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2. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR

2.2. A INSERÇÃO DA EA NA ESCOLA: O QUE DIZEM ALGUNS ESTUDOS

Diversos estudos ressaltam o grande crescimento na presença da EA nas escolas. A

pesquisa “O que fazem as escolas que dizem que fazem Educação Ambiental?” realizado pelo MEC/INEP (TRAJBER; MENDONÇA, 2006) evidenciou que 96% das escolas de fundamental e médio que participaram da pesquisa realizada em 2004 afirmaram desenvolver a EA em diferentes modalidades: projeto, disciplina, tema transversal, via projeto político

pedagógico e integração entre duas ou mais disciplinas. O estudo mostra que na região

Sudeste um percentual significativo de escolas que trabalham com EA iniciou seus trabalhos por iniciativa de um/a professor/a, em virtude de um problema ambiental do bairro ou por iniciativa dos estudantes. Ainda nesse contexto, os fatores mais importantes da inserção dessa prática nas escolas foram: a presença de professores/as qualificados/as com formação superior e especializados, professores/as “idealistas” que atuam como lideranças e, em seguida, a formação continuada de professores/as, sendo que os principais temas abordados são água, lixo, reciclagem, poluição e saneamento básico (TRAJBER e MENDONÇA, 2006).

Apesar da PNEA, e dos documentos elaborados como o PRONEA e as DCNEA, que se aproximam de uma concepção de EA crítica, diversos estudos, entre os quais destacamos o trabalho de Tozoni-Reis e Campos (2015), ressaltam uma distância entre o que dizem esses documentos e o que se efetiva na prática da EA na escola. Segundo a autora é marcante a fragilidade qualitativa dessa inserção, que muitas vezes ocorrem de forma paralela ou pontual. Dessa forma, constituindo-se como um tema “periférico” do currículo escolar a EA tem tido o papel secundário das atividades extracurriculares. Torres (2018) ressalta que as práticas de EA escolar, ainda enfatizam práticas como a separação do lixo em casa, o fechamento da torneira ao se escovar os dentes, o plantio de mudas no dia da árvore entre outras práticas conservadoras e focadas na culpabilização ou responsabilização individual.

Palmieri (2011) em sua pesquisa documental do tipo “estado da arte” caracterizou as pesquisas que analisam projetos de EA desenvolvidos em escolas. Partindo de 87 trabalhos desenvolvidos no período de 1988 a 2008 que tratavam de projetos de EA na escola no Brasil, a autora selecionou para a análise do texto completo apenas 24, que apresentavam como ocorreu o desenvolvimento dos projetos. Em seu trabalho a autora descreveu e discutiu as características gerais e pedagógicas, os limites e possibilidades dos projetos abordados nessas pesquisas.

Entre os limites (dificuldades relatadas sobre o desenvolvimento dos projetos) se destaca a deficiência na formação de professores/as, questão abordada em 75% dos trabalhos analisados. As pesquisas revelam o desconhecimento pelos/as professores/as dos documentos referentes à EA como o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis ou o PRONEA, assim como os referencias teóricos da EA (PALMIERI, 2011).

Outro fator analisado, presente em 50% das pesquisas, é a necessidade de diálogo entre professores/as e coordenação/direção. Em alguns casos os trabalhos relatam a ausência de reuniões semanais ou, quando presentes, mostram-se insuficientes e conturbadas, sendo utilizadas para questões burocráticas, não havendo tempo necessário para formação e planejamento. Ao mesmo tempo, as pesquisas trazem experiências de superaração dos obstáculos e construção de espaços de diálogo, sendo o ATPC (Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo), considerado pela autora uma das possibilidades para ser um desses espaços (PALMIERI, 2011).

A pesquisadora ressalta que diversos estudos discutem as condições precárias de trabalho docente e suas consequências. Em 17% das pesquisas é citado o restrito tempo que os/as professores/as possuem para se dedicarem ao desenvolvimento dos projetos, o que demanda horas de trabalho voluntário, assim como a jornada excessiva de trabalho imposta pelos baixos salários e a dificuldade de tempo para refletir sobre a prática. Soma-se a esse aspecto a rotatividade dos/as professores/as e gestão escolar o que dificulta a construção de um trabalho coletivo (PALMIERI, 2011).

A autora defende que, apesar de ser fundamental situar a inserção da EA nesse contexto, não se deve assumir uma “posição desmobilizadora e fatalista, como se, diante dessas condições objetivas, fosse impossível o desenvolvimento efetivo de qualquer proposta” (PALMIERI, 2011, p.124). Entre as possibilidades presentes nas pesquisas que revelaram uma possível superação do viés conservador e comportamental está a formação continuada. De forma mais específica, a autora apresenta um trabalho realizado em que além da

abordagem teórica ocorreu o acompanhamento do desenvolvimento de algumas ações práticas, utilizando o ATPC para o planejamento e discussão sobre as atividades em desenvolvimento.

Nesse sentido apresentamos dois trabalhos que tratam da pesquisa em EA na escola como processo de formação através da construção de processos participativos. Como apresentado por Tozoni-Reis (2008) é comum encontrar trabalhos que anunciam metodologias participativas como referência metodológica, mas não garantem que as ações realizadas se constituam também como investigação científica: apresentam, apenas, relatos de experiência em EA sem evidenciar a produção de conhecimentos exigida pela atividade de pesquisa. Dessa forma, após a leitura de diversos trabalhos, apresentamos dois nos quais a pesquisa em EA está atrelada a processos de formação e produção de conhecimentos sobre a EA na escola.

Para refletir sobre o uso do ATPC como possibilidade para a construção de processos de pesquisa em EA que envolvam a metodologia da pesquisa participante, apresentamos o trabalho de Agudo (2012) intitulado ““A Maior flor do mundo” de José Saramago e a Educação Ambiental na Escola” que buscou, a partir do conto infantil de Saramago, investigar as possibilidades de inserção da EA nos anos iniciais do ensino fundamental em duas escolas da rede estadual na cidade de Botucatu. A autora destaca que muitas dificuldades foram encontradas no ambiente escolar para a formação dos grupos de reflexão sobre a EA, entre eles a destinação do ATPC para outras atividades, como: planejamentos individuais, demandas burocráticas, formação para a implantação do currículo imposto pelo governo estadual, entre outras, o que dificultou a realização das atividades de estudo e reflexão com a participação dos/as professores/as.

Segundo a pesquisadora os entraves encontrados estão diretamente relacionados à organização da escola pública que desfavorece a construção de processos participativos. A autora destaca a condição de proletarização docente que vão do aviltamento salarial até a perda de autonomia. Outro fator que surge como obstáculo para a construção de um processo participativo é a estrutura organizacional da escola, na qual a hierarquia é uma forma de controle autoritário, presente nas relações entre a SEE, coordenação, direção escolar e professores/as (AGUDO, 2012).

Os resultados das atividades realizadas foram analisados e a autora concluiu que os professores/as tiveram dificuldades em se apropriar dos conhecimentos em torno de uma EA crítica, principalmente devido às condições de trabalho e de formação na graduação precárias.

Segundo a autora, apesar destes entraves constantes na escola pública, também podemos encontrar espaços de atuação que podem ser aproveitados para construirmos mudanças, novas perspectivas, no sentido de uma EA crítica e transformadora (AGUDO, 2012).

Outro trabalho que aborda a construção de um processo participativo para a inserção da EA crítica na escola pública foi realizado por Maia (2011). Através da pesquisa-ação participativa com professores/as do ensino fundamental da região norte do estado do Paraná, buscou-se articular as produções acadêmicas em EA ao cotidiano da escola pública, gerando condições para implementar propostas coletivas de EA crítica.

Os dados foram coletados ao longo de três anos e divididos em três etapas sucessivas: a primeira, em que o grupo se apropriou dos referenciais teóricos da EA; a segunda etapa caracterizou-se pela elaboração de projetos para serem aplicados nas escolas em que os professores atuavam, bem como o desenvolvimento destes projetos; a última fase caracterizou-se pela avaliação, por parte do grupo, dos resultados dos trabalhos (MAIA, 2011).

Entre as dificuldades encontradas o autor destaca a organização da escola, que tende a privilegiar os processos administrativos em detrimento dos pedagógicos, obrigando o dispêndio, por parte do professor, de muitas horas para essas atividades, minimizando seu período de estudo e aprimoramento. O autor também apresenta como mais uma barreira, o aviltamento e proletarização da profissão docente que no atual modelo neoliberal, determina, por meio de políticas públicas, diversas ações que relativizam o trabalho do/a professor/a e culminam por responsabilizá-lo/la pelo baixo rendimento escolar dos estudantes, entre outras mazelas da realidade escolar (MAIA, 2011).

Na reflexão sobre os projetos desenvolvidos pelos/as professores/as, o autor ressalta que de forma geral os trabalhos focaram em questões relacionadas aos conteúdos escolares ou problemas próprios da instituição e do seu entorno, entretanto, fortemente influenciados por uma perspectiva de resolução de problemas de forma imediata. Segundo o autor essas propostas inviabilizam uma visão mais ampla dos problemas ambientais, não os identificando como resultantes de uma série de fatores socioeconômicos e políticos determinados pelo modelo de desenvolvimento capitalista. Essa abordagem favorece uma visão conservadora e pragmática, com foco no preservacionismo e no comportamentalismo (MAIA, 2011).

Apesar dessas dificuldades, o autor destaca que foi possível a apropriação em parte de referenciais teóricos da EA crítica, que permitiram aos/às professore/as reflexões mais consistentes sobre as questões ambientais contemporâneas, entendendo o seu fundamento

econômico, político e social. O autor salienta a necessidade urgente de socialização das produções acadêmicas de pesquisa em EA nas escolas. O trabalho com os/as professores/as na elaboração, desenvolvimento, aplicação e avaliação de seus projetos mostrou, ainda que de forma inicial, essa possibilidade (MAIA, 2011).

Apesar dos complexos obstáculos apontados em trabalhos que buscam construir processos participativos em EA crítica na escola pública, concordamos com Guerra e Guimarães (2007) e Araújo et al (2016) sobre a relevância de estudos que buscam investigar as possibilidades para a construção de uma EA crítica na escola. Os autores salientam que muitas das pesquisas realizadas no campo da EA no contexto escolar enfatizam as limitações das práticas realizadas pelos/as professores/as e a classificação quanto às macrotendências da EA. Apesar da necessidade de estudos de diagnóstico, os autores ressaltam a importância de buscar investigar as possibilidades, buscando com isso compreender as possíveis transformações no contexto escolar e estratégias de intervenção com caráter reflexão-ação, uma vez que a escola pública não deve ser apenas espaço de análise e estudo para se fazer a crítica e produzir conhecimento.

Nesse sentido, esse trabalho busca, dentro dos limites impostos pelo tempo e contexto da pesquisa, contribuir nessa perspectiva de ir além do diagnóstico das concepções de EA e da denúncia das condições da escola pública atual, buscando, a partir do local de nossa inserção, a participação na construção de possibilidades. Essa questão será aprofundada no capítulo a seguir.