesa da escala Brief COPE (Carver, 1997; Ribeiro & Rodrigues, 2004). Este instrumento avalia 14 estratégias de coping em 28 itens (dois itens em cada subescala). Por não se observarem resultados satisfatórios na AFC inicial, precedeu-se a uma AFE para avaliar qual a estrutura mais ajustada à presente amostra, seguida de uma AFC. A aferição da estrutura à amostra e aos objetivos do estudo ditou a eliminação de duas das subescalas iniciais (Aceitação e Distração) devido a baixos valores de consistência interna e fiabilidade compósita. Das restantes doze subescalas, a de Coping Ativo e de Planeamento agruparam-se em uma só dimensão, o Coping Ativo; o mesmo aconteceu com a procura de Suporte Emocional e Instrumental foram agregadas, devido a elevados valores de correlações entre esta dimensões e, indissociavelmente, a ausência de validade discriminante (Marôco, 2010) entre estas variáveis. As restantes oito dimensões projetadas pelos autores do instrumento (Carver, 1997; Carver, Scheier, & Weintraub, 1989; Ribeiro & Rodrigues, 2004) mantiveram-se, são elas: Expressão de Sentimentos, Reinterpretação Positiva, Humor, Religiosidade, Desinvestimento Comportamental, Negação, Autoculpabilização, e Consumo de Substâncias. A presente estrutura do instrumento incluiu assim 10 subescalas, perfazendo 22 itens. Esta estrutura demonstrou resultados satisfatórios nos indicadores de ajustamento global (ver Tabela 4). As dimensões consideradas no presente estudo haviam demonstrado valores de consistência interna aceitáveis e satisfatórios (α >. 62; Ribeiro & Rodrigues, 2004) e na

presente amostra o mesmo também se observou (.64 > α < .86; 9 dimensões têm α >.7). Os mecanismos de proteção ao nível familiar incluem quer crenças positivas face ao futuro - otimismo - partilhadas pelos membros da família do participante, quer as qualidades dos relacionamentos estabelecidos com a mãe, o pai e outra pessoa significativa. Para avaliação do otimismo familiar utilizou-se a versão portuguesa do Life Orientation Test-Revised (Laranjeira, 2008; Scheier & Carver, 1985). Os seis itens da escala foram reformulados, de modo a permitir aos participantes se pronunciarem sobre a sua família, e não sobre si mesmos, por exemplo “Na minha família, em situações difíceis, geralmente espera-se sempre o melhor.” em vez de “Em situações difíceis espero sempre o melhor”. A aferição das propriedades psicométricas da escala à amostra do estudo incluiu a exclusão de um item devido a um baixo peso fatorial. Em estudos prévios este instrumento havia revelado bons valores de consistência interna (valores entre .70 e .80; Carver & Scheier, 2003), na amostra portuguesa também (α = .84; Laranjeira, 2008) e a versão adaptada para este estudo demostrou um bom ajustamento global e tem como consistência interna o valor de alpha de Cronbach de .76.

Para avaliar a qualidade das relações com os pais e outra pessoa significativa, utilizou-se a versão portuguesa do Network of Relationships Inventory (Furman & Buhrmester, 1985, 1992; Mendonça & Fontaine, 2013). Quatro subescalas do instrumento foram selecionadas: satisfação, intimidade, conflito e admiração/valorização percebida em relação à mãe, ao pai, e a uma outra pessoa significativa à escolha dos participantes. Considerando a diversidade nos agregados familiares e nas relações de cuidado, foi solicitado aos participantes que identificassem a pessoa em quem iriam pensar quando respondessem aos itens. No caso da “mãe”, 94.9% dos participantes identificou a mãe biológica, enquanto os restantes mencionaram sobretudo as avós, irmãs, madrastas e madrinhas. No caso do “pai”, 88.9% identificou o pai biológico, sendo que nos restantes casos mencionaram-se sobretudo, padrastos, avós e irmãos. No caso da “outra pessoa” 36.2% participantes escolheram um familiar com quem residiam, 25.9% um amigo/a, 19.1% um/a namorado/a, 16.6% um familiar com quem não viviam, e 2.1% escolheram alguém que pertencia a um grupo ou comunidade. Dada a diversidade de possibilidades na escolha da terceira pessoa, e o impacto diferencial que essa seleção acarreta, optou-se por não analisar no presente trabalho a influência das relações estabelecidas com essa terceira pessoa escolhida, reservando essa análise para futuros estudos. Assim, de modo a

circunscrever o nosso objeto de estudo, iremos apenas analisar as relações com os principais prestadores de cuidados (mãe e pai biológicos, na sua maioria) com o ajustamento psicológico e social manifestado pelos jovens da nossa amostra. As AFCs da escala, assumindo que se trata de quatro fatores correlacionados, revelaram índices de ajustamento global satisfatórios para cada uma das três pessoas consideradas (ver Tabela 4). Os valores de consistência interna nos estudos originais aproximavam-se a .81 (Furman & Buhrmester, 1985, 1992), na amostra portuguesa superiores a .80 (Mendonça & Fontaine, 2013) e na presente amostra são superiores a .78.

Apenas um instrumento inicialmente concebido e incluído no estudo, o Brief Resilient Coping (Ribeiro & Morais, 2010) não manifestou um ajustamento psicométrico satisfatório, tendo sido excluído das análises subsequentes.