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CAPÍTULO 1 ASPECTOS DE UMA POLÍTICA CULTURAL

2. Diálogo com as Administrações dos Equipamentos e Arte como Crítica da

2.4 Influências de Brecht e Benjamin

Tendo sido fundadora e membro da Companhia do Latão46 por cinco anos, e uma apreciadora veemente da obra de Bertolt Brecht, trouxe, a exemplo do que esperávamos dos artistas-orientadores, para dentro do Projeto, também minhas inquietações e repertório como artista. A obra e o pensamento de Brecht, sem dúvida, formam um grande eixo condutor dos conceitos evocados pelo Projeto. Mas diferentemente do que se possa imaginar, em momento algum, direcionamos as práticas dos grupos vocacionais para a montagem de textos do autor, ou para a configuração de um teatro de moldes épicos como fora por ele proposto. Tentamos, todavia, coletivizar o pensamento gerador das questões propostas por Brecht, difundir uma atitude proposta por ele frente às necessidades de transformação da realidade social que o cercava e que ainda nos cerca.

Deste modo, cabe-nos explicitar o posicionamento de Brecht frente à compartimentalização dos conhecimentos em razão da hegemonia da forma-mercadoria no âmbito das relações sociais condicionadas pelo mercado.

Uma das características centrais da revolução que Brecht operou no teatro do século XX foi a descoberta de que, para fazer uma arte que realmente articulasse a transformação do homem e das relações sociais que aprisionam as classes trabalhadoras, deveria atuar no cerne das conformações do capital. Como bom marxista, antevia, na configuração dos modos de produção capitalista, o germe de sua negação.

O capitalismo desenvolve práticas que provêm de seu modo de produção e de sua ordem social, que tem por fim sustentá-la ou explorá-la, mas que são também parcialmente revolucionárias

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A Companhia do Latão é um grupo teatral de São Paulo que desenvolve, desde julho de 1997, uma pesquisa artística voltado para a reflexão crítica sobre a sociedade atual. Esse trabalho inclui a encenação de espetáculos, a edição da revista “Vintém”, bem como uma série de experimentos cênicos, musicais e teorizantes. www.companhiadolatao.com.br/html/historia/index.htm

naquilo em que repousam sobre modos de produção capitalistas, é certo, mas em que representam etapas preliminares a modos de produção superiores.

É por isso que devemos estudar essas práticas desenvolvidas pelo capitalismo, para extrair seu valor de uso revolucionário.47 A conformação do capital através da forma-mercadoria atinge a arte em sua veiculação, de uma forma ou de outra, mas o faz, na maioria das vezes, sem a consciência dos seus criadores. Negá-la serviria apenas para uma transformação conceitual, teórica, do entendimento destas relações de produção a ela ligadas. Na práxis marxista, revolucionária, interessa a atuação efetiva dentro destas relações para que o acirramento das contradições nelas existentes leve, ao fim e ao cabo, à sua efetiva transformação. E é isto que Brecht faz. Atua no limite da forma-mercadoria, a fim de problematizá-la; é no núcleo desta forma que a sua obra irá intervir. Quando propõe que o conhecimento não deve ser alijado do prazer, e que os mecanismos de produção da ilusão teatral devem ser revelados simultaneamente na produção das representações, está religando dois extremos desarticulados pela imposição da forma-mercadoria: que é a produção desvinculada do consumo. Ou seja: propõe que a produção do conhecimento seja reunida à fruição, ao consumo do conhecimento (gerador de prazer); que a produção da representação seja reunida à fruição, ao consumo da representação. Assim, a revolução estética em Brecht não se desvincula de uma proposição política.

Tais aspectos, que aparecem em Brecht, embora não necessariamente expressos no Projeto de Teatro Vocacional, perpassam a totalidade de nossa proposição. Uma proposição dialética que não separa ou compartimentaliza áreas de conhecimento e não exclui do aprendizado estético sua filiação política.

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BRECHT, Bertolt. Sur lé Cinema. apud PASTA JUNIOR, José Antônio. Trabalho de Brecht. Breve

Além de Brecht, alinham-se a este pensamento alguns teóricos da Teoria Crítica e, em especial, Walter Benjamin (ele próprio amigo e colaborador de Brecht). Um dos textos mais importantes de Walter Benjamin, com qual tive contato na Companhia do Latão, foi “O autor como produtor”48. E é ele que gostaria de trazer para justificar alguns parâmetros que adotamos na condução do Projeto.

Benjamim defende no texto também uma vinculação indissociável entre a relação com os meios de produção da arte e a conformação da obra em si. Para ele, o artista progressista não deve se furtar a obedecer um tendência progressista (no caso, a sua associação às causas do proletariado). Ou seja, não basta articular sua obra em função de conteúdos progressistas se ele não operar também dentro de uma forma progressista. Mas para não ficar em uma discussão sobre a dialética forma-conteúdo, segundo o autor, problemática no período em que o texto foi escrito, ele prefere estabelecer uma relação entre tendência e qualidade. Para ele uma tendência política determina subseqüentemente uma tendência estética, e esta tendência estética, contida na tendência política, determina a qualidade de uma obra. Partindo do princípio da crítica marxista de que as relações sociais são condicionadas pelas relações de produção, ele formula a seguinte pergunta: Como uma obra se situa dentro das relações de produção? Ele visa, assim, a função exercida pela obra no interior das relações artísticas de produção de uma época. Se esta função não modifica os meios de produção nos quais está inserida, ela pode ser considerada, apesar de obedecer a uma tendência progressista, tecnicamente49 reacionária.

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BENJAMIN, Walter. O Autor como Produtor. Conferência pronunciada no instituto para o Estudo

do Fascismo em 27 de abril de 1934. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

(Obras escolhidas, v. I ). 49

No caso do texto citado, diz Benjamin: “Designei como o conceito de técnica (literária), aquele conceito que torna os produtos literários acessíveis a uma análise imediatamente social, e portanto uma análise materialista”. Ibidem, p. 122. Ou seja, ele se refere à técnica empregada para o tratamento formal do conteúdo.

(...) Também aqui, para o autor como produtor o progresso técnico é um fundamento para o progresso político. Em outros termos: somente a superação daquelas esferas compartimentalizadas de competência no processo de produção intelectual, que a concepção burguesa considera fundamentais, transforma essa produção em algo de politicamente válido; além disso, as barreiras de competência entre as duas forças produtivas – a material e a intelectual –, erigidas para separá-las, precisam ser derrubadas conjuntamente.50