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Obstáculos e possibilidades para a construção de uma práxis crítica e criadora em educação ambiental na escola : Obstacles and possibilities for the construction of a critical and creative praxis in school's enviromental education

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Academic year: 2021

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NATHALIE CRISTINA WUTZKI

OBSTÁCULOS

E

POSSIBILIDADES

PARA

A

CONSTRUÇÃO

DE

UMA

PRÁXIS

CRÍTICA

E

CRIADORA

EM

EDUCAÇÃO

AMBIENTAL

NA

ESCOLA

OBSTACLESANDPOSSIBILITIESFORTHECONSTRUCTIONOFACRITICALAND

CREATIVEPRAXISINSCHOOL’SENVIROMENTALEDUCATION

CAMPINAS 2020

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OBSTÁCULOSEPOSSIBILIDADESPARAACONSTRUÇÃODEUMAPRÁXISCRÍTICAE CRIADORAEMEDUCAÇÃOAMBIENTALNAESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Ensino de Ciências e Matemática na área de Ensino de Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Sandro Tonso

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR NATHALIE CRISTINA WUTZKI E ORIENTADA PELO PROF. DR. SANDRO TONSO.

_______________________ Assinatura do Orientador

CAMPINAS 2020

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Prof. Dr. Sandro Tonso Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro Profa. Dra. Glaucia Soares Barbosa

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no

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Carlos Drummond de Andrade / Milton Nascimento Há quem diga - e eu concordo - que esse foi um processo mais intenso do que o necessário. O momento de finalizar esse ciclo (com idas e vindas) chegou, mas o mais importante são as relações de afeto que o tornaram possível.

À minha família, mãe (Tânia), pai (Narcy), irmã (Camila) e irmão (Vitor). Por me ensinarem a buscar sentido no trabalho para além de mim, por me acolherem com amor.

Às amigas/irmãs Ester e Elisângela, agradeço o coração tão aberto para compartilhar a vida.

Ao Diego, por me levar para ver a vida de cima da montanha, tomar banho de mar, rio, lago e cachoeira. Pela troca de ideias, carinho e aconchego.

Aos amigos/as do grupo Outras Margens, de forma especial, Ana Cecília, Jéssica, Elenara e Wagner. Obrigada pelas reflexões, apoio, inspiração e encorajamento.

Ao professor Sandro, por ter compartilhado uma Educação Ambiental que fez sentido para minha caminhada que iniciava, em 2012, como professora. Pelas importantes sugestões e considerações sobre o trabalho.

Às professoras da banca de defesa, Alessandra e Gláucia, agradeço a disponibilidade em participar da avaliação deste trabalho e as importantes reflexões e contribuições.

Às amigas e professoras Elizabeth e Valdete, pela relação de carinho e confiança que construímos.

Aos funcionários, professoras, coordenadora e direção da escola que acolheram essa pesquisa. Às crianças que participaram com tanta alegria, energia e criatividade.

Às amigas da Ecobrinquedoteca, Emile e Zamira. Agradeço o apoio e confiança. Aos colegas, professores/as do PECIM e da Faculdade de Educação, pelos diferentes olhares que me ajudaram a reconstruir o meu. Ao secretário Fabrício, por todo apoio nos processos burocráticos.

A todos e todas os/as estudantes com os quais já compartilhei o espaço-tempo da sala de aula como professora de ciências, pela realização de poder ser-estar por “inteira” no “lugar certo”.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 (número do processo: 01-P-3703/2017).

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convida ao desafio da construção do conhecimento sobre o ambiente em suas múltiplas dimensões através do diálogo crítico e problematizador, comprometido com o desvelamento da realidade e a formação de sujeitos capazes de compreender e se posicionar diante das questões socioambientais. Tendo como objetivo investigar os obstáculos e possibilidades para a construção de uma práxis crítica e criadora em EA na escola, através de um processo colaborativo considerando as condições objetivas da escola pública, ocorreu a inserção da pesquisadora no cotidiano de uma escola da rede estadual em Campinas-SP, com as professoras que atuam nos anos iniciais. Nesse processo buscou-se uma aproximação com a abordagem metodológica da pesquisa-participante, como possibilidade de construir um diálogo entre as práticas educativas ambientais no contexto escolar e o referencial teórico crítico da EA. Após a primeira fase de reflexão colaborativa com as professoras, evidenciaram-se como obstáculos os diversos mecanismos de controle por parte da Secretaria Estadual de Educação sobre a prática pedagógica das professoras, visando a adequação destas às avaliações externas. Apesar dos obstáculos encontrados no processo, foram construídas pelas professoras algumas possibilidades de inserção da EA em suas práticas pedagógicas. Na segunda fase, intentou-se construir um processo de ação e reflexão a partir das possibilidades percebidas pelas professoras, com a participação da pesquisadora nos momentos de planejamento, realização das atividades com as crianças e avaliação das ações. Através do diálogo dessas experiências relatadas no trabalho com o referencial teórico da pesquisa, buscou-se compreender os obstáculos encontrados, com ênfase nas consequências do neotecnicismo sobre a práxis educativa, e também refletir sobre as possibilidades construídas, tendo como referência algumas categorias compreendidas como relevantes para uma práxis crítica e criadora em EA na escola.

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understanding that critical EE is an educational process that invites us to the challenge of building knowledge about the environment in its multiple dimensions through critical and problematizing dialogue, committed to the reality’s unveiling and the formation of subjects capable to understanding and positioning themselves in front of social and environmental issues. With the objective of investigating the obstacles, possibilities and limits for the construction of a critical and creative praxis in EE at school through a collaborative process considering the public school’s objective conditions, the researcher participated in the daily life in a school located in Campinas, with the teachers who work in the earlier years. Motivated by the possibility of a research that enables the dialogue between the school’s environmental educational practices and the critical theoretical framework of EE, we sought an approximation with the methodological participant research’s approach. After the first phase of collaborative reflection with teachers, the various mechanisms of control by the State Department of Education over the teacher’s pedagogical practice were highlighted as a central obstacle, in their aiming to adaptate to external evaluations. Despite the obstacles encountered in the process, some possibilities for EE ‘s insertion in their pedagogical practices were built by the teachers. In the second phase, seeking to build a process of action and reflection based on the possibilities perceived by the teachers, we participated in the moments of planning, carrying out the activities with the children and evaluating the actions. Through the dialogue of these experiences reported in the work with the theoretical framework of the research, we seek to understand the obstacles encountered with emphasis on the consequences of neotechnism on educational praxis and elaborate a reflection on the constructed process, taking as reference some categories that we understand as relevant to reflect about a critical and creative praxis in school’s EE.

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EMAI Educação Matemática nos anos iniciais

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

ONG Organização não governamental ONU Organização das Nações Unidas OXFAM Oxford Committee for Famine Relief - PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PNEA Política Nacional de Educação Ambiental

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PRONEA Programa Nacional de Educação Ambiental

REBEA Rede Nacional de Educação Ambiental

SARESP Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo DCNEA Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Ambiental

SEE Secretaria de Educação do Estado de São Paulo UNESCO Organização para a Educação, Ciência e Cultura

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Quadro 2. Fase inicial do processo: Encontros com as professoras no ATPC (EP1)...63

Quadro 3. Encontros com as professoras dos 3º A e B (EP2.3)...63

Quadro 4. Atividades acompanhadas com as crianças e professoras dos 3º anos (AC)...64

Quadro 5. Atividades do cotidiano escolar (ACE) acompanhadas...65

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CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 12

1. AS EDUCAÇÕES AMBIENTAIS ... 19

1.1. AS EDUCAÇÕES AMBIENTAIS E DIFERENTES VISÕES DE MUNDO ... 19

1.2. VENTOS DO NORTE MOVEM MOINHOS? ... 23

1.3. A VERTENTE CONSERVADORA DA EA QUE SE CONFIGURA NO BRASIL NOS “ANOS DE CHUMBO” ... 25

1.4. A REDEMOCRATIZAÇÃO E A EA CRÍTICA ... 27

1.5. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A EA PRAGMÁTICA ... 33

1.6. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EA NO BRASIL A PARTIR DA DÉCADA DE 90. .... 36

2. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR ... 44

2.1. TECENDO RELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO, ESCOLA E SOCIEDADE ... 44

2.2. A INSERÇÃO DA EA NA ESCOLA: O QUE DIZEM ALGUNS ESTUDOS ... 52

3. METODOLOGIA ... 57

3.1. DO QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS SOBRE PESQUISA, MÉTODO E CIÊNCIA. ... 57

3.2. CAMINHOS DA PESQUISA ... 63

4. RELATOS DO PROCESSO DE PESQUISA ... 70

4.1. FASE INICIAL: REFLEXÃO COLABORATIVA ... 70

4.2. FASE POSTERIOR: PROCESSO DE AÇÃO E REFLEXÃO ... 86

5. REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO CONSTRUÍDO ... 181

5.1. COMPREENDENDO OS OBSTÁCULOS: O NEOTECNICISMO E A PRÁXIS EDUCATIVA ... 181

5.2. CONSTRUINDO POSSIBILIDADES: A EA CRÍTICA COMO PRÁXIS CRIADORA ... 191

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 216

REFERÊNCIAS ... 220

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CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.

Guimarães Rosa O trabalho apresentado nessa dissertação tem como enfoque a inserção da Educação Ambiental (EA) na escola pública. Nesse primeiro momento, apresentamos uma contextualização sobre a crise ambiental introduzindo algumas ideias sobre a EA e o percurso realizado nesse trabalho.

O relatório mais abrangente já feito sobre biodiversidade divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2019) enfatiza que a saúde dos ecossistemas, dos quais nós e todas as outras espécies dependemos, está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. O estudo relata a degradação dos nossos próprios meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo. Entre os dados apresentados destaca-se que: cerca de um milhão de espécies estão ameaçadas de serem extintas nas próximas décadas; a degradação do solo reduziu a produtividade de toda a superfície terrestre do mundo em 23%; a poluição causada pelo plástico aumentou 10 vezes desde 1980; cerca de 300-400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes e resíduos tóxicos são despejados anualmente nas águas do mundo (ONU, 2019).

Apesar da gravidade apresentada por esse extenso relatório, as informações não soam como uma grande novidade, pois há décadas não faltam números e estudos para assegurar que vivemos uma crise ambiental. Perante esse cenário, é importante ressaltar que podemos encontrar diferentes formas de compreensão que irão divergir diante de algumas questões, como por exemplo, “Quem são os responsáveis pela crise ambiental”?

Uma resposta comum para essa questão presente na mídia e de forma geral na sociedade seria “a humanidade”. Essa resposta pode ser compreendida a partir das visões sobre a crise ambiental provenientes das ciências ecológicas. Foladori (2001) apresenta que essa abordagem por compreender a espécie humana como um bloco homogêneo tem como foco de sua análise os limites naturais com os quais o ser humano se defronta no processo de desenvolvimento. Dessa forma, a crise ambiental é relacionada ao crescimento populacional, como se todos tivessem a mesma intensidade de consumo e responsabilidade pelas transformações necessárias.A partir dessa perspectiva, a solução estaria atrelada às questões técnicas, tecnológicas e regulamentadoras, que promoveriam uma remodelação do atual modo de produção.

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Partimos da compreensão de que o cenário atual não é resultado de “pequenos desajustes” ou “acidentes no percurso”. Conforme Foladori (2001, p.18) argumenta, a contradição limites naturais e desenvolvimento é equivocada já que “a sociedade humana antes de deparar com limites naturais ou físicos está frente a frente com as contradições sociais”. Nessa perspectiva, a resposta para a questão apresentada tende a ser mais complexa, pois a degradação socioambiental é apreendida como consequência de processos atrelados à lógica de produção capitalista, que têm como centro a geração de lucro e acúmulo de capital em detrimento das necessidades sociais e da sustentabilidade dos ecossistemas. Dessa forma compreende-se que a crise ambiental demanda uma transformação estrutural, na forma como a sociedade está organizada.

Para refletir sobre isso podemos analisar alguns dados; o relatório de 2017 da Oxford Committee for Famine Relief - OXFAM apresenta que, nos últimos anos, o 1% mais rico da população mundial teve uma renda mais alta que os 50% mais pobres e evidencia que longe de escorrer para baixo e beneficiar os mais necessitados, a renda e a riqueza estão sendo sugadas para cima a um ritmo alarmante (OXFAM, 2017). Esse mesmo estudo analisa que, embora as pessoas mais afetadas pela pobreza vivam em áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas, a metade mais pobre da população mundial é responsável por apenas cerca de 10% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa. Ao mesmo tempo, o impacto ambiental médio do 1% mais rico da população mundial pode ser até 175 vezes mais intenso que o dos 10% mais pobres (OXFAM, 2017).

Esses dados evidenciam que a responsabilidade diante das causas da degradação ambiental é diferenciada entre os mais ricos e os mais pobres, ao mesmo tempo, os efeitos, apesar de globais, atingem as classes e grupos sociais de maneiras desiguais, pois enquanto um pequeno grupo de privilegiados se beneficia através do acúmulo do capital, grande parte da população mundial se encontra exposta a situações de pobreza, vulnerabilidade ambiental e falta de acesso aos direitos básicos (OXFAM, 2017).

Por outro lado, Luiz Marques (2015) argumenta que suprir as carências da população que hoje não tem acesso aos direitos básicos como saneamento, alimentação ou moradia, aumentaria de forma irrelevante o impacto humano sobre os ecossistemas, ou até mesmo diminuiria. Entretanto, o modelo atual de crescimento econômico não está comprometido em atender as necessidades sociais, mas com a manutenção e intensificação da acumulação de capital, é com esse objetivo que se move a economia do planeta (MARQUES, 2015).

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Segundo Leff (2001), a crise socioambiental é uma expressão do esgotamento de um modelo de desenvolvimento baseado na apropriação da natureza por determinados grupos sociais a partir da dominação do outro, seja esse os bens naturais ou o outro humano. Esse processo é legitimado por uma forma de racionalidade tecnicista, reducionista e etnocêntrica, centrada no referencial europeu como modelo hegemônico. Segundo o autor, a crise socioambiental provoca questionamentos sobre como chegamos à situação atual e nos leva a repensar as formas de ser e saber.

A EA pode ser considerada um importante agente para favorecer a transformação necessária, relembrando Freire (2000, p.67) “[...] se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco sociedade muda”. Entretanto, é preciso avaliar que a EA surge da confluência do campo ambientalista, que possui diferentes linhas de pensamento, com o campo das diversas tradições educativas, é de se esperar que se resulte em um amplo espectro de Educações Ambientais (CARVALHO, 2011).

Dessa forma, devido às diferentes compreensões sobre a crise ambiental, sobre o caráter da educação e propostas de intervenção, a EA não pode ser considerada como algo homogêneo, mas como um campo social com caráter político e diversificado (LAYRARGUES e LIMA 2014). Compreendemos que as diferentes concepções de EA que formam esse campo social, não surgem nos grupos sociais de forma espontânea, mas são resultados de processos históricos mediados por conflitos e contradições.

De forma geral, Layrargues e Lima (2014) apresentam que podemos perceber atualmente no campo da EA posicionamentos que oscilam entre tendências à reprodução ou à transformação das relações sociais e das relações que a sociedade mantém com o ambiente, fundamentadas em referenciais teóricos políticos-pedagógicos divergentes, sendo denominadas de forma geral como conservadoras (conservacionistas ou pragmáticas) ou críticas.

A EA crítica parte de uma concepção de ambiente que vai além dos aspectos ecológicos (dos quais normalmente partem as tendências conservadoras, marcadas por uma visão ecológica e técnica da crise ambiental) considerando a dimensão histórica, social, cultural e política (TOZONI-REIS, 2006). Tendo como referenciais teóricos a abordagem marxista ou o pensamento da complexidade, a crise socioambiental é entendida em seu processo histórico, considerando a realidade em seu movimento dialético, permeada por contradições e conflitos onde “ocorre inter-retro-ação do todo e das partes, num processo de totalização” (GUIMARÃES, 2004, p.28).

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Leff (2001) utiliza a expressão saber ambiental para designar o saber que surge através da confluência de saberes científicos com saberes tradicionais, que se opõe à subjugação dos diferentes saberes à ciência moderna, propondo nesse diálogo a reconstrução do saber como necessária para a reconstrução do mundo.

O saber ambiental problematiza o conhecimento fragmentado em disciplinas e a administração setorial do desenvolvimento, para construir um campo de conhecimentos teóricos e práticos orientado para a rearticulação das relações sociedade-natureza [...] O saber ambiental excede as “ciências ambientais”, constituídas como um conjunto de especializações surgidas da incorporação dos enfoques ecológicos às disciplinas [...] para abrir-se ao terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais (LEFF, 2001, p. 145).

Segundo o autor (LEFF, 2001) o ambiente não é um simples objeto de conhecimento ou um problema técnico, mas um saber que questiona o conhecimento da ciência moderna, emergindo da ordem do não pensado pelas ciências. A construção desse saber “marginal” envolve a problematização e transformação dos conhecimentos fragmentados e estanques, abarcando desde as ciências ambientais, sociais até os conhecimentos práticos, tradicionais e valores. Ou seja, a busca do conhecimento sobre o ambiente que não se limita à ecologia, mas como defende Tozoni-Reis “No âmbito da educação ambiental que se reconhece como crítica, como aquela que não consegue olhar, pensar e fazer o ambiente sem considerá-lo contraditório, histórico, social e político” (2019, p.7).

Nessa perspectiva, para a construção de um processo educativo em EA, Tozoni-Reis (2014) ressalta a práxis transformadora, como ação política consciente (pensada concreta e historicamente) voltada para a transformação da realidade. Sendo para isso necessária a superação da mera transmissão de conhecimentos assim como de ações que se limitam à sensibilização e atividades práticas, aproximando-as da compreensão da realidade através da reflexão crítica e dialógica, contextualizando e problematizando os conflitos socioambientais e as contradições do modelo de desenvolvimento atual.

Compreendemos nesse trabalho a construção do conhecimento sobre o ambiente em suas múltiplas dimensões a partir da educação problematizadora de Paulo Freire (2007) de caráter autenticamente reflexivo e que implica num constante ato de desvelamento da realidade. Aprender, nessa perspectiva, é uma aventura criadora de conhecimentos sobre a realidade a partir dos sujeitos, é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao diálogo (FREIRE, 2007).

Nesse sentido, concordamos com Gadotti (1998) que a educação que copia e reproduz modelos, que se limita a transmissão de informações, não deixa de ser práxis, porém se trata

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de uma práxis reiterativa e burocratizada. Ao contrário desta, a práxis educativa transformadora é essencialmente criadora, ousada, crítica e reflexiva.

Dessa forma, entendemos que a EA, como práxis crítica e criadora, nos convida ao desafio da construção do conhecimento sobre o ambiente através do diálogo problematizador, comprometido com o desvelamento da realidade e a formação de sujeitos capazes de compreender e se posicionar em relação às questões socioambientais.

O enfoque desse trabalho está na EA no contexto da educação escolar pública. Essa escolha se justifica tanto pela experiência da pesquisadora como professora de ciências na rede estadual de ensino em Campinas1, como também pelo papel que a escola possui na sociedade, como uma instituição social voltada para a formação das crianças e jovens, onde a presença da EA é assegurada pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e por legislação específica como a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA–lei 9795/99).

Trabjer e Mendonça (2006) apresentam em sua pesquisa que a EA está presente em 96% das escolas brasileiras. Apesar desse crescimento, diversos estudos, entre os quais destacamos o trabalho de Tozoni-Reis (2015), ressaltam a fragilidade das atividades desenvolvidas, que muitas vezes ocorrem de forma paralela ou pontual, limitando-se em alguns casos às datas comemorativas.

Guimarães (2016) também argumenta que na inserção da EA na escola tem predominado um ativismo desvinculado de uma reflexão teórica crítica, que, apesar de estar presente nas produções de pesquisa na área, pouco se faz presente de forma significativa no “chão da escola”. É possível encontrar muitos trabalhos que apresentam o diagnóstico dessa situação (PALMIERI, 2011), entretanto, entendemos que precisamos somar esforços para investigarmos como essa EA, crítica e transformadora, pode ser construída na escola.

Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é investigar os obstáculos e possibilidades para a construção de uma práxis crítica e criadora em Educação Ambiental na escola, através de um processo colaborativo considerando as condições objetivas da escola pública.

Para isso, no capítulo 1 buscamos realizar uma reflexão sobre as diferentes “Educações Ambientais” através de uma perspectiva histórica, focando o nosso olhar a partir da década de 1970. Entendemos como fundamental esse movimento para compreender as

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Como professora de ciências busquei construir propostas de EA utilizando diferentes estratégias, entre essas, alguns processos significativos ocorreram através da inserção de práticas agroecológicas. Nesse sentido, o projeto inicial de pesquisa tinha como objetivo refletir sobre as potencialidades e limites das práticas agroecológicas como estratégia para a EA crítica na escola. Porém, diversos fatores dificultaram o prosseguimento dessa proposta e levaram à mudança para o trabalho atual.

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diferentes práticas atuais entendidas como EA e atuarmos de forma crítica. Ao realizar essa reflexão também buscamos esclarecer nosso posicionamento político, visão de mundo e embasamento teórico desse trabalho. A partir da compreensão sobre as diferentes concepções de EA apresentamos uma breve análise sobre as políticas públicas de EA a partir da década de 90.

O enfoque do capítulo 2 está nas relações entre a escola e a sociedade assim como a inserção da EA nesse contexto. Considerando a escola como parte em uma totalidade dialética, entendemos que, sem desconsiderar as especificidades e singularidades de cada escola, é preciso considerar como sintetiza Tozoni-Reis e Campos (2015, p.19) “a escola como uma instituição social, responsável pela formação de todas as crianças e todos os jovens de uma sociedade complexa e desigual (capitalista) voltada para o mundo do trabalho (de massas) e sob a responsabilidade do Estado”.

Dessa forma, as discussões sobre a EA na escola não podem ser tratadas sem considerar as condições objetivas da escola pública, que é atravessada por contradições e múltiplas determinações se configurando como campo de disputa entre diferentes projetos de sociedade, que polarizam entre a transformação e a conservação das relações sociais atuais, considerando o papel de mediação da educação nessa relação (TOZONI-REIS e CAMPOS, 2015).

Nesse capítulo abordamos alguns autores que tratam de forma mais específica sobre questões referentes à rede de ensino do estado de São Paulo. Entre outros aspectos ressaltamos o neotecnicismo2 (FREITAS, 2014) presente nas políticas públicas voltadas à educação, que segundo Freitas (2014) favorecem a padronização do trabalho pedagógico e à redução do processo educativo à lógica empresarial, baseada no controle, meritocracia, responsabilização e concorrência.

No capítulo 3 “Meotodologia”, apresentamos inicialmente no subcapítulo 3.1 “Do que falamos quando falamos sobre pesquisa, métodos e ciência” quais pressupostos e posicionamentos políticos embasam nossas escolhas metodológicas. Nesse sentido, motivados pela possibilidade de um tipo de pesquisa que possibilite o diálogo entre as práticas educativas ambientais no contexto escolar e o referencial teórico crítico da EA buscamos

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Termo utilizado por Freitas (2014) para designar a organização do ensino que se intensificou após as reformas educacionais da década de 1990. Esta definição tem como base a “pedagogia tecnicista” apresentada por Demerval Saviani (2003) na década de 1980.

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nesse trabalho uma aproximação com a abordagem metodológica da pesquisa-participante, porém compreendendo os limites impostos pelo contexto em que a pesquisa se insere.

Considerando nosso objetivo e a metodologia escolhida, descrevemos no subcapítulo 3.2 como foi construído e estruturado o trabalho a partir da inserção da pesquisadora no cotidiano de uma escola da rede estadual de Campinas-SP, durante o período de abril até dezembro de 2017, com as professoras que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental.

Esse processo, construído com as professoras e a coordenadora, se estruturou em duas fases. Inicialmente buscou-se refletir de forma colaborativa com as professoras sobre a EA na escola e as diferentes “Educações Ambientais”, também analisamos os obstáculos e possibilidades para a construção de uma EA crítica na escola. Na fase posterior, buscando construir um processo de ação e reflexão a partir das possibilidades percebidas pelas professoras, a pesquisadora participou dos momentos de planejamento, realização das atividades com as crianças e avaliação das ações. O desenvolvimento do trabalho na escola com os participantes da pesquisa é narrado no cap. 4 “Relatos do processo de pesquisa”.

Através do diálogo dessas experiências relatadas no trabalho com o referencial teórico da pesquisa, no cap. 5, buscamos compreender os obstáculos encontrados, com ênfase nas consequências do neotecnicismo sobre a práxis educativa e elaboramos uma reflexão sobre o processo construído, tendo como referência algumas categorias que entendemos como relevantes para refletirmos sobre uma práxis crítica e criadora em EA na escola.

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1. AS EDUCAÇÕES AMBIENTAIS

Se muito vale o já feito Mais vale o que será E o que foi feito É preciso conhecer Para melhor prosseguir Falo assim sem tristeza Falo por acreditar Que é cobrando o que fomos Que nós iremos crescer Outros Outubros virão Outras manhãs plenas de sol e de luz Milton Nascimento e Fernando Brant 1.1. AS EDUCAÇÕES AMBIENTAIS E DIFERENTES VISÕES DE MUNDO

Existem várias práticas que podem ser consideradas como Educação Ambiental, alguns exemplos comumente observados são as diversas campanhas, seja para economia de água, reciclagem ou preservação de uma espécie em risco de extinção. Entretanto, podemos pensar também nos mais diversos movimentos, como um coletivo de moradores que atue contra a venda de uma área pública, uma horta comunitária, um projeto escolar sobre os problemas ambientais próximos na região, entre tantas outras ações.

Nesse sentido, Carvalho (2011) observa que o uso frequente da expressão “Educação Ambiental” pode levar a uma apreensão ingênua, como uma reunião de palavras com poder de abrir portas para um amplo campo de consenso, capaz de garantir alianças de educadores/as de “boa vontade” que se relacionam com a ideia das boas práticas ambientais. Segundo a autora, a visão da EA como apenas um campo de convergência não considera a complexidade dos conflitos sociais que se configuram em torno dos diferentes e desiguais modos de acesso aos bens naturais. Assim, quando observamos mais de perto, percebemos divergências políticas, teóricas e metodológicas entre as diversas ações entendidas como “Educação Ambiental”. De forma consciente ou não, estas práticas estão “molhadas” de diferentes visões de mundo que condicionam a forma com que compreendemos a realidade e, portanto, nossa ação sobre a mesma.

Ao pensarmos no que é a realidade, é comum a ideia de que ela é constituída por coisas, por exemplo, um rio, seria uma “coisa” e por isso algo real. Porém, um mesmo rio, pode ter variados significados para grupos sociais diferentes (o que não exclui possíveis significados comuns, como fonte de água e alimento). Um povo indígena pode compreendê-lo como seu parente e/ou um ente sagrado, para os pescadores ribeirinhos sua relação com o rio pode vincular-se a sua identidade e sobrevivência, para as comunidades próximas pode ser um

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espaço para o lazer, o brincar, o estar junto, ao mesmo tempo, esse rio para um grupo de empresários pode ser visto como fonte de recursos e matéria-prima para obtenção de lucros. Sobre os diferentes significados que atribuímos aos estímulos captados pelos sentidos, Kosik argumenta que

[...] da minha audição e da minha vista participam, portanto, de algum modo, todo o meu saber e a minha cultura, todas as minhas experiências - sejam vivas, sejam ocultas na memória e se manifestando em determinadas situações -, os meus pensamentos e as minhas reflexões (KOSIK, 1989, p.24).

As culturas ou diferentes visões de mundo se expressam nas variadas formas com que percebemos e nos apropriamos da natureza e a transformamos em um mundo humano, como discutido por Brandão (2015), nós somos ao mesmo tempo, em nossa essência e em nossa existência, seres da natureza, que compõe uma espécie natural e também sujeitos da cultura. Passamos assim de organismos biológicos a sujeitos sociais ao criarmos socialmente nossos próprios mundos e ao dotá-los e a nós próprios de diferentes sentidos.

Dessa forma, a espécie humana a partir do seu aparato biopsicológico produz múltiplos e diversos modos de ser e de viver, se diferenciando “por ser um animal social que não apenas sabe, mas sabe-que-sabe. Que ao mesmo tempo pensa e conhece, na mesma medida em que se pensa pensando e compreendendo. Um ser que sabe o que sente e que sente o que sabe” (BRANDÃO, 2015, p. 66).

As diversas visões de mundo presentes em uma sociedade pelos grupos e classes sociais que a compõem são construídas a partir das condições concretas da sua existência. As diferentes concepções que existem das “coisas” (ser humano, natureza, sociedade, educação, EA...) não “pairam no ar” como se surgissem de forma espontânea, mas são construídas a partir das condições ambientais, históricas, econômicas, políticas, culturais e sociais.

Nesse sentido, compreendemos o real, como discute Chauí (1980), esse entrelaçamento do físico-material e da significação, “a unidade de um ser e de seu sentido, fazendo com que aquilo que chamamos “coisa” seja sempre um campo significativo” (CHAUÍ, 1980, p.19) que variam no tempo e no espaço, entendido, portanto como processo que depende fundamentalmente da forma com que os seres humanos se relacionam entre si e com os outros elementos da natureza e da posição ocupada pela classe e grupo social na sociedade.

Essas considerações nos provocam algumas reflexões como educadores/as, pois estamos cotidianamente diante de outros sujeitos que não chegam à escola, ou outros espaços educativos, como “vazios a serem preenchidos por conhecimento”, mas pessoas marcadas por

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uma história, um lugar específico na sociedade e visões sobre o ambiente. Diante disso nos questionamos: como essa compreensão pode ajudar a ressignificar nossa prática como educadores/as? Como nos ajuda a refletir sobre práticas de EA que muitas vezes buscam apenas moldar comportamentos segundo um específico padrão entendido como “ecológico”? Como pode ser potencializadora de uma práxis em EA que faça sentido para os sujeitos envolvidos? Iremos retomar essas questões ao longo desse texto.

A partir dessa reflexão, compreendemos que não se pode analisar uma prática social, concepção ou teoria, sem ver como ela se relaciona com o conjunto da vida social e com o contexto histórico do momento. É necessário o esforço para apreender as mudanças e conflitos que se desenvolvem como elementos em relação, como partes em uma totalidade dialética (LOWY, 2008).

Na abordagem marxista a totalidade é entendida como síntese de múltiplas determinações, isso significa “não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes” (KOSIK, 1989, p.42) superando assim a concepção cartesiana de “todo” como a soma dos elementos e fatos mais simples. Kosik (1989) argumenta que os fatos isolados são abstrações, é o todo, que não pode ser percebido pela via sensorial, que revela o objeto no seu significado. Assim o sujeito tem um papel ativo no desvelamento do objeto, buscando compreender suas inter-relações e construindo assim o conhecimento concreto.

Em sociedades que estão organizadas de forma injusta, exploratória e desigual, as diferentes visões de mundo representam interesses distintos e conflituosos, vinculados à conservação ou transformação dessas relações. Embora predominem na sociedade as ideias que representam os interesses do grupo com poder econômico, que são constantemente naturalizadas como “verdades” devido aos aparelhos que esta classe detém para reproduzir sua visão de mundo, a coexistência com outras ideias e interesses reflete a possibilidade de transformação que está presente na própria sociedade (ANDERY, 2000).

Assim, a totalidade, partindo de uma compreensão dialética, considera todas as coisas em seu devir, em constante transformação, a sociedade é, portanto, considerada sempre inacabada. As transformações só são possíveis devido às contradições internas, entre as forças de conservação e de transformação (LOWY, 2008).

Nessa perspectiva contraria-se uma compreensão de uma determinação mecanicista da relação do todo (estrutura social organizada sobre o modo de produção capitalista) sobre a

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parte (a ação humana), que tenderia sempre à reprodução. É importante ressaltar que “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas circunstâncias com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 2003, p.15).

Portanto, compreende-se o ser humano como produto, mas também criador da história, considerando as possibilidades de ação não de forma abstrata, mas segundo as condições objetivas. Ao mesmo tempo em que é condicionado pelas circunstâncias, pode ter ação transformadora destas “A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou automudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como práxis revolucionária” (MARX, 1984, p.108), ou seja, o ser humano ao modificar as circunstâncias que o condicionavam, nesse processo, muda também a si mesmo. Como bem nos aponta Freire

[...] embora a indiscutível importância da forma como a sociedade organiza sua produção para entender como estamos, não é possível, pelo menos a mim, desconhecer ou minimizar a capacidade reflexiva decisória do ser humano. O fato mesmo de se ter ele tornado apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas econômicas, o fez também capaz de intervir na realidade condicionante. Quer dizer, saber-se condicionado e não fatalmente submetido a este ou aquele destino abre o caminho a sua intervenção do mundo (FREIRE, 2000, p. 56).

A consciência crítica, dessa forma, não é algo que se deposita ou que pode ser transferida entre os indivíduos, mas que se constitui como processo, através da práxis, como apresentado por Brandão (2003, p. 221) “não significa aderir ao que aos olhos de outros parece ser o mais avançado do ponto de vista de pertencimento e de participação nos destinos da polis. Significa haver aprendido por conta própria a realizar escolhas autônomas e responsáveis”.

Buscamos nesse capítulo construir uma reflexão sobre os fatores que condicionam as concepções e práticas de Educação Ambiental, relacionando-as com as visões de mundo, contextos históricos e interesses que estão atreladas. Como Freire apresenta “o estudo do passado traz à memória de nosso corpo consciente a razão de ser de muitos dos procedimentos do presente e nos pode ajudar, a partir da compreensão do passado, a superar marcas suas” (FREIRE, 2000, p. 75).

Considerando que qualquer atividade social sofre transformações no tempo por um conjunto complexo de relações e interações, do qual não pretendemos dar conta, buscamos realizar uma aproximação ao refletir sobre essa construção, para que, percebendo a EA no Brasil em seu movimento histórico, mediado por conflitos e contradições, possamos

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compreender algumas razões das diversas práticas hoje entendidas como Educação Ambiental. Para isso apresentamos inicialmente como a EA ganha relevância no contexto internacional. A seguir tratamos do desenvolvimento de três tendências da EA, compreendendo o contexto político brasileiro nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Por fim delineamos as políticas públicas de EA no Brasil a partir da década de 1990, relacionando-as com as tendências da EA.

1.2. VENTOS DO NORTE MOVEM MOINHOS?

Segundo Tozoni-Reis (2007), a preocupação sobre a relação entre o ser humano e a natureza presente hoje na nossa sociedade, apesar de todas as suas contradições, faz parte da história da humanidade. Na cultura ocidental encontramos registros que envolvem discussões filosóficas sobre a natureza como categoria conceitual desde os filósofos pré-socráticos. Também é importante ressaltar que essa relação ao longo da história se deu de forma diversa entre os diferentes povos e culturas, já que cada sociedade cria um determinado conceito de natureza ao mesmo tempo em que institui as suas relações sociais.

Segundo a autora (TOZONI-REIS, 2007) essa preocupação ganhou maior evidência no contexto dos países do “Norte” em consequência das transformações na maneira de organizar a produção e a reprodução da vida, com a estruturação do poder científico, político e social, definidas durante o século XIX pela Revolução Industrial.

Essas transformações consolidaram o modo de produção capitalista, estabelecendo: a divisão da sociedade em classes (a burguesia como detentora dos meios de produção e o proletariado como classe que necessita vender sua força de trabalho), o aumento da disponibilidade de mão-de-obra e do ritmo de produção gerando acúmulo de capital, a subordinação do conhecimento científico à produção industrial e a relação de domínio em relação à natureza; assim como a progressiva e desenfreada expansão dessa forma de organizar a sociedade pelo mundo. A produção industrial sobre a lógica do lucro apresentou sua intrínseca “outra face”: exploração dos trabalhadores e degradação ambiental (TOZONI-REIS, 2007.

O professor Ivan Amaral (2001) aborda alguns fatores que caracterizam a conturbada década de 1960 e que propiciaram o extravasamento da questão ambiental para além dos círculos científicos com o surgimento do movimento ambientalista, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, como os conflitos bélicos, o perigo iminente representado pela energia

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nuclear, o temor de uma explosão demográfica considerada responsável pelo problema da fome mundial e o movimento pacifista. Atrelado a esse contexto, a publicação em 1962 do livro Primavera Silenciosa de Rachel Carson contribuiu para a popularização do debate sobre a crise ambiental, expressando a percepção dos limites do “progresso” e dos riscos associados à exploração da natureza nas sociedades industriais.

A EA é entendida por Carvalho (1991) como herdeira direta do movimento ecológico e do debate internacional sobre meio ambiente. A partir da análise dos discursos ecológicos na década de 1970, a autora observa uma disputa de forças entre diferentes formas de compreender a crise socioambiental. O movimento ecológico emergente é percebido como portador de uma radicalidade contra-hegemônica que denunciava o mal-estar das sociedades industrializadas, se opondo aos valores materialistas da sociedade de consumo e propondo outra relação entre a sociedade e a natureza, um outro modo de vida.

Segundo a autora (CARVALHO, 1991) os movimentos ecológicos contribuíram para levar a crítica ao capitalismo industrial à esfera pública e promover um ideário emancipatório. Ao mesmo tempo, o discurso ecológico oficial, entendido pela autora como aquele produzido pelos organismos governamentais internacionais, institucionalizou uma fala sobre meio ambiente, apresentando-a como consenso mundial sobre o assunto, como um esforço para instituir uma interpretação da crise ecológica que se torne “a verdade”. Segundo McCormick

Por volta de 1970 a crise ambiental não era mais uma crise silenciosa. Um novo movimento de massas tinha surgido e uma nova questão estava começando a encontrar seu caminho para a agenda das políticas públicas [...] O interesse aumentou e nasceu um debate controverso sobre os limites do crescimento, centrado no postulado Malthusiano de que crise e colapso eram inevitáveis, a menos que o crescimento da população e a exploração de recursos fossem controlados (MCCORMICK, 1992, p.81).

Segundo o autor essa perspectiva sobre a crise fica evidente no relatório lançado pelo Clube de Roma em 1972 como “The Limits to Growth”. A proposta de crescimento zero gerou conflitos entre os países do Norte e do Sul, expressos em 1972 na Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano realizada em Estocolmo, na qual o Brasil teve um papel de liderança entre os países subdesenvolvidos, reivindicando um crescimento a qualquer custo, compreendendo a questão ambiental como uma preocupação distante, ou até mesmo como uma manobra para impedir o desenvolvimento, visto como necessário para a geração de empregos e riqueza(LIMA, 2009).

A abordagem da educação para o meio ambiente está presente na Declaração de Estocolmo, sendo o marco do início da institucionalização da EA, onde se apontava a necessidade de realizar uma EA como instrumento estratégico na busca da melhoria da

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qualidade de vida e na construção do desenvolvimento. Loureiro (2004) descreve que após esse evento, a dupla institucional Organização para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) passam a promover a Educação Ambiental, tornando-a um campo internacionalmente reconhecido.

Em 1975, ocorre em Belgrado o I Seminário Internacional de Educação Ambiental, segundo Loureiro (2004) o grande mérito desse encontro, apesar da tendência ao viés economicista liberal, foi abordar a necessidade de uma nova ética global e ecológica, apontando relações entre os problemas ambientais e sociais.

Outro momento tido como referência foi a Conferência Intergovernamental realizada em Tbilisi em 1977, com a participação de representações de Estado em escala mundial, aos quais se sugere a implementação de políticas públicas específicas de modo a consolidar e universalizar a Educação Ambiental.

1.3. A VERTENTE CONSERVADORA DA EA QUE SE CONFIGURA NO BRASIL NOS “ANOS DE CHUMBO”

A Educação Ambiental que surge no Brasil na década de 1970 já se configura em seu início como um campo plural que reunia contribuições de diversas disciplinas científicas, matrizes filosóficas, posições político-pedagógicas, atores e movimentos sociais. Entretanto, apesar da complexidade dos atores envolvidos, a questão ambiental no contexto da década de 70 e 80, sofreu influência de forma decisiva das pressões das organizações internacionais sobre o governo brasileiro para instituir órgãos e políticas públicas ambientais como exigência para a realização de investimentos (LIMA, 2009).

Segundo Gonçalves (1989) antes que houvesse a consolidação no país de um movimento ecológico, o Estado criou diversas instituições para gerir o meio ambiente. Dessa forma a EA foi inserida através dos órgãos públicos, como a Secretaria do Meio Ambiente, criada em 1973, formada por técnicos vinculados as ciências naturais, entendidos como autoridades incontestáveis na definição de problemas e de políticas ambientais, e não da educação, o que traz como consequência uma abordagem mais técnica e normalista e falta de compreensão da EA como processo educativo (LOUREIRO, 2004).

Além disso, é fundamental considerar o contexto que o país vivia de liberdade restritiva que se iniciará com o Golpe Militar em 1964 e perdurou até 1985, com a perseguição aos movimentos sociais e a educação sobre forte repressão. Segundo Lima

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Uma das consequências do clima autoritário vigente à época sobre esse campo está na constatação de que a EA brasileira, em seus primórdios, foi orientada por uma visão hegemônica de perfil conservacionista, tecnicista, conservadora e apolítica, embora essa não fosse sua expressão exclusiva. Associado a isso, deve-se considerar a forte mediação do Estado brasileiro nesse processo de constituição do debate e da política ambiental brasileira em detrimento da sociedade civil e de uma cultura de participação social (LIMA, 2009, p. 149).

Considerando que o país vivia o período conhecido como “Milagre Brasileiro” (1964 a 1975), com crescimento industrial e das metrópoles acelerado, desmatamento de quase 10% da Floresta Amazônica e a primeira usina nuclear; o perfil conservador da EA prevaleceu por ser funcional a manutenção da ordem estabelecida, já que a abordagem da questão ambiental sobre uma perspectiva natural e técnica não problematizava o modelo de desenvolvimento adotado, gerador de desigualdades e degradação ambiental (LIMA, 2009).

Devido à forte influência das ciências naturais, a tendência conservadora evidencia os aspectos ecológicos das questões ambientais; nessa perspectiva o meio ambiente é compreendido como natureza selvagem a ser preservada da “ação humana”, através de parques nacionais e reservas ambientais (LIMA, 2009).

Essa visão conservadora da EA, decorrente de uma abordagem baseada na fragmentação do conhecimento para análise e controle, ao focar a parte não percebe as

inter-relações que a constituem3, assim promove uma compreensão que separa natureza e

sociedade. Essa perspectiva é fundamentada na especialização do conhecimento que possui no

positivismo sua expressão como paradigma científico que se tornou dominante a partir do século XVII e que favoreceu a consolidação do modo de produção capitalista (GUIMARÃES, 2004).

Conforme Gonçalves (1989) nos lembra, não se tratam apenas de concepções sem implicações na realidade objetiva, o século XIX será o triunfo desse mundo pragmático, sendo a natureza um meio para atingir um fim, com a ciência e a técnica adquirindo, como nunca, um significado central na sociedade. Como consequência, qualquer tentativa de pensar a sociedade e a natureza de uma forma integrada torna-se mais difícil, até porque a divisão não se dá somente enquanto pensamento e conhecimento, mas se consolida na divisão social e técnica do trabalho para aumento da produtividade, na negação dos sujeitos ao conhecimento

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Segundo Layrargues e Lima (2014) nas últimas décadas a EA conservadora em sua abordagem conservacionista acompanhou os avanços que ocorreram em parte das ciências naturais na busca de superar a fragmentação do conhecimento, através da adesão ao pensamento ecossistêmico. Porém tendem a despolitizar a educação do sentido de prática social, pois a mudança permanece centrada na ação do indivíduo desvinculado da sociedade.

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do processo integral em que participam e na especialização das máquinas e objetos produzidos.

A partir desse paradigma, em que a compreensão do todo é tida como a soma das partes, a sociedade é compreendida como resultado da soma dos indivíduos. Nessa perspectiva a EA conservadora tem como foco intencional mudanças comportamentais e ações individuais, supondo que assim é possível a solução dos “problemas ambientais”. A tarefa educativa seria a de transmitir os conhecimentos corretos, de informar e sensibilizar as pessoas, individualmente (GUIMARÃES, 2004).

Refletindo sobre a questão colocada no início desse capítulo, é dentro dessa perspectiva que podemos compreender diversas práticas educativas ainda realizadas nas escolas. Porém, podemos nos questionar, como falar sobre a economia de água domiciliar sem discutir a desigualdade no acesso e consumo? Como defender a preservação das espécies em risco de extinção sem considerar quem se beneficia com o avanço do agronegócio sobre o cerrado e a floresta amazônica? Ao apresentar uma abordagem simplista das questões, tendem a ocultar os interesses, conflitos e atores envolvidos nos “problemas ambientais”. As atividades que enfatizam a normatização de “atitudes ecológicas” ignoram a cultura e o contexto socioambiental que vivem os sujeitos, ao enfatizar o “cada um fazer a sua parte” contraria-se o caráter coletivo das transformações necessárias.

Assim, a Educação Ambiental nessa perspectiva conservadora, por não compreender a complexidade e a necessidade de uma transformação estrutural no modo como estamos socialmente organizados, acaba de forma consciente ou não, reproduzindo e, dessa forma, conservado os valores, os princípios e as relações sociais capitalistas (GUIMARÃES, 2004; LAYRARGUES; LIMA, 2014).

1.4. A REDEMOCRATIZAÇÃO E A EA CRÍTICA

A EA no Brasil durante a década de 1970 apresenta as características do contexto político, sociocultural e pedagógico hegemônicos, com uma tendência preponderante a um viés conservador, altamente influenciado por valores da classe média europeia. Essa tendência não era a única e universal, mas se expressou como dominante nesse período (LIMA, 2009).

A partir da segunda metade da década de 1980, o autor (LIMA, 2009) ressalta que irá se intensificar uma politização do movimento ambientalista e por consequência da EA, passando a disputar espaço com o viés conservador. Este processo se dá com o

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amadurecimento da experiência e do debate ambiental, possibilitando que as questões sociais e ambientais fossem vistas como não antagônicas, mas complementares, pois ambas são produzidas pelo mesmo modelo de desenvolvimento que penaliza a qualidade de vida dos mais pobres. Segundo o autor as mudanças no campo do ambientalismo e da Educação Ambiental precisam ser compreendidas em relação com alterações no contexto sócio-político

É importante dizer que esse processo de mudança no campo da EA brasileira se desenvolveu, simultânea e articuladamente, a um conjunto de mudanças históricas e sociopolíticas que compreendeu a redemocratização do regime político a partir da década de 1980; a substituição do governo militar por um governo civil, embora ainda a partir de eleições indiretas; o surgimento de movimentos sociais e de ONGs com novas feições autonomistas e participativas; o amadurecimento da problemática ambiental no país; a ampliação do debate social e ambiental com a constituição de novos fóruns regionais, nacionais e internacionais; e a consequente aproximação entre setores dos movimentos sociais e dos movimentos ambientalistas, dando origem ao que ficou conhecido como socioambientalismo (LIMA, 2009, p. 156).

Dessa forma, se inicialmente a temática ecológica no Brasil era entendida principalmente como questões de preocupação da classe média, o que provocava resistências da parte dos movimentos populares e sindicais que entendiam as lutas ecológicas contra as tecnologias poluidoras como potenciais geradoras de desemprego, Carvalho (2002) destaca que até o final da década de 1980 os movimentos populares e sindicais passam a internalizar em alguns casos a dimensão ambiental às suas lutas.

Segundo a autora (CARVALHO, 2002) a luta organizada dos seringueiros, liderada por Chico Mendes, no começo dos anos 80 contra os grandes madeireiros e latifundiários que se beneficiavam com o desmatamento e exploração da Amazônia, se consolidou através da união com camponeses, sindicalistas, ribeirinhos e tribos indígenas na Aliança dos Povos da Floresta. Lowy (2005) traz a fala de Chico Mendes que definiu as bases desta aliança “Nunca mais um companheiro nosso vai derramar o sangue do outro; juntos nós podemos proteger a natureza, que é o lugar onde nossa gente aprendeu a viver, a criar os filhos e a desenvolver suas capacidades” (LOWY, 2005, p.11).

Nessa perspectiva a questão ambiental parte de outros referenciais de relação sociedade e natureza. O ambiente é compreendido como suporte da vida e do trabalho das populações, portanto sua destruição corresponde diretamente à destruição desses modos de vida. Como expressa na fala de Chico Mendes apresentada por Carvalho

Nós entendemos que a Amazônia não pode se transformar num santuário intocável. Por outro lado, entendemos também que há uma necessidade urgente de evitar o desmatamento que está ameaçando a Amazônia e com isso ameaça até a do planeta. A gente pensou em criar esta alternativa de

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preservação da floresta, mas uma alternativa ao mesmo tempo econômica. Então pensamos na criação da reserva extrativista (CARVALHO, 2011, p. 147).

As lutas dos “Povos da Floresta”, entre outras lutas populares ambientais, evidenciam que a relação entre o ser humano e a natureza não ocorre de forma homogênea, mas sim mediada pela cultura e lugar ocupado nas relações sociais, rompendo a visão tão propagada de que “a ação humana esta causando a destruição da natureza”, uma afirmação genérica que mais confunde do que explica, pois oculta as reais causas da degradação ambiental. O ambiente, na perspectiva socioambiental, é entendido como espaço de conflito entre diferentes interesses e formas de apropriação, entre uma lógica hegemônica baseada no lucro e no benefício privado e outras formas culturais que apresentam relações que conferem aos bens ambientais um caráter coletivo.

Podemos considerar que as lutas populares ambientais trouxeram materialidade e politizaram a questão ambiental no Brasil, evidenciando o lugar ocupado no debate ambiental pelos povos do Sul. As diversas experiências dos povos da América Latina expressam a resistência à espoliação material e cultural, à negação de suas identidades, que desde a colonização do século XVI até a atual globalização neoliberal lutam pelo direito de produzir e reproduzir, segundo suas visões de mundo, vida digna (ARAUJO-OLIVEIRA, 2014). No contexto das últimas décadas é fundamental considerar a degradação ambiental como consequência de uma política deliberada de “exportação da poluição” pelos países desenvolvidos (LOWY, 2005).

A década de 1980, segundo Carvalho (2004), é compreendida como um período de esperança em que se aposta na reconquista dos direitos políticos suprimidos pelo golpe militar, bem como no avanço dos direitos sociais, que influenciaram o processo de elaboração da nova Constituição Brasileira de 1988. A autora ressalta que a participação do movimento ambientalista na arena política se constitui a partir de 1985, através de articulações significativas como a associação de entidades e militantes para a eleição de representantes para o Congresso Constituinte.

A autora (CARVALHO, 2004) argumenta que o capítulo de meio ambiente na Constituição Brasileira, promulgada em 1988, é considerado um dos mais avançados da Constituição. O artigo 225 em seu parágrafo primeiro estabelece o caráter público do meio ambiente “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Nela também é afirmado o dever do

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Estado em promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (BRASIL, 1988).

Se na década de 70 a EA estava vinculada principalmente aos órgãos da secretaria de meio ambiente, a aproximação da EA com o campo da educação irá se intensificar com a realização no Brasil da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio 92. Lima (2009) ressalta que desde a fase preparatória ao evento a EA viveu um momento de renovação, quando se construíram novas identidades, se demarcaram novas definições conceituais e se firmaram posições e alianças políticas importantes para a reorganização do próprio campo, ocorrendo um aumento considerável do envolvimento de educadores/as.

É importante ressaltar que durante o Fórum Global, evento paralelo à Rio 92 organizado pela sociedade civil, ocorreu a elaboração do “Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global” que é considerado uma referência para a EA crítica e que foi influenciado pela concepção freireana de educação (TOZONI-REIS, 2012). Este documento merece destaque por tratar-se de posições da sociedade civil organizada (ONGs e movimentos sociais) onde é enfatizada uma crítica ao modelo de desenvolvimento capitalista (LIMA, 2009).

O documento afirma que “A educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a transformação social” (FORUM INTERNACIONAL DAS ONGs, 1995), ressalta o caráter crítico, transformador e participativo da EA para a construção de sociedades sustentáveis, socialmente justas e ecologicamente equilibradas. Sobre a Rio 92 Carvalho ressalta que

O saldo positivo deste processo parece ser a aproximação de lideranças, movimentos e organizações importantes do debate ambiental. Desta forma, esta coalizão ajudou a constituir um novo horizonte de debate para a questão ambiental que supera em boa medida a suspeita de uma luta ingênua e alienada das grandes questões sociais que marcou certo momento da relação entre o campo ambiental e as lutas sociais em geral (CARVALHO, 2001, p. 56).

A autora ressalta que o Fórum se constituiu em um espaço de negociação entre os diferentes grupos ambientalistas e movimentos sociais, se consolidando em um esforço de alargamento do “ambiental” para que este não ficasse restrito ao movimento “ecológico”. Nesse sentido, muitos movimentos não ambientais passam a identificar uma dimensão ambiental em suas agendas, como o Movimento dos Atingidos por Barragens, Conselho Missionário Indígena a Central Única dos Trabalhadores, entre outros. Outro fator que merece destaque é a formação da Rede Nacional de Educação Ambiental (REBEA) e o crescente

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envolvimento da EA junto à academia, com consequente aumento do número de trabalhos acadêmicos e ocorrência de encontros e fóruns (CARVALHO, 2001).

A partir do período da redemocratização, ocorreu a aproximação da EA com a perspectiva das pedagogias críticas. A influência das perspectivas pedagógicas de origem marxista e/ou frankfurtianas ocorre, segundo Lima (2009), principalmente através da aproximação com a Educação Popular, fruto da elaboração prática e teórica de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Moacir Gadotti, entre outros.

Esta prática social que pensa a educação a partir dos sujeitos, tendo como base o diálogo ético-crítico a serviço dos interesses populares voltada para a transformação das relações de opressão, se contrapõe a educação tradicional/bancária, elitista, conteudista e autoritária4, colocando-se de maneira declarada em oposição às escolhas dos projetos de educação subordinadas ao modelo neoliberal (BRANDÃO, 2003).

Loureiro e Layrargues (2013) destacam que a aproximação da EA com a Educação Popular e a pedagogia freireana caracteriza uma transformação na intencionalidade da prática educativa.

Objetivamente, isso significa dizer que o conceito central do ato educativo deixa de ser a transmissão de conhecimentos, como se isso fosse suficiente para gerar um ‘sujeito ético’ que se comportaria corretamente. É a própria práxis educativa, a indissociabilidade teoria–prática na atividade humana consciente de transformação do mundo e de auto transformação que ganha a devida centralidade. Isso implica favorecer a contínua reflexão das condições de vida, na prática concreta, como parte inerente do processo social e como elemento indispensável para a promoção de novas atitudes e relações que estruturam a sociedade. (LOUREIRO e LAYRARGUES, 2013, p. 65).

Ao evidenciar o caráter político da educação “em favor de que conhecer e, portanto, contra que conhecer; em favor de quem conhecer e contra quem conhecer” (FREIRE, 1981, p. 97) essa perspectiva se distancia de uma Educação Ambiental a serviço da “humanidade” ou em “defesa do meio ambiente” e que restringe as questões ambientais às dimensões técnicas e comportamentais, quando são marcadamente questões conflituosas e políticas.

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Brandão (2003, p. 213) apresenta uma síntese dos princípios de um paradigma de Educação Popular (EP) “A educação como produção e não meramente como transmissão do conhecimento; a defesa de uma educação para a liberdade, precondição da vida democrática; a recusa do autoritaritarismo, da manipulação, da ideologização que surge também ao estabelecer hierarquias rígidas entre o professor que sabe (e por isso ensina) e o aluno que tem de aprender (e por isso estuda); a defesa da educação como um ato de diálogo no descobrimento rigoroso, porém, por sua vez, imaginativo, da razão de ser das coisas; a noção de uma ciência aberta às necessidades populares; um planejamento comunitário e participativo”. Entendemos que a EP não pode ser compreendida se não estiver atrelada a um projeto político de sociedade, Brandão salienta que apesar da EP não estar sujeita a um sistema único de ideias ou visão de mundo, tem suas raízes em um amplo projeto de democracia plenamente participativa e socialista.

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A educação problematizadora de Paulo Freire, a qual temos como referência nesse trabalho, tem sido tomada como uma das bases para a construção de uma Educação Ambiental denominada como crítica, por compreender as condições sociais da existência dos sujeitos como ponto de partida para o processo de conscientização. Através do diálogo problematizador busca-se o desvelamento das relações sociais de dominação que se realizam na sociedade desigual para formação de sujeitos comprometidos com a transformação destas relações (TOZONI-REIS, 2006).

Dickmann (2019) apresenta alguns pressupostos básicos do pensamento freireano, entre os quais ressaltamos a compreensão do ser humano como ser histórico, inacabado, situado numa realidade-ambiente concreta e em permanente processo de busca por ser mais. Nessa busca o conhecimento tem papel fundamental, sendo construído no diálogo entre o/a educador/a e o/a educando/a, se constituindo como processo de compreensão crítica da realidade para transforma-la. A conscientização é resultado do processo dialógico intersubjetivo dos seres humanos em comunhão, mediatizados pelo mundo. O/A educador/a, nessa perspectiva, precisa provocar a curiosidade dos/as educandos/as, para que se aproximem de sua realidade – objeto do conhecimento – através de um processo investigativo crítico e problematizador.

Conhecer nessa perspectiva é um ato de criação, é um desafio, não é algo que pode ser depositado nos educandos, transmitido dos sabedores para os que não sabem, como se entende na pedagogia tradicional, pois é um processo que só ocorre entre sujeitos ativos (FREIRE, 2007). Por compreender as condições socioambientais e visões de mundo dos sujeitos envolvidos como ponto de partida para o processo educativo através do qual os conhecimentos serão construídos de forma dinâmica, coletiva, interdisciplinar e participativa, não é possível pensar, nessa perspectiva, em uma EA crítica como um modelo a ser aplicado ou conhecimentos a serem transmitidos sem considerar o contexto e os sujeitos envolvidos.

A EA crítica faz parte do mesmo grupo de outras denominações encontradas na literatura, tais como EA transformadora, popular, emancipatória e dialógica. Todas essas correntes, com algumas variações, se constroem em oposição à vertente conservadora, procurando contextualizar e politizar o debate ambiental, problematizando as contradições dos modelos de desenvolvimento e de sociedade que experimentamos local e globalmente (LOUREIRO, 2007).

Conforme Guimarães (2004) apresenta, essa é uma abordagem que traz a complexidade para a compreensão da realidade socioambiental, isso significa dizer que uma

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