• Nenhum resultado encontrado

4. TEORIAS DOS DOCUMENTARISTAS

4.6 Informação e documentário

Quando se fala em informação em cinema documentário muitas vezes há um medo de que o caráter artístico esteja sendo deixado de lado em favor de um tipo de filme associado com o jornalismo. Como já vimos antes, esse é um medo de muitos documentaristas e, por isso mesmo, eles não falam comumente sobre informação. Ou melhor, eles não falam claramente sobre informação. E quando falam, falam pouco.

No que diz respeito ao caráter informacional aqui proposto, trata-se do que em Teoria da Informação é entendido como a capacidade de uma mensagem – seja ela escrita, visual, audiovisual, etc. – de eliminar dúvidas (COELHO NETTO, 1980:120). Portanto se pensarmos em dois filmes documentários que tratem da Revolução dos Cravos, por exemplo, e se apenas um deles oferece em sua narrativa condições de eliminar a dúvida de quando ocorreu a revolução, terá, neste sentido, mais informação que outro filme que não elimine essa dúvida.

Essa é uma definição bastante comum de informação e também tem limites muito claros, veja-se o surgimento dessa teoria fundamentada em características matemáticas, a Teoria Matemática da Informação, ou Teoria

71

No original: “Firstly it is far away, and then, over time I came to a decision that unless they themselves ask for it, it’s not worth it to show it to them specially.”

Matemática da Comunicação (COELHO NETTO, 1980:120-21). Tal base teórica pode parecer inadequada à análise cinematográfica, visto que o cinema, como arte, não se interessa, necessariamente, pela quantidade de informação. Porém, segundo José Teixeira Coelho Netto, “De fato, os conceitos dela resultantes podem perfeitamente ser operados independentemente da malha matemática que os originou e serem aplicados a mais de uma ocorrência dos processos de comunicação.” (COELHO NETTO, 1980:121).

O aspecto que pretendo tratar aqui é o de que o cinema documentário, enquanto asserção sobre o mundo, estará sempre produzindo informações, mesmo que sejam reduzidas em quantidade e que, em alguns casos, sejam mesmo de pouca relevância para os filmes.

John Grierson, no contexto dos anos 1930 percebia um enorme potencial para trabalhar o cinema documentário como fator fundamental de transmissão de informações, de maneira bem focada na comunicação. Usava a Índia como exemplo, por possuir 550 milhões de habitantes, sendo que 450 milhões não tinham acesso aos meios de comunicação escritos – seja por analfabetismo, seja por condições econômicas e logísticas. Nesse contexto Grierson diz: “Há um mundo inteiro para o filme documentário assumir.”72 (GRIERSON apud SUSSEX, 1972:70)

Rouch fala sobre a atração exercida pelas informações presentes em um filme. Em uma de seus primeiros filmes, relata que a sua inexperiência com o cinema e o ato de filmar não o permitiam imaginar o interesse que um filme que mostrava algo desconhecido poderia causar. Durante a expedição de descida do Rio Níger, entre 1946 e 1947, que foi a primeira a navegar todo o curso do rio, uma das filmagens centrou-se na caça do hipopótamo, algo desconhecido do público europeu e mesmo que não tenha sido feito pensado para esse público, chamou muita atenção, em grande parte pelo que trazia de informações.

O filme sobre a caça ao hipopótamo, por exemplo, tinha começado por ser um registro de trabalho destinado a utilização futura, nossa e de alguns etnógrafos. Mas esse filme tecnicamente pouco seguro, com fotografia muito imperfeita, acabou por revelar um valor documental que o tornava interessante para um grande público. (ROUCH, 2011d:26)

Rouch fala que gradativamente foi tendo mais informações e conhecimentos sobre os Dogons – povo africano que vive em uma remota região no interior da África Ocidental, ao leste do Rio Níger – e que assim conseguiu evoluir em seu acesso à cultura desse povo que passou a recebe-lo melhor. Desta forma, Rouch passa a mostrar, na sequência de filmes sobre os Dogons, mais informações sobre estes, como os segredos do ritual Sigui, presente no quarto filme, Sigui 1970 - Les clameurs d’Amani (1970). Portanto a sequência desses filmes apresenta uma evolução no acesso a informações por parte de Ruch que as coloca nos filmes. (ROUCH, 2011c:112)

Wiseman deixa muito clara sua perspectiva sobre o potencial dos documentários de transmitirem informações, sem, contudo, deixar de dimensionar que esse não é o papel fundamental desse tipo de filme e que outras formas de expressão estão presentes em nossa sociedade com essa proposta.

Acho que os documentários ajudam as pessoas a tomarem conhecimento de algo. Elas podem ou não usar esse conhecimento; se o fizerem, podem usá-lo de formas diferentes. Não acho que nenhum documentário seja tão importante. As pessoas, em uma sociedade democrática, têm acesso às informações através de diversas fontes. (WISEMAN, 2001)

Para Wiseman, seus filmes devem passar informações em um nível que seja minimamente suficiente para gerar o contexto sobre o qual as cenas vão se desenvolver, gerando interesse, proporcionando uma forma fílmica específica e uma estrutura dramática.

Tenho de preocupar-me em dar às pessoas informação suficiente para que percebam o que se está a passar a um nível muito básico. Ao mesmo tempo, tenho de procurar tornar as coisas interessantes, e também tenho de procurar uma forma, ou um ‘lugar’ para todas as sequências isoladas, e tenho de encontrar uma forma que opere como uma estrutura dramática. E tudo isso ao mesmo tempo.... (WISEMAN, 1994:55)

Wiseman também lembra que existem conjuntos de informações prévias, vindas das mais variadas fontes, que pautam todas as pessoas em seus entendimentos do mundo. Ele relata que quando foi filmar Central Park (1990) esperava encontrar muitos crimes e violência, mas ocorreu o contrário. (WISEMAN, 1994:50-1). Essa seria uma forma de compreender como as informações podem transitar do que é o esperado, ou pesquisado, para o que se torna evidente nas filmagens e posteriormente nos filmes documentários.

Sergei Dvortsevoy diz que o período que passa a recolher informações é o mais importante. “Começando pelo princípio: antes da rodagem eu passo muito tempo a recolher informações acerca das pessoas e do lugar, acerca de tudo. Para mim este é o momento mais importante.” (DVORTSEVOY, 2002:43). Dentre os documentaristas aqui abordados ele é o único que deixa tão enfática sua relação com a busca de informações e como estas são fundamentais para seus filmes. Dvortsevoy também procura demonstrar que há um troca de informações no início do seu processo quando diz que pede para seu operador de câmera andar junto com ele enquanto conversa com as pessoas e busca informações. Ele ressalta que a câmera deve estar nas mãos, mas desligada, sem gravar, isso porque desta forma o operador “pode deixar-se envolver pela situação e, ao mesmo tempo, preparar as pessoas para a câmara. A relação das pessoas com a câmara é um problema de confiança, ela tem de ser a terceira pessoa da equipa.” (DVORTSEVOY, 2002:43)

João Moreira Salles demonstra uma dualidade de opiniões sobre a informação no cinema documentário, quase em contradição. Por um lado diz, em clara referência ao valor informacional, que “é o papel de todo documentarista cobrir os acontecimentos do seu tempo.” (SALLES, 2009). Por outro lado considera que “a expectativa do público geral é a de que o documentário é uma forma degradada de cinema, que serve para você se informar sobre alguma coisa. O documentário não é isso. Ele é muito pouco eficiente para informar.” (SALLES, 2010b). Em outro momento, talvez em uma síntese mais clara do seu pensamento sobre o assunto, diz “que o documentário transmite uma experiência de alguma coisa e não informa sobre essa coisa.” (SALLES, 2010b). Entretanto, se considerarmos a definição de informação descrita acima, essa transmissão de experiência vai, naturalmente, sanar dúvidas sobre um assunto e, por consequência, informar.

Voltando ao Wiseman, o um relato de suas opções em Belfast, Maine (1999) é um ótimo exemplo para entendermos as relações entre necessidades de um cineasta de trabalhar com informações e de trabalhar artisticamente.

Por exemplo, na fábrica de conservas de sardinha, achei que a atenção aos pormenores, as mãos dos trabalhadores, o peixe a passar pela linha de montagem, as sardinhas nos tanques, resultavam melhor em grandes-planos. De um ponto de vista cinematográfico, as imagens eram melhores. Pensemos num exemplo totalmente oposto: se

quisesse mostrar que Belfast tinha uma fábrica de conservas de sardinha, podia ter um plano aberto do edifício, um plano aberto da linha de montagem, um plano médio dos operários na linha de montagem, talvez um grande-plano e finalmente um plano aberto do exterior do edifício. Teria mostrado que Belfast tinha uma fábrica de conservas de sardinha onde trabalhava muita gente, mas a intenção (tanto na fábrica de conservas de sardinha como em todas as outras sequências) é, através da filmagem e da montagem, dar uma interpretação da natureza do trabalho. (WISEMAN, 2008:100)

Wiseman já havia deixado claro que se preocupa em informar em um nível mínimo que considera necessário, mas com este exemplo, demonstra que essa necessidade de informar é relativizada em alguns casos diante de seus interesses artísticos. Evidentemente a cena que ele relata está inserida no filme em um ponto da estrutura onde já havia uma carga informacional prévia. Tal carga também se dará em outras cenas posteriores, em um fluxo que norteia a ideia de percurso narrativa.