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O bullying discriminatório entre pares enquanto risco

1. E NQUADRAMENTO T EÓRICO

1.6. O bullying discriminatório entre pares enquanto risco

A vitimização entre pares baseada no preconceito é designada de bullying discriminatório (Elamé, 2013). Carrera-Fernández, Lameiras-Fernández, Rodríguez- Castro e Vallejo-Medina, (2013) observaram uma associação entre as atitudes positivas perante as agressões entre pares e a manifestação de preconceitos, nomeadamente o sexismo e a homofobia. Estudos portugueses demostram que as crianças portuguesas manifestam preconceitos face a pessoas homossexuais, doentes com SIDA, condutores de risco, pessoas sujas, pessoas gordas e contra pessoas racistas, ainda que elas próprias manifestem discriminação das pessoas negras (França & Monteiro, 2004). Um outro estudo revela ainda que cerca de metade das crianças de 11 anos não se importaria de votar num partido racista, um terço não gostaria de ter amizade com pessoas gay ou lésbicas e que consideram legítima a discriminação destas pessoas (Cunha, 2014). É, por isso, de esperar que, no contexto escolar português, sejam observados níveis consideráveis de atos de discriminação racista e homofóbica, dado que é o local onde as crianças e adolescentes mais interagem com os seus pares.

Estudos recentes têm demonstrado associações positivas entre a vitimização entre pares e a discriminação, sendo que a discriminação exerce um efeito moderador entre a vitimização e os indicadores de ajustamento (Gradinger & Strohmeier, 2015; Hunter et al., 2010). O bullying discriminatório tem um impacto mais nocivo do que a

vitimização não baseada no preconceito, quer a nível interno (e.g., sintomatologia depressiva), quer a nível externo (e.g., nomeadamente no comportamento escolar e consumo de substâncias) (Hunter et al., 2010; Russell, Sinclair, Poteat, & Koenig, 2012). O estudo de Hunter e colaboradores (2010) sugere ainda que as crianças que são vítimas de bullying discriminatório, no caso da discriminação étnica, demonstram menor perceção de controlo sobre os comportamentos abusivos dos seus colegas. Deste modo, os jovens de grupos minoritários e alvo de discriminação, como os jovens negros ou gay, estão em maior risco de desajustamento do que os seus pares, pois não só sofrem vitimização de forma mais frequente, como a magnitude da associação desta com a perturbação psicológica e social é maior, com a agravante de que os recursos disponíveis para lidar com estas situações poderão ser menores (Gradinger & Strohmeier, 2015; Hatzenbuehler, 2009; Hunter et al., 2010; Russell et al., 2012). Gradinger e Strohmeier (2015), num estudo recente sobre a discriminação em contexto escolar, observaram que 13% dos adolescentes inquiridos foram vítimas de discriminação com base num só motivo (género, aparência, religião, nacionalidade, orientação sexual) nos últimos 6 meses, enquanto 15% dos adolescentes foram discriminados por mais do que um motivo. Adicionalmente, observaram-se diferenças entre os adolescentes que não foram discriminados, os que foram discriminados por um único motivo e os que foram vítimas por vários motivos, nas relações com os pares e com os adultos, na confiança que têm nos outros, no otimismo, no controlo emocional e nos problemas emocionais e de conduta. Em todos estes indicadores, os adolescentes que foram discriminados em contexto escolar por múltiplos motivos manifestaram o pior ajustamento, enquanto os que não sofreram qualquer tipo de violência apresentaram os valores mais favoráveis.

Os estudos sobre o bullying ou a vitimização por pares junto de jovens de minorias étnicas em Portugal são raros (Carvalhosa, Moleiro, & Sales, 2009). Dos poucos estudos observados, um revelou que as crianças com 11 anos de origem imigrante foram menos alvo de provocação pelos seus colegas do que as crianças nacionais (Gaspar, Matos, Ribeiro, & Leal, 2006; Gaspar, Matos, Ribeiro, & Leal, 2010). Apesar dos jovens de minorias étnicas serem menos propensos a serem vítimas de violência por parte dos pares de forma sistemática (bullying), as diferenças culturais (étnicas, de origem social), assim como qualquer outro “desvio” à norma da maioria, podem servir como “pretexto” para a vitimização (Freire, Simão, & Ferreira, 2006). Segundo o estudo qualitativo de Thornberg (2010), o desvio à norma parece ser a

explicação mais frequente para a justificação do bullying (indicado por 82% dos participantes), sendo que o segundo motivo mais frequente é a afirmação de uma posição social (71%) e o terceiro (por 36% dos participantes) refere-se à perturbação do agressor (bullie). Estas justificações apontadas para os atos de violência entre pares suportam a asserção do bullying enquanto uma forma de manifestação de discriminação. Também neste sentido, Elamé (2013) defende que tendo-se reconhecido a natureza social deste fenómeno, marcado pela presença dos observadores (bystanders), que podem servir de reforçadores ou legitimadores do comportamento agressivo, é revelante reconhecer também a natureza cultural deste fenómeno avaliando a identidade cultural dos diversos agentes, nomeadamente a das vítimas. A autora define o bullying discriminatório como “a form of abuse and victimization linked to disability, gender, ethnic origin, sexual orientation and religion that occurs repeatedly in the course of time by one or more companions” (Elamé, 2013, p. 28). Na investigação que coordenou (e que envolve amostras de vários países europeus) observou, com base numa amostra de 760 adolescentes portugueses (residentes em Lagos dos quais 20.8% eram imigrantes de outros países europeus e EUA) ou ciganos, que 90.4% dos alunos nascidos em Portugal e não ciganos reportaram não ter sofrido bullying nos últimos 3 meses. No entanto, entre os adolescentes imigrantes este valor era de 74.7%, indicando uma maior frequência na vitimização dos jovens de minorias étnicas em Portugal. As diferenças entre este resultado e os de estudos portugueses mencionados anteriormente podem dever-se à especificidade da amostra e à operacionalização do que é ser diferente, nomeadamente pelo mapeamento da nacionalidade dos imigrantes. Gaspar et al. (2010) focaram-se em jovens oriundos de países de África ou do Brasil, enquanto os imigrantes da amostra no trabalho de Elamé (2013) não são oriundos de países de língua portuguesa. A identificação do fenótipo racial destes participantes, que não foi avaliada, poderá também estar na base das diferenças encontradas. Outras questões metodológicas, como o tipo de instrumento utilizado para avaliação da vitimização, também poderá explicar tais diferenças. No presente estudo, como esclarecido anteriormente, optámos por privilegiar a identificação do fenótipo racial dos participantes para o estudo da violência social.

Enquanto, no caso dos jovens de minorias étnicas, os estudos nacionais não têm abordado a discriminação sofrida enquanto bullying discriminatório, no caso das minorias sexuais a ocorrência de bullying e discriminação já tem sido reportada. Os estudos revelam que a homofobia é comum nos contextos escolares portugueses, sendo

isto reconhecido quer pelos alunos, quer pelos professores (António, 2011; Carvalhosa et al., 2009; Rodrigues, Brás, Cunha, Petiz, & Nogueira, 2015). Assim, considera-se importante também fazer o estudo do processo de resiliência, perante não só a vitimização entre pares, mas também a discriminação junto dos jovens negros e jovens LGB neste estudo.