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O extensionista rural e o seu papel de indutor de mudanças

Renata Rauta Petarly

Introdução

Ao mesmo tempo em que é possível perceber o impacto das ações extensionistas para a promoção do desenvolvimento em âmbitos locais, a Extensão Rural tem sido alvo de críticas políticas e acadêmicas por não conseguir se fortalecer enquanto estratégia de promoção do desenvolvimento rural.Partindo deste entendimento, o objetivo deste texto é buscar uma contextua- lização da extensão rural no Brasil e propor um diálogo entre autores na busca de compreender como o processo de auferir ao extensionista rural o papel de indutor de mudança não gerou as consequências desejadas para alcance de seus objetivos iniciais. Para tanto, este será um ensaio baseado em uma revisão biblio- gráfica de autores que discutem a extensão rural e o seu processo de intervenção social.

A extensão rural veio a reboque da pesquisa como forma de reduzir o fosso advindo da relação pesquisa – produtor, que esta primeira, por si só, não conseguia solucionar e, assim, solidificar uma proposta de desenvolvimento. Creditava-se aos extensionis- tas rurais o papel de solucionadores de problemas do meio rural, consolidando-os como agentes de mudança. É possível perceber a visão acadêmica no período da década de noventa por meio de

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autores como Barros (1994) que apreende a extensão rural e sua relação com a pesquisa da seguinte forma:

Para que a mudança se torne efetiva num país, é necessário que haja perfeita articula- ção entre pesquisa, ensino e extensão. Colo- camos em primeiro lugar a pesquisa, porque ela é o ‘processo’ que deverá fornecer todos os elementos essenciais ao ensino e à exten- são. Numa sociedade dual como a nossa, com um segmento arcaico e outro moderno, a preocupação maior das autoridades, das uni- versidades e dos serviços sociais deverá ser a de acelerar, por todos os meios e modos, o processo de mudança. E este só poderá ser efetivo com base na pesquisa, como ‘esfor- ço mediador’ das atividades que se conduzem no magistério, para a preparação das novas gerações de técnicos, e na atividade extensio- nista, que visa, sobretudo, levar os seus resul- tados àqueles que deles mais necessitam para melhorar a sua qualidade de vida, com base no aumento da produção e da produtividade e promover a melhoria de suas condições so- ciais (BARROS, 1994, p. 680).

Neste mesmo direcionamento, o surgimento da Agência de Crédito e Assistência Rural (ACAR) marca o início da história da consolidação da extensão rural brasileira como serviço a ser prestado aos produtores rurais enquanto forma de ajuda, de as- sistência e de concessão de crédito, acreditando que os mesmos eram incapazes de solucionarem seus próprios problemas e de que o único saber considerado como válido, era o proveniente dos centros de pesquisas. Nessa perspectiva,o extensionista era o res- ponsável por fazer a intermediação entre o conhecimento gerado nos centros de pesquisa e os produtores rurais que não tinham possibilidade de se desenvolver com o próprio conhecimento. A

perspectiva de desenvolvimento que consolidava essas práticas era pautada no aumento nos níveis produtivos e do uso intensivo das tecnologias desenvolvidas pelas indústrias. O que é possível per- ceber, é que neste momento, a extensão rural está diretamente ligada à pesquisa e se fortalece enquanto ponte entre a pesquisa e o produtor rural.

Outro conceito que também permanece em constante es- tágio de transformação ao longo do tempo, principalmente devido às mudanças estruturais e conjunturais da sociedade é o conceito de desenvolvimento rural. O aspecto exclusivamente de aumento da produtividade e de adoção de novas tecnologias já não é o bastante para defini-lo. Acredita-se atualmente que o mesmo en- globe aspectos populacionais, econômicos, sociais, ambientais e de acesso àsestruturas institucionais públicas numa perspectiva de melhoria da qualidade de vida e bem-estar das populações que vi- vem no meio rural, onde atividades agrícolas são complementadas por atividades não agrícolas e pluriativas. Assim para Maria Naza- reth Baudel Wanderley (2009), o rural é visto não apenas como local de produção, mas como um espaço de vida.

Concomitantemente, com base na evolução deste concei- to, o papel atribuído ao produtor rural também passa por modifi- cações. A população rural não é mais vista como receptora pas- siva das tecnologias geradas pelos centros de pesquisas. O antigo modelo de adoção tecnológica entra em declínio e os produtores rurais passam a ser considerados no processo de desenvolvimento, transformando-se em peças necessárias para as tomadas de deci- sões de suas propriedades.

Com base na Associação Brasileira de Crédito e Assis- tência Rural (ABCAR), Queda (1991) conceitua a extensão rural como responsável por levar os ensinamentos ao meio rural, com o objetivo de modificar os hábitos familiares no que diz respeito às características econômicas, sociais e técnicas. Assim, apregoava- -se que seria possível aumentar a produção, melhorar a produti- vidade, elevando automaticamente o nível de renda e seu nível de vida. Percebe-se que o agente responsável por levar o conheci- mento gerado nas mais diversas áreas ao produtor rural, era cargo do extensionista. As mudanças que ocorreram nas ideias acerca

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do desenvolvimento, e paralelamente, ao papel do produtor rural, acarretaram numa nova concepção de extensão rural. A proposta deste serviço entra em discussão quando as pressões advindas de grupos sociais exigiam maiores resultados das ações, já que as práticas executadas não conseguiram minimizar os problemas ad- vindos desse meio.

O pressuposto de que a adoção tecnológica e de novos hábitos só seria possível com a elevação do grau de conhecimen- to dos agricultores, reforçou mais uma vez a ideia de que estes não possuíam condições de terem algum tipo de conhecimento. Fonseca (1995) expõe que “foi característico desta primeira fase um exagerado entusiasmo fundado na ideia de que era necessário informar e persuadir os agricultores a adotarem melhores práticas agrícolas para conseguir um aumento significativo na produção” (FONSECA, 1995, p. 41). A desvalorização do saber tradicional era condição fundamental para acreditar que o meio rural só se transformaria com a inserção de agentes externos, detentores do conhecimento e da verdade.

Essas práticas passaram por processos de modificação e de reestruturação ao perceberem que a importância do agricultor enquanto agente do processo de mudança era o mais importante para que seus objetivos fossem alcançados. Rogers e Shoemaker (1974) definem trêsetapas para o processo de mudança social, sendo elas a inovação, a difusão e suas consequências. A inovação criada deveria ser difundida pelos meios sociais, mas apenas com a definição de sua implementação ou recusa, que ela poderia chegar a ser considerada como uma mudança social. Este é o “processo pelo qual se modificam a estrutura e o funcionamento de um siste- ma social, que consiste nas posições individuais e dos grupos que o compõe” (ROGERS e SHOEMAKER, 1974, p. 8). O principal a destacar neste aspecto, é que a definição pela escolha ou a recusa pela adoção da inovação, fica a cargo da pessoa que recebe essa nova proposta.

Como muitas vezes a adoção das mesmas não se torna- va efetiva, creditava-se ao agricultor a responsabilidade por não querer se inserir nos novos padrões tecnológicos exigidos social- mente. Dessa forma, o agricultor era considerado erroneamente

como preguiçoso, atrasado e conservador. E que o extensionista, sozinho, não era capaz de solucionar os problemas do meio rural.

Esta dicotomia existente na relação entre extensionista e agricultor pode ser tratada como uma questão ética e moral, visto que lida com esquemas extremamente complexos da individualidade humana e que o relacionamento estabelecido entre agentes em dife- rentes níveis de poder socialmente estabelecidos pode ser colocado em questão, visto que permanece em constante dinamização.

O papel de indutor de mudança é estabelecido institucio- nalmente ao extensionista rural desde a consolidação de sua atua- ção neste meio. O que se percebe que é cada vez mais, a socieda- de advoga à Academia o principal responsável pelo conhecimento que precisa ser difundido para solucionar as mazelas sociais e que por si só garantiria a satisfação da população.