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A escolha pela adoção do modelo participativo na cons- trução do conhecimento de forma partilhada vem sendo discutida cada vez mais nos espaços públicos de tomada de decisão e nas esferas acadêmicas. Isto veio à tona a partir das discussões acerca da necessidade de um novo modelo de desenvolvimento, pautado por formas mais democráticas e justas de consolidar a inclusão dos menos favorecidos na lógica global da sociedade, possibilitando a liberdade como forma de se alcançar o desenvolvimento. Esta nova proposta, apresentada por Sen (2000), se assemelha à ideia de etnodesenvolvimento que tem como uma de suas premissas ser mais participativa do que a antiga abordagem tecnocrática e “orienta-se para o povo (...) [que] deve participar em todos os ní- veis do processo de desenvolvimento: da formulação de necessida- des às etapas de planejamento, execução e avaliação” (OLIVEIRA, 1990apud STAVENHAGEM, 1985, p. 18-19).

Ora, se um novo modelo de desenvolvimento é esta- belecido, espera-se uma mudança da forma de atuação de seus profissionais que até então foram academicamente e socialmente formados para atuarem em consonância com o modelo anterior

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de desenvolvimento. Nessa dualidade entre a introspecção de va- lores construídos no decorrer da vida do profissional extensionista e o estabelecimento de novas normas e leis, no caso, regida pela Lei nº 12.188/2010, que institui as diretrizes para a Assistên- cia Técnica e Extensão Rural (ATER) brasileiras, pode-se perceber a dualidade entre moral e ética, discutidos por diversos autores, como, por exemplo, Bárbara Freitag em Itinerário de Antígona: a questão da moralidade (1992) ou France Coelho em A arte das orientações técnicas no campo (2005).

Neste ensaio de Freitag, ética é caracterizada pelo que rege o indivíduo em termos de valores próprios, o que constitui a conduta humana em termos das escolhas dos meios para chegar aos fins por ele estabelecidos. Enquanto isso, moral é relacionada à forma de agir em termos de responder às expectativas impostas pela sociedade. Dessa maneira, moral se constitui nas leis e nor- mas institucionalizadas pela vida social.

Coelho (2005) explicita que “a questão moral ou ética é colocada quando se pergunta, indaga, duvida, enfim, quando se questiona nosso modo e razão de agir assim e não de outro jeito” (COELHO, 2005, p. 110). É preciso refletir, neste aspecto, as formas de atuação que os extensionistas se propõem a assumir em seus trabalhos de processos de mudanças sociais.

Como dito anteriormente, a pauta de discussão sobre o que mudar e como mudar, passa por constantes transformações. A indução de mudança como esperado anteriormente, no antigo modelo de desenvolvimento, baseava-se na expectativa de que a mudança viria às comunidades rurais por meio de pacotes tecno- lógicos trazidos pelos extensionistas. Pacotes estes criados pelos pesquisadores nos centros de pesquisas e financiados, muitas ve- zes, pelas indústrias interessadas na venda desses pacotes tecnoló- gicos. A mudança viria da adoção ou recusa dessa proposta.

A inclusão dessas comunidades na tomada de decisão sobre o que usar, quando usar, porque usar e como usar passa a ser o foco das ações por instituírem, com base em autores como Freire (1983) a necessidade do processo dialógico de construção do conhecimento. Por essa perspectiva educativa, a mudança so- cial não viria por meio da indução de um agente externo que era o

possuidor do conhecimento válido em contraste com o agricultor, isento de qualquer tipo de conhecimento. Sua premissa baseado no seu entendimento de que o homem

como um ser que trabalha, que tem um pensa- mento – linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si mesmo e sua própria atividade, que dele se separa, somente ele ao alcançar tais níveis, se fez um ser da práxis. (...) Sua presença num tal mundo, (...) compreende um permanente de- frontar-se com ele (FREIRE, 1977, P. 39).

Compreendendo o agricultor como um “ser de deci- são”, Freire advoga que é necessário o diálogo entre os dife- rentes conhecimentos para consolidação de um novo saber, um saber construído, e não imposto. Esse processo educativo possi- bilitaria que os próprios agricultores, com o apoio do extensio- nista rural, fossem capazes de induzirem as mudanças almejadas naquele meio social.

Os entraves advindos dessa relação dialógica podem ser, como dito anteriormente, reflexo de que a formação dos profissio- nais extensionistas rurais muitas vezes não é suficiente para apre- ender a importância do outro na relação de intervenção. A forma- ção tecnocrática recebida pelos centros de ensino e pesquisa não é o foco desse trabalho, mas deve ser refletida posteriormente, visto a importância do entendimento do outro e não apenas do eu no trabalho de campo.

A ideia tida anteriormente que o agricultor que se recu- sava a adotar os pacotes impostos pelos extensionistas era consi- derado como atrasado, “caipirão” ou “jeca”, é posto em questão pelas ciências sociais quando as mesmas também passam a perce- ber o outro como agente capaz de tomar suas próprias decisões, deixando assim, de ser um recebedor passivo de propostas. Co- elho (2005) levanta a questão de que “como ocorre a aceitação de uma nova regra moral num processo de mudança, no qual as ações dos indivíduos podem não estar de acordo com as normas

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vigentes e dominantes, ou seja, quais as implicações das interven- ções” (COELHO, 2005, 113). Ao refletirmos sobre essa dualidade de interesses, a mesma autora considera que

o mundo do trabalho das orientações técnicas não estaria dado ou pronto, mas muito dele é construído pela práxis que problematiza as ações e suas finalidades, definidas intersubje- tiva, ou transindividualmente pelos agentes sociais com os demais membros dos grupos sociais, em determinado espaço institucional- mente estabelecido (COELHO, 2005, p. 113).

Por meio das contribuições de Oliveira (1990) abarcamos também a ideia de que as intervenções sociais podem ser compre- endidas como uma questão ética discursiva em torno de normas ou valores, pela necessidade de interação com a comunidade de comunicação para validação do pensamento. Existe “objetividade à validade intersubjetiva de uma ética. Isso significa dizer que o co- nhecimento científico pressupõe sempre um acordo” (OLIVEIRA, 1990, p. 10). Para o mesmo autor uma das formas de minimizar o efeito da dualidade da ação extensionista, “estaria na busca de um acordo ente os agentes étnicos em contato, de certa maneira similares àquela verificável entre membros de uma comunidade (profissional) de argumentação” (OLIVEIRA, 1990, p. 12), visto que essa busca de acordos precisa ser constante por entender que muitas vezes, essa dualidade não é percebida nem pelo profissio- nal, que acredita permanecer em uma inexistente neutralidade.

Dessa maneira, Coelho (2005) explana sobre a necessi- dade de se questionar a indução de mudança pertencente à ideia de desenvolvimento, como uma nova proposta ética e moral que precisa manter-se sempre em questão. A autora menciona que:

por isso, em processos de intervenção social e técnica, a discussão sobre as tradições e a moral, além da eticidade, são tão importantes. Não há

como eliminar tradições, sob pena de os resul- tados serem mais devastadores que vantajosos para os grupos atingidos pelas intervenções. Mais que extermínio de tradições, o desafio ético é como proceder às traduções para apropriação social dos sentidos (dos fins) que orientam as ações. Quando se pensa a relação indivíduo-so- ciedade, ou indivíduo-grupo, percebe-se que na realidade, a distinção entre moral e ética é ape- nas didática, visto que os termos se confundem à medida que configuram uma forma intrincada e complexa da relação entre esses dois pólos. Por isso, ao se problematizar a relação indivíduo-so- ciedade, é necessário discutir as concepções de sociedade que orientam as ações dos indivíduos (COELHO, 2005, p. 111).