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Influência do Direito Administrativo no Direito Ambiental

CAPÍTULO IV CONSIDERAÇÕES PARA COMPREENSÃO DO

4.3. Influência do Direito Administrativo no Direito Ambiental

No passado, o Direito Ambiental foi considerado um sub-ramo ou ramo dependente do direito administrativo, por uma questão de origem, pois se acreditou que, dentro da divisão bipartida dos ramos do direito em público ou privado, o meio ambiente estava inserido na classificação de bem público, portanto, de gestão do Poder Público, regulado pelas regras de Direito Administrativo.

O direito administrativo subsume-se ao ramo do direito público interno, reunindo normas jurídicas do Estado, suas funções e organização, para tutelar o interesse público, através da elaboração e distribuição dos serviços públicos e outros recursos indispensáveis à sua execução.

Para Hely Lopes Meirelles423, o direito administrativo regula os interesses estatais e sociais, e reflexamente a conduta individual, cujo conceito pode ser sintetizado como:

“(…) conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente, os fins desejados pelo Estado”.

Por outro lado, o conceito de direito ambiental, nos termos da definição de Paulo Affonso Leme Machado, é:

“Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da atmosfera, um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e reparação, de informação, de monitoramento e de participação”424.

Podemos observar que conceito de direito ambiental vai além do conjunto de normas jurídicas que tem por objetivo tutelar o interesse público, pois envolvem interesses de toda a coletividade, não para os fins do Estado, mas buscando meios para assegurar a existência digna da pessoa humana.

O Direito Ambiental não se enquadra no conceito de direito público, muito menos como direito privado, pois faz parte de uma categoria de direitos de terceira geração425, denominados direitos difusos, “direitos transindividuais, de

423 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997,

p. 26.

424 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, 8ª ed. São Paulo: Malheiros,

2000, p. 122.

425 Em face da mutabilidade dos interesses humanos, os direitos fundamentais costumam ser

identificados por gerações, que demarcam momentos históricos de sua evolução.

A primeira geração dos direitos surgiu com o próprio advento do Estado de Direito (ou Estado liberal), na segunda metade do século XVIII, composta por direitos individuais (direitos civis e políticos).

natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”426.

Mesmo sendo difuso, o direito ambiental possui uma íntima ligação com o direito administrativo, em razão do disposto no art. 225 da Constituição Federal, ao atribuir a responsabilidade ao Estado e a toda coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado427.

A vinculação entre o direito ambiental e o direito administrativo é observada por Tiago Fensterseifer428, ao analisar o norte que a Constituição Federal de 1988 direciona, inclusive para a aproximação do direito constitucional:

“A Constituição passou a ser o grande vértice normativo da proteção jurídica do ambiente, de modo a irradiar a sua normatividade para todo o corpo legislativo infraconstitucional anterior e posterior à sua promulgação, bem como não recepcionando os textos anteriores no que estivessem em desacordo com as suas disposições. Se antes da Constituição de 1988 a proximidade ou mesmo a origem do Direito Ambiental estava vinculada ao Direito Administrativo, após a promulgação daquela essa relação, inverteu-se em favor do Direito Constitucional, especialmente em razão da consagração do ambiente como direito fundamental”.

Dessa forma, Vladimir Passos de Freitas429 entende que o destinatário da norma é o Estado, visto que o papel da coletividade é feito através de consciência ecológica, fortalecida também pelo Estado:

“Ora, para alcançar tal desiderato o Estado vale-se das normas constitucionais e infraconstitucionais. Quanto às últimas, estabelece,

A segunda geração dos direitos consagrou os denominados direitos de natureza social, que visam à oferta dos meios materiais imprescindíveis à efetivação dos interesses individuais positivados. (direitos econômicos, sociais e culturais).

Os direitos de terceira geração são os direitos coletivos em sentido amplo.

426 Inciso I, parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.

427 Vide funções do poder público, no Capítulo II – A Constituição Federal de 1988 e o Meio Ambiente. 428 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: A dimensão

ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 160 e 161.

através da lei e de regras que a completam, a conduta dos que se

relacionam com o meio ambiente. Aos infratores,

independentemente das sanções civis e penais, impõem-se punições administrativas. Esta relação jurídica que se estabelece entre o Estado e o cidadão é regrada pelo Direito Administrativo. Daí pode se dizer que, no trato do chamado Direito Ambiental, é o Direito Administrativo que se reveste da maior parcela de importância, tantas são as situações por ele reguladas”. (grifo nosso)

Portanto, embora o sistema jurídico do direito administrativo (ramo do direito público) seja insuficiente para abarcar o do direito ambiental (direito difuso), o que temos não é uma independência absoluta de conteúdo; ao contrário, esses dois ramos do direito mantêm uma relação íntima de influência e coordenação.

Como foi visto anteriormente430, a consagração constitucional da proteção ambiental acarretou adaptação do conteúdo da Estrutura do Estado de Direito, e, por via de conseqüência, desempenhou papel importante no conteúdo de direito administrativo, emprestado para o direito ambiental, a fim de implementar os objetivos e interesses tutelados.

Dessa forma, o exercício da função administrativa ganhou novos objetivos, isto é, o seu conteúdo foi adaptado para atender ao dever de defender e preservar o meio ambiente, principalmente com o uso de todos os seus instrumentos disponíveis na legislação.

Cumpre ressaltar que o exercício da atividade administrativa obedece aos princípios, também dispostos na Constituição Federal431, dentre os quais se destaca o principio da legalidade, pois o Poder Público só pode fazer aquilo que a lei autoriza.

430 Tratamos desse assunto no Capítulo II – A Constituição Federal de 1988 e o Meio Ambiente, da

análise da Estrutura do Sistema Jurídico Constitucional, no âmbito Político, Econômico e Social.

431 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,

do Distrito Federal, e dos Municípios obedecerá aos principio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: (…)” – Constituição Federal de 1988.

Como afirma Antonio Herman Benjamin432, alguns princípios de direito administrativo informam também o direito ambiental:

“Além de ser o Direito Ambiental cria do Direito Administrativo, são os grandes princípios deste que informam aquele. Logo, não se pode bem entender a proteção ambiental sem que tenha uma clara percepção de certos conceitos administrativos tradicionais (…)”.

Para o cumprimento aos fins a que se destina, a lei prevê instrumentos, que autorizam o Poder Público à sua utilização para defender e preservar a proteção ambiental, emprestados pelo direito administrativo, como a possibilidade de aplicação de sanções administrativas433.

Dentre as sanções administrativas previstas na legislação ambiental temos: advertência434; multa435, apreensão436, destruição ou inutilização do produto437; suspensão de venda e fabricação do produto438; embargo de obra ou atividade439; demolição de obra440; suspensão parcial ou total de atividades441, além daquelas restritivas de direito442.

O próprio conteúdo da Lei de Crimes Ambientais nº. 9.605/98, além de disciplinar os crimes ambientais, também dispôs sobre o conceito de infração

432 BENJAMIN, Antonio Herman. “Função ambiental”. ..., p. 22 e 23.

433 A responsabilidade é tríplice, podendo ser cumuladas as responsabilidades civil, penal e

administrativa.

434 Lei 9.605/98, art. 72, inciso I.

435 Lei 9.605/98 art. 72, incisos II – multa simples; III – multa diária.

436 Lei 9.605/98 art. 72, inciso IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora,

instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

437 Lei 9.605/98, art. 72, inciso V. 438 Lei 9.605/98, art. 72, inciso VI. 439 Lei 9.605/98, art. 72, inciso VII. 440 Lei 9.605/98, art. 72, inciso VIII. 441 Lei 9.605/98, art. 72, inciso IX. 442 Lei 9.605/98, art. 72, inciso X.

§ 8º As sanções restritivas de direito são:

I - suspensão de registro, licença ou autorização; II - cancelamento de registro, licença ou autorização; III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;

IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;

administrativa443 e os prazos444 de duração do processo administrativo para sua apuração.

Conforme entendimento de Édis Milaré445, as sanções administrativas previstas na Lei de Crimes Ambientais representam a verdadeira expressão do poder de polícia:

“A aplicação de sanções administrativas figura entre as mais importantes expressões do poder de polícia conferido à Administração Pública. De fato, a coercibilidade é um dos atributos do poder de polícia, que se materializa através de penalidades administrativas previstas abstratamente em lei e aplicadas concretamente por agentes do Poder Público credenciados”.

Verifica-se então, a possibilidade jurídica da aplicação de sanções de natureza administrativa (regulamentadas por normas de direito administrativo), capazes de contribuir com a implementação do sistema jurídico de proteção ambiental global.

Portanto, para se ter a exata compreensão do direito ambiental, é necessário que se tenha uma clara percepção de alguns conceitos de direito administrativo tradicionais, como sanções (visto anteriormente), procedimentos administrativos, atos administrativos e função administrativa.

Destacam-se entre eles a função administrativa, identificada como função ambiental, somada aos argumentos que fundamentam a autonomia do direito

443 Lei 9.605/98, art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que

viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

444 Lei 9.605/98, art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve

observar os seguintes prazos máximos:

I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;

II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;

III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;

IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.

ambiental, pois é a função que é considerada o centro gravitacional446 que gira em torno de seus princípios, conceitos e normas próprias.

Sobre o tema, Antonio Herman Benjamin447 analisou microscopicamente o termo função, para, então, chegar a uma espécie dele, a

função ambiental que versa sobre o exercício das atividades administrativas em

busca da satisfação do interesse público (proteção do meio ambiente), podendo ser pública (munus públicos) ou privada (dever do particular de não poluir, de defender, de preservar, de reparar), através do controle da atividade econômica, com vastos poderes para estabelecer e implementar parâmetros de conduta.

O referido autor ressaltou a influência448 do Direito Ambiental no Direito Administrativo e vice-versa, destacando sua autonomia, ao lado do aproveitamento dos moldes do outro:

“Não se busque, todavia, uma influência em mão única, partindo do Direito Administrativo na Direção do Direito Ambiental. Na realidade, entre o Direito Administrativo e o Direito Ambiental há uma via de mão dupla. Um reflete sobre o outro reciprocamente. Por conseguinte, se o nascimento do Direito Ambiental, como disciplina autônoma, representou o reconhecimento da importância especial do meio- ambiente (como função ambiental) entre os diversos valores sociais, sua formação e desenvolvimento trouxe, como refugo proveitoso, um arejamento de seu molde, do Direito Administrativo”.

Portanto, é superada a idéia de origem comum, para definitivamente separá-los, ao reconhecer a natureza difusa do direito ambiental, ramo autônomo do direito, que mantém íntima relação com o direito administrativo, especialmente no que concerne ao exercício da função ambiental.

Assim como o Direito Administrativo, o Direito Ambiental não é um ramo do direito com leis codificadas ou consolidadas, e sua legislação apresenta-se

446 BENJAMIN, Antonio Herman. Ibid. 447 BENJAMIN, Antonio Herman. Ibid. 448 BENJAMIN, Antonio Herman. Ibid., p. 15.

de forma esparsa e separada em legislações específicas sobre determinadas matérias relacionadas com a proteção ambiental.