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A expressão “inovação social” é relativamente nova, tendo sido em-pregada no início do século XIX pelo filósofo e sociólogo Max Weber (“in-venções sociais”) e pelo economista Joseph Schumpeter na década de 30; porém, somente a partir da década de 80 surgiram mais estudos a respeito do tema (MOULAERT et al., 2005; EDWARDS-SCHACHTER; MATTI; ALCÁNTARA,2012). Entretanto, alguns autores afirmam que Schumpeter é o primeiro a destacar o aspecto social como uma maneira de garantir a eficácia econômica das inovações tecnológicas (MOULAERT et al., 2005;

CAVALLI,2007). Contudo, na sua ênfase em ressaltar os aspectos puramente tecnológicos da inovação ou seus impactos econômicos, ele obscureceu, sem pretender, os aspectos sociais e institucionais do fenômeno, gerando uma visão da inovação excessivamente orientada ao tecno economicismo. Todavia, pouco a pouco começam a se fazer cada vez mais evidentes os aspectos socioculturais e organizacionais do fenômeno inovador, anteriormente pouco contemplados. Nas últimas duas décadas, a inovação social tem ganhado notoriedade e está atraindo o interesse de pesquisadores, profissionais e formuladores de políticas em todo o mundo (EDWARDS-SCHACHTER; MATTI; ALCÁN-TARA,2012). A popularidade é recorrente aos grandes desafios atuais, como as alterações climáticas, a epidemia mundial de doenças crônicas e as desi-gualdades sociais, cuja estrutura e política vigente não têm suportado tais questões prementes (MULGAN,2006;MURRAY; CAULIER-GRICE; MUL-GAN,2010). O crescimento sustentável, a garantia de emprego, o aumento da capacidade competitiva (HOWALDT; SCHWARZ,2010), o crescente número de organizações sem fins lucrativos que desenvolvem atividades econômicas para apoiar a sua missão social, o surgimento de uma variedade de mer-cado e projetos empresariais de base não mercantis que visam à resolução de problemas sociais e às oportunidades de crescimento para a inovação e

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experimentação derivados do atual ambiente de recessão global (SANZO et al.,

2015), são fatores essenciais que explicam a importância da inovação social na sociedade atual (CUNHA; BENNEWORTH,2013).

Apesar de sua evidente relevância e do fomento de ações na prática, há uma necessidade no avanço tanto de uma compreensão maior de sua definição, surgimento e difusão, quanto da criação e uso de métodos e ferramentas para o processo de inovação social (MURRAY; CAULIER-GRICE; MULGAN,

2010;ANDERSON; CURTIS; WITTIG,2015;BIGNETTI,2011; CAJAIBA-SANTANA,2014;GODÓI-DE-SOUSA; VALADÃO JÚNIOR,2013).

A inovação social tem sido definida de várias maneiras e ainda não há um consenso na literatura (CUNHA; BENNEWORTH,2013; BIGNETTI,

2011;CAJAIBA-SANTANA,2014). A falta de uma definição precisa e am-plamente aceita causa incertezas sobre o que de fato são essas inovações, como passam a existir e o que se pode esperar delas. Há, com isso, uma dificuldade na criação de indicadores e na avaliação de projetos em inovação social (ANDERSON; CURTIS; WITTIG,2015).

Alguns pesquisadores têm medido esforços na compreensão e integração dessa gama de definições (CUNHA; BENNEWORTH,2013;BIGNETTI,2011;

CAJAIBA-SANTANA,2014). No entanto, ainda há espaços que devem ser preenchidos quanto aos construtos que a definem e quanto a suas raízes teóricas (HOWALDT; HOCHGERNER,2018).

Uma das primeiras definições de inovação social foi proposta por

Fairweather(1967) em umbook review, intitulado “Methods for experimental Social Innovation” (HORTA,2013). Desde então, e principalmente a partir dos anos 2000, têm se proliferado ideias e definições do que vem a ser a inovação social.

Entre as principais definições referenciadas na literatura consta a de

Murray, Caulier-Grice e Mulgan(2010, p. 5):

Novas ideias (produtos, serviços e modelos) que simultaneamente satisfazem necessidades sociais e criam novas relações ou colaborações sociais. Em outras palavras, são inovações que, ao mesmo tempo, são boas para a sociedade e aumentam a capacidade da sociedade de agir.

Tal definição tem o foco em criar relações sociais com a finalidade de aumentar a capacidade de agir das pessoas, tendo como característica principal a construção de novas colaborações para satisfazer as necessidades sociais.

Inovação social é uma nova combinação e/ou uma nova configuração de práticas sociais em determinadas áreas de ação ou contextos so-ciais provocadas por determinados atores ou constelações de atores de forma intencionais di-recionadas com o objetivo de melhor satisfazer ou atender necessidades e problemas com o que é possível com base em práticas estabelecidas.

A característica desse conceito são as práticas sociais, em contextos diversos de ação, criadas com o objetivo de melhorar o atendimento de necessidades ou problemas identificados. Entende-se por prática social “como construções dos atores sociais em seus contextos de interação, podendo esse contexto ser ou não uma organização.” (SOUZA; LUCAS; TORRES,2011, p. 213).

Como podemos observar nas definições apresentadas, há muitos termos dentro da própria definição (como, por exemplo: melhorar a qualidade de vida; mudança social) que também necessitam de uma investigação mais detalhada de modo a ter mais clareza do significado para a inovação social. Alguns pesquisadores (EDWARDS-SCHACHTER; MATTI; ALCÁNTARA,2012;

CUNHA; BENNEWORTH,2013;ANDERSON; CURTIS; WITTIG,2015;

BIGNETTI,2011;CAJAIBA-SANTANA,2014;HORTA,2013;HOWALDT; HOCHGERNER,2018) têm buscado em suas pesquisas a compreensão e integração dessa gama de definições.

A compilação e análise de alguns conceitos de inovação social por

Bignetti(2011, p. 4) resultaram na seguinte definição:

[. . . ] [é] o resultado do conhecimento aplicado a necessidades sociais através da participação e da cooperação de todos os atores envolvidos, gerando soluções novas e duradouras para gru-pos sociais, comunidades ou para a sociedade em geral.

Devido a definição deBignetti(2011) ter como foco o resultado, ela foi revista porHorta(2013), em sua tese de doutorado orientada por Bignetti. A autora ampliou a análise das definições de inovação social por meio de uma apreciação quanto a seu objetivo, a sua consequência, a sua forma e seus atores sociais. Com isso, apresentou a definição integradora:

[. . . ] um processo colaborativo que visa a gerar soluções duradouras que atendam às necessi-dades sociais de grupos, de comuninecessi-dades e da sociedade em geral (HORTA,2013, p. 12).

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Edwards-Schachter, Matti e Alcántara(2012) não propuseram uma de-finição própria, mas realizaram uma ampla análise de 76 definições. A análise dos autores se baseou em onze dimensões (objetivo, finalidade, direcionamento, fonte, contexto, agente, setores, processos, resultados, governança e empode-ramento e desenvolvimento de capacidade) e resultou em 28 características de definições de inovação social, das quais algumas delas são: geração de valores sociais, melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento sustentável; inovação social orientada para a resolução de problemas sociais e destinadas a ambos os setores sem fins lucrativos e com fins lucrativos; direcionada a desafios sociais, econômico e ambientais nos níveis global e local; interação entre os atores da sociedade civil, estado e agentes de negócios; empoderamento de grupos sociais desfavorecidos; participação e colaboração das pessoas na tomada de decisões; desenvolvimento de novas formas de organização e relações sociais; e melhorias para o bem-estar, sustentabilidade, inclusão social, e qualidade de vida.

Cunha e Benneworth(2013) analisaram doze definições e identificaram dois grupos diferentes de características: aqueles preocupados com a justiça social; e aqueles preocupados com práticas de inovação social. Com base em sua conclusão, evidenciaram a necessidade de um significado singular, com um escopo claramente delineado e conceitualmente claro, que engloba a ideia de novidade e mudança para um propósito socialmente progressivo e com o mais rigoroso tratamento de justiça social. Assim, para os autores a inovação social é

[. . . ] um sistema de mudança através do de-senvolvimento de novas soluções na fronteira abrangendo comunidades de aprendizagem para criar valor social e promover o desenvolvimento da comunidade, desafiando as instituições so-ciais existentes, através de ação colaborativa desenvolvendo redes mais amplas (CUNHA; BENNEWORTH,2013, p. 9).

Cajaiba-Santana(2014) amplia a compreensão conceitual do fenômeno de inovação social. Esclarece o autor que as pesquisas na área se têm limitado a conceituar a inovação social por meio de abordagens teóricas centradas no agente – uma abordagem individualista e comportamentalista em que a inovação social é criada por intermédio das ações empreendidas por indivíduos específicos – e centralizada na estrutura – em que a inovação social é perce-bida como determinada pelo contexto estrutural externo. Diante desse fato, desenvolve um conceito fundamentado na mudança social e na integração das

teorias institucional3 e de estruturação:4

[. . . ] inovações sociais são novas práticas soci-ais criadas a partir de ações coletivas, inten-cionais e orientadas para objetivos que visam estimular a mudança social por meio da recon-figuração de como as metas sociais são alcan-çadas (CAJAIBA-SANTANA,2014, p. 44). Uma análise em profundidade a respeito das definições de inovação social foi desenvolvida por um grupo de acadêmicos do Programa de Pós-Graduação em Inovação Social, da Universidade de Danúbio (Áustria). Dessa análise,Anderson, Curtis e Wittig(2015) propõem a definição de inovação social focada na dimensão social em oposição à dimensão tecnológica; com elementos distintivos que uma inovação tem de cumprir a fim de ser consi-derada social ou de qualificar-se para a definição de inovação social; focada sobre problemas sociais imperiosos; e valores sociais igualmente convincentes. A urgência da resolução desses problemas sociais imperiosos exige soluções novas e decisivas (inovações), que têm tanto a intenção e o efeito de igualdade, justiça e empoderamento. Diante disso, os autores definem inovação social como: “novas soluções para os desafios sociais que têm a intenção e o efeito da igualdade, da justiça e empoderamento” (ANDERSON; CURTIS; WITTIG,

2015, p. 30). A definição proposta por eles sugere que, para uma atividade se qualificar como uma inovação social, deve atender a quatro critérios:

1. Ela precisa ser nova.

2. Ela deve abordar um desafio social.

3. A intenção deve ser a criação de igualdade, justiça e empoderamento. 4. O efeito ou resultado final deve ser a igualdade, a justiça e o

empode-ramento.

Com base nas características identificadas por Edwards-Schachter, Matti e Alcántara (2012), e nas definições identificadas na literatura, os pesquisadores do Núcleo de Estudos em Inteligência, Gestão e Tecnologias para Inovação (IGTI) propuseram uma definição que visa contribuir na identificação de ferramentas e indicadores para a análise e avaliação de projetos de inovações sociais. Dessa maneira, foram definidos os pressupostos, presentes

3 Na perspectiva da teoria institucional a inovação social é vista como resultado das trocas e aplicação de conhecimentos e recursos por agentes mobilizados por meio de atividades de legitimação. (LEE,1959;HÄMÄLÄINEN; HEISKALA,2007)

4 Na perspectiva da teoria da estruturação a inovação social é criada como uma força transformadora por meio da inter-relação entre os agentes, estruturas institucionais e sistemas sociais. (HARGRAVE; VAN DE VEN,2006)

2.3. Inovação Social 49

noQuadro 6, tendo em vista o conhecimento, a visão sistêmica deBertalanffy

(1969) e a teoria da ação comunicativa de Habermas (REESE-SCHÄFER,

2009).

Quadro 6 – Pressupostos da definição de Inovação Social

Pressupostos Autores

Pressuposto 1:Conhecimento coletivo e socialmente produzido, como insumo primá-rio na geração de inovações sociais.

Godói-de-Sousa e Valadão Jú-nior (2013), Mulyaningsih, Yu-doko e Rudito (2014) e Satrús-tegui(2014)

Pressuposto 2: Inovação social na pers-pectiva orientada a processos e como um processo de acumulação e criação de novos conhecimentos de natureza coletiva.

Mulyaningsih, Yudoko e Rudito

(2014) eSatrústegui(2014)

Pressuposto 3:O processo deve ser intenci-onal, sistemático, planejado e coordenado de modo a obter ações legitimadas e fomentar mudanças sistêmicas.

Murray, Caulier-Grice e Mulgan

(2010) eCajaiba-Santana(2014)

Pressuposto 4:A colaboração e compar-tilhamento do conhecimento entre diversos atores como ingrediente indispensável na ge-ração de inovações sociais.

Goldenberg (2004), Nicholls

(2006), Farfus e Rocha (2007),

Davey e Ivery (2009), Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010),

Bignetti(2011),Godói-de-Sousa e Valadão Júnior(2013), Cajaiba-Santana (2014), Mulyaningsih, Yudoko e Rudito(2014) eShier e Handy(2015)

Pressuposto 5: Obter como resultado a mudança social de forma sustentável e be-néfica a um coletivo e não somente a um indivíduo.

Anderson, Curtis e Wittig(2015)

Fonte: Adaptado porBorges(2017, p. 41) a partir deBorges et al.(2015)

Com base nos pressupostos, os pesquisadores do IGTI propuseram a seguinte definição:

[. . . ] a inovação social é a criação de novos conhecimentos, ou da combinação de conheci-mentos, por meio de um processo intencional, sistemático, planejado e coordenado, derivado da colaboração e do compartilhamento de co-nhecimento entre os diversos agentes, que visa de forma sustentável a mudança social benéfica a um coletivo (BORGES et al.,2015, p. 132).

Segundo os autores, trata-se de uma definição propositalmente forte, mais restritiva do fenômeno, pois tem como fim a identificação precisa de propostas de inovação social, no caso, as teleológicas.

Howaldt e Hochgerner(2018), em uma das pesquisas mais recentes publicadas pelo projeto SI-DRIVE,5propõem uma definição que busca integrar diferentes significados, eventualmente conflitantes. Os autores, com base em resultados empíricos e em Schumpeter, definem a inovação social como

[. . . ] uma nova combinação de práticas sociais em certas áreas de ação ou contextos sociais [. . . ] conduzidas por determinados atores de maneira direcionada e intencional com o obje-tivo de satisfazer ou responder melhor às neces-sidades e problemas do que seria possível com base nas práticas estabelecidas (HOWALDT; HOCHGERNER,2018, p. 18).

Por fim, no Apêndice A são relacionadas as definições de inovação social encontradas na literatura durante a pesquisa desta tese.