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1. AS EDUCAÇÕES AMBIENTAIS

1.6. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EA NO BRASIL A PARTIR DA DÉCADA DE 90

Segundo Layrargues e Lima (2014), a partir da década de 1990, começou a transparecer que a Educação Ambiental não poderia ser considerada como uma prática social homogênea, assim, com o amadurecimento teórico do campo da Educação Ambiental as análises buscaram problematizar as diferentes “educações ambientais”, tornando-se recorrentes a adjetivação dos tipos de EA. Os grupos diferenciavam-se por suas compreensões sobre a crise socioambiental, perspectivas pedagógicas e propostas de intervenção. Esses posicionamentos divergiam entre tendências à reprodução ou à transformação das relações sociais e das relações que a sociedade mantém com o ambiente (LAYRARGUES; LIMA, 2014).

Como já apresentado nesse capítulo, percebemos que a EA surge no Brasil na década de 1970 em um viés conservador, como uma prática educativa orientada pela conscientização “ecológica” e tendo por base as ciências naturais. A solução nessa perspectiva seria a transmissão de informação sobre o meio ambiente e mudanças comportamentais individuais, ocultando as dimensões políticas, econômicas e sociais. Na década de 1980, a redemocratização possibilitou um período de discussões sobre a educação na perspectiva crítica e transformadora. Esse movimento favoreceu a consolidação de uma Educação Ambiental problematizadora, comprometida com o desvelamento das relações de dominação e com a transformação social, denominada como crítica. Influenciada pelas ideias de Paulo Freire, pelos princípios da Educação Popular e de outros autores marxistas, por essa perspectiva não era possível conceber os problemas ambientais dissociados dos conflitos

sociais, compreende-se que a relação entre o ser humano e a natureza é mediada por relações sócio-culturais e de classes historicamente construídas (LAYRARGUES E LIMA, 2014).

Na década de 90, ocorre um avanço neoliberal na organização da sociedade brasileira que atinge o campo das políticas púbicas da educação. Nesse contexto a ideia do desenvolvimento sustentável busca esvaziar o caráter político da EA, em uma perspectiva individualista e pragmática. Essa tendência percebe o meio ambiente como uma mera coleção de recursos naturais em processo de esgotamento. Apesar de tratar de problemas ambientais urbanos, como o lixo, não questiona a distribuição desigual dos custos e benefícios dos processos de desenvolvimento, limitando-se à promoção de reformas setoriais na sociedade, como o combate ao desperdício e a reciclagem. A EA pragmática pode ser compreendida como o projeto político-pedagógico francamente hegemônico na atualidade (LAYRARGUES E LIMA, 2014).

Consideramos que as tendências de EA conservadoras, pragmáticas e as críticas se constituíram historicamente tendo diferentes referenciais teóricos, interesses e projetos de sociedade, estando ainda presentes, coexistindo e disputando espaço nas diversas práticas de EA, materiais didáticos e políticas públicas. Nesse sentido, buscamos apresentar as políticas públicas de EA, que se intensificam a partir da década de 90, relacionando-as com as concepções de EA às quais se aproximam.

Incentivado por organizações internacionais como a ONU, é possível observar um fortalecimento institucional da EA a partir da década de 90 e sua inserção como política pública. Em 1997 ocorreu a elaboração pelo Ministério da Educação (MEC) dos “Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental” (PCNs), documento que tem como objetivo nortear os currículos e propostas pedagógicas do ensino formal. Neste documento o meio ambiente é tratado como tema transversal no ensino fundamental, afirmando que “A questão ambiental, no ensino de primeiro grau, centra-se principalmente no desenvolvimento de valores, atitudes e posturas éticas, e no domínio de procedimentos, mais do que na aprendizagem de conceitos” (BRASIL, 1997, p. 57). O documento, embasado em experiências de outros países principalmente da Espanha, contou com tímida participação da comunidade acadêmica e educadores/as.

Em 1999 foi criada a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA–Lei 9795/99). Em seu artigo primeiro define a Educação Ambiental como “processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo”

(BRASIL, 1999, p.1). No Art. 2º afirma a EA como componente essencial e permanente da educação e que deve estar presente “de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal” (BRASIL,1999). É possível perceber um avanço ao ressaltar o caráter coletivo do processo educativo e defender a compreensão do meio ambiente considerando aspectos naturais, sociais, econômicos e culturais.

Layrargues (2002) trata de alguns elementos que apontam para a precocidade da institucionalização da PNEA, entre os quais a ausência de uma base social consolidada de educadores/as ambientais e de um campo político-pedagógico. Segundo o autor, esses fatores favoreceram a aprovação de uma política que, apesar de suas contradições, tende a uma abordagem naturalista e que propõe soluções de caráter moral e técnico, que visualiza apenas os problemas ambientais e não os conflitos socioambientais.

Podemos compreender a PNEA assim como os PCNs, no contexto das reformas implementadas durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 e 1999/2002). É constituída nesse período a lei n. 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a chamada LDB (BRASIL, 1996). Segundo Hermida (2012) essas reformas (administrativas, econômicas e educacionais) foram marcadas pela interferência do Poder Executivo, diminuindo o caráter participativo e democrático que havia sido construído no período de redemocratização.

O processo de elaboração das leis se inseriu na lógica das mudanças que ocorreram no mundo todo e procuravam adequar a educação a uma nova orientação, dotada de uma clara concepção neoliberal, em consonância com as exigências explicitadas por vários organismos internacionais (HERMIDA, 2012). Nesse sentido, podemos entender a inclusão da EA nas políticas públicas desse período influenciada por demandas da ONU/UNESCO e outras organizações internacionais, incorporando o olhar sobre a crise ambiental desses atores.

Oliveira (2009) ressalta que após as reformas na educação do governo de Fernando Henrique Cardoso era esperado que no governo de Lula ocorresse uma “re-reforma” estrutural de amplo alcance, o que não ocorreu. Porém diversas políticas educacionais merecem destaque, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE).

A Educação Ambiental como política pública teve grandes avanços nesse período. É no governo Lula, em 2003 que irá ocorrer o processo de regulamentação da PNEA, com a

formação do Órgão Gestor. Esse processo é significativo no sentido da ação interministerial entre Ministério da Educação e Ministério do Meio Ambiente, com a participação de setores do MEC e MMA.

Um dos avanços obtidos foi a elaboração da nova versão do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA)5 através de um processo de consulta popular que envolveu mais de 800 educadores/as ambientais (BRASIL, 2005). Tendo como referência o Tratado de Educação Ambiental para Sociedade Sustentáveis, enfatiza o caráter educativo da EA, reitera princípios pedagógicos críticos e democráticos e pressupõe processos de delineamento e implantação de políticas públicas em EA de forma participativa e dialógicas (ANDRADE et al., 2012).

O Órgão Gestor (OG) promoveu uma série de ações buscando o fortalecimento da EA em todos os níveis e modalidades de educação, formais ou não formais. Entre essas ações destacamos: o programa “Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas”6

com diversas iniciativas, como a publicação de inúmeros documentos técnicos, normas, materiais de apoio à formação, programas de formação de professores/as na modalidade presencial ou à distância; a criação das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida nas Escolas (Com-Vidas), que promoveram a construção nas escolas das suas Agendas 21; a criação dos Coletivos Educadores, constituídos por várias instituições que atuam em EA formal ou não formal, objetivando desenvolver processos de formação no território onde atuam; a implantação do Programa Municípios Educadores Sustentáveis, que se destina à construção da sustentabilidade socioambiental através da educação em municípios brasileiros; além do apoio às Comissões Estaduais Interinstitucionais de Educação Ambiental (CIEAs) com os fóruns permanentes de discussão e decisão sobre as políticas estaduais de EA.

Segundo Layrargues (2012) é notória a consolidação do processo de institucionalização pública da EA neste período (2003-2012), inclusive com uma migração de educadores/as ambientais que trabalhavam nas universidades, escolas e organizações não governamentais, que passaram a ocupar espaços governamentais centrais na formulação de políticas públicas de EA

Diante da necessidade de orientações pedagógicas e sistematização dos preceitos para efetivação da EA de forma integrada nas instituições formais de ensino (incluindo a educação

5 Sua primeira versão criada em 1994 restringia-se ao cumprimento do artigo 225 da Constituição Federal, que

tornara a EA obrigatória em todos os níveis e modalidades de ensino.

6 Esta publicação pode ser consultada no site da seduc

básica e a formação de docentes) ocorre a promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Ambiental (DCNEA), no ano de 2012. A proposta foi elaborada pela Coordenação-Geral de Educação Ambiental da SECADI/MEC, sendo resultado de contribuições colhidas, desde 2005, dos sistemas de ensino, da sociedade civil, de diferentes instâncias do MEC e de vários eventos como o VII Fórum Brasileiro de Educação Ambiental. Formulada em um contexto de maior amadurecimento político pedagógico da EA no Brasil buscou favorecer a superação de práticas muitas vezes reducionistas, fragmentadas e unilaterais da problemática ambiental, e a abordagem despolitizada e ingênua dessa temática (BRASIL, 2012).

As DCNEA instituem no art. 12º como princípios da EA a totalidade como categoria de análise fundamental sobre o meio ambiente, a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural e a articulação na abordagem de uma perspectiva crítica e transformadora dos desafios ambientais. Além disso, no art. 5º afirma que a EA não é neutra, enfatizando a intencionalidade da educação que está sempre vinculada a um projeto de sociedade (BRASIL, 2012).

Em 2012, durante o primeiro mandato de governo da Presidenta Dilma Roussef, ocorreu a realização da Rio+20. Segundo Teixeira e colaboradores (2017) as discussões e orientações realizadas na ocasião indicaram a continuidade e aprofundamento do modo de produção capitalista, como, por exemplo, a necessidade do aumento da produtividade agrícola, reiterando o modelo do agronegócio e não estabelecendo acordos e metas para a melhoria do ambiente. Nesse evento, em substituição ao ‘desenvolvimento sustentável’ é promovido o termo ‘economia verde’, proposta que foi apoiada pelo governo brasileiro.

Concordamos com a análise de Tozoni-Reis e outros colaboradores (2013) que identifica nas políticas públicas de EA elaboradas nos governos petistas grandes contradições entre o projeto de desenvolvimento econômico e as propostas para a EA. Nas políticas ambientais (energética, indianista, fundiária, agrária, de biotecnologia e recursos hídricos) não houve o enfrentamento dos interesses do grande capital. Porém, na Política de EA defendida pelo OG (ProNEA) encontramos fortemente presentes os princípios e práticas de uma Educação Ambiental crítica, inspiradas num projeto muito mais progressista.

Se desde o primeiro mandato do Partido dos Trabalhores, os governos se caracterizaram por abrir mão de alguns pontos-chave para a melhoria das condições ambientais e também dos trabalhadores no Brasil (TEIXEIRA et al., 2017) a partir de 2016, o Brasil vivenciou uma série de retrocessos no campo social, ambiental e educacional, advindos

da mudança de direcionamento político que o país adotou após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, por meio de um golpe de Estado parlamentar; e a campanha eleitoral de 2018, que levou ao poder um governo que, entre outras perversidades, tem aprofundado a “desproteção” ambiental (TOZONI-RES, 2019).

Ao mesmo tempo em que vemos a flexibilização de regras para licenciamento ambiental, o que fez parte da campanha do presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, que afirmava que era preciso “desburocratizar o processo para conseguir licenças”, é anunciada em janeiro de 2019 uma das mais perversas tragédias socioambientais de nossa história: o rompimento da barragem da Mineradora Vale em Brumadinho, MG, resultando em mais de 200 mortos identificados e na constatação do Rio Paraopeba como “completamente morto” (ESPINDOLA; GUIMARÃES, 2019).

O quadro preocupante de “desproteção ambiental” é evidenciado pelo aumento de 87% das áreas queimadas nos biomas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal em comparação com o mesmo período de 2018. Segundo os cálculos da equipe de Ciências do WWF-Brasil com dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) a soma da área atingida é de 113.743 km2. Esta situação provocou protestos com manifestações no Brasil e em vários países, exigindo ações efetivas do presidente para conter as queimadas (WWF-BRASIL, 2019).

Ainda em 2019 desde o dia 2 de setembro, manchas gigantescas de petróleo se espalharam pelo mar do Nordeste brasileiro, comprometendo todo o ecossistema e configurando o que já é considerado o maior acidente ambiental em extensão do litoral do Brasil. Diante dessa situação gravíssima, nos deparamos com uma omissão sem precedentes do governo federal (WATANABE, 2019)

Dickmann e Cecchetti (2019) argumentam que o governo atual, baseado no neoconservadorismo, neoliberalismo, direitismo e militarismo, busca a efetivação de medidas como: reforma da previdência; ataques e tentativa de criminalização dos movimentos sociais; ameaças aos direitos constitucionais de populações quilombolas e indígenas; desdenho em relação aos direitos humanos; desmonte das políticas e programas do MEC com corte de investimentos; extinção do Ministério do Trabalho e realinhamento ideológico do país aos EUA.

Entre os impactos diretos à Educação Ambiental ocorreu a extinção, ainda no governo Temer e que se manteve no governo atual, da Secretaria Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão (SECADI), secretaria à qual pertencia a EA. Atualmente notamos a ausência de políticas públicas de EA voltadas para a formação de professores/as.

Concordamos com Silva e outros colaboradores (2016) que a construção e definição da Base Nacional Curricular Comum (BNCC)7 é mais um processo atropelado pelo golpe de 2016. Considerando que as críticas à proposta de uma Base Nacional, que teve sua primeira versão apresentada em outubro de 2015, já existiam por caracterizar-se como um “projeto unificador e mercadológico na direção que apontam as tendências internacionais de uniformização/centralização curricular + testagem larga escala + responsabilização de professores e gestores” (ANPED, 2015) estas se intensificaram. Após o golpe ocorreram alterações no processo de produção da BNCC, alterando o seu calendário, o ritmo dos trabalhos, e, sobretudo, mudando os interlocutores, para incluir (mais) representantes do setor privado e defensores de propostas anacrônicas, como o projeto Escola sem Partido e a bancada evangélica (SILVA, 2016).

Uma breve reflexão sobre a EA na BNCC nos aponta que, se na segunda versão, disponibilizada em maio de 2016 (BRASIL, 2016) a EA é apresentada como um dos Temas Especiais que deveriam “estabelecer integração entre os componentes curriculares” se colocando como “estruturantes dos objetivos de aprendizagem”; na terceira versão, disponibilizada em abril de 2017 e aprovada na Resolução CNE/CP n. 2 de 22 de dezembro de 2017, a menção ao termo “Educação Ambiental” e a PNEA surge apenas uma vez em um parágrafo onde são citadas outras legislações que envolvem “temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global e que devem ser integrados as propostas pedagógicas, preferencialmente de forma transversal e integradora” (BRASIL, 2017).

Entendemos que a EA pode estar presente, em uma vertente crítica ou conservadora ao longo dos objetivos de aprendizagem, porém o quase absoluto silenciamento em relação ao termo e pressupostos sobre a Educação Ambiental, representam um retrocesso, já que a BNCC será a base inclusive para a formação de professores/as, avaliações e produção de materiais didáticos.

Considerando que vivemos um movimento de retrocesso nas políticas ambientais, educacionais e sociais, onde as “conquistas” referentes às políticas públicas de Educação Ambiental nas últimas décadas parecem se “desmanchar no ar”, concordamos com Tozoni- Reis (2019), que esse cenário exige, de forma ainda mais premente, a produção de

7 que consiste em um documento que estabelece os direitos e objetivos de aprendizagem para cada ano das

conhecimentos em EA, compreendendo os obstáculos do espaço-tempo em que nos movemos para a construção de possibilidades conscientes e consequentes.