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Inserção e lugar das mulheres no mercado de trabalho

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Guimarães e Petean (2012) acreditam que a incorporação das mulheres ao mercado de trabalho, apesar de ter se efetivado de modo expressivo nas últimas décadas, ocorreu, no entanto, sem que tenha havido uma nova configuração em relação à responsabilidade pelo trabalho de reprodução social, que continua sendo assumido exclusiva ou principalmente por elas.

A Organização Internacional do Trabalho por intermédio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (OIT-PNUD, 2013), em consonância com o observado por Guimarães e Petean (2012), informa que a América Latina passa atualmente por uma crise do

cuidado. Essa crise, que se desenvolve, conforme a entidade, devido à entrada de um maior

número de mulheres no mercado de trabalho, evidenciam a persistência das tensões causadas pela noção tradicional de que as mulheres são as responsáveis exclusivas ou principais pelas atividades de cuidado familiar.

Abramo e Valenzuela (2016) também nos mostram que as pesquisas de uso do tempo demonstram que, a organização dos tempos dedicados ao trabalho fora de casa, às atividades domésticas e à vida familiar e pessoal vem se modificando. O tempo dedicado ao trabalho fora de casa aumentou, ao passo que se reduziu o tempo destinado à família, à cultura, ao descanso e ao lazer. Essa tendência geral se evidencia quando considerada a dimensão de gênero e o impacto desse recorte no nível de renda das pessoas e das famílias, tendo em vista que o uso do tempo reproduz as desigualdades sociais e econômicas vivenciadas tanto pelas mulheres quanto pelos homens. Sendo assim, torna-se fundamental a análise sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho e a divisão sexual do trabalho presente dentro e fora de casa, pois é neste cenário que mais se evidenciam as diferenças socialmente construídas entre homens e mulheres e que remetem às relações de gênero.

Não são poucas as pesquisas que indicam que a inserção da mulher no mercado de trabalho tem sido acompanhada de segregações e discriminações que as colocam em condições menos favoráveis no campo profissional. Tal realidade tem sido demonstrada a

partir do estudo das relações de trabalho e, especialmente, das formas como homens e mulheres se inserem neste mercado (Kartchevsky-Bulport, 1986; Prosbt, 2003).

As explicações para tal quadro devem considerar um conjunto de fatores, cuja origem pode ser remetida tanto ao campo econômico, quanto a fatores socioculturais e institucionais: a diferença e a identidade feminina (biológica e social), a divisão sexual das técnicas, o trabalho produtivo e reprodutivo, assim como a relação entre o capitalismo e o patriarcalismo, se expressam nas formas de controle da produção, conforme a condição de gênero (Pena, 1981).

Assim, o mercado de trabalho para a mulher estruturou-se, desde suas origens, como uma extensão do trabalho doméstico. Foram então privilegiadas áreas como saúde, no sentido de que a mulher atuante como enfermeira exercitava uma continuidade do trabalho já desenvolvido em casa, ou seja, o cuidado, tendo em vista que esta foi e ainda é uma função dita feminina, pois, em tese, mantém relação direta com a ideia de "doçura" na relação com o paciente, ou mesmo uma continuidade da atenção "materna". Uma vez que o cuidado remete a fragilidade, uma pessoa que anteriormente já o exerce seria supostamente a mais "interessante" para fazê-lo. Por outro lado, rotuladamente também há a educação, já que ser professora, principalmente das séries iniciais, seria uma forma de fazer com que a mulher reprodutivamente pudesse levar adiante aquilo tudo que havia aprendido, além do serviço social. Essa última atividade foi, por muito tempo, caracterizada como filantrópica e não remunerada, tal como o papel que a mulher desenvolve no contexto doméstico.

De acordo com Abramovay (1989, p. 63), as atividades produtivas relacionadas com serviços e com assistência à saúde e educação converteram-se em redutos femininos e estão associados ao papel reprodutivo que a mulher desempenha na família e na sociedade. A este modo, ser professora ou enfermeira, por exemplo, seria então uma forma de praticar tudo o que foi anteriormente ensinado às mulheres: cuidar, dar amor, ter paciência e carinho.

Neste contexto, Hirata (2002) afirma que o estudo da organização do trabalho deve compreender a relação entre empresa e sociedade, entendidas não só como o vínculo indissolúvel entre sistema reprodutivo e estruturas familiares, mas também como a articulação entre o trabalho assalariado e o trabalho doméstico. Tal múltipla compreensão em virtude da fluidez de demarcação entre o tempo de trabalho e o tempo fora do trabalho, ou seja, entre o público e o privado, fluidez que intervém no lugar ainda restrito que é designado às mulheres em uma sociedade capitalista desenvolvida.

Mesmo com tais desafios, de acordo com Silveira e Hanashiro (2009), hoje é fato consumado de que cada vez mais mulheres ingressam no mercado de trabalho, bem como

parte delas galga degraus que de certo modo buscam levá-las a "altos" patamares profissionais. No entanto, tal inserção não aponta dados que possam ser aceitos como "positivos", tendo em vista que para o Intituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2016, p. 7), se por um lado “o processo de feminização do mercado de trabalho parece estar se esgotando", por outro, as mulheres ainda encontram-se concentradas nas atividades caracterizadas como precariedade profissional e salarial.

Sobre os limites da inserção das mulheres no mercado de trabalho, a afirmação se apoia no fato de que ao longo do período analisado pelo IPEA, ou seja, entre 2004 a 2014, a taxa de atividade feminina obteve pouca oscilação, tendo alcançado seu teto, 59%, em 2005, para depois, em 2011, cair a 56%. No último ano, este valor foi de 57%, inferior ao do início da série. Neste sentido, se voltarmos a 1995, ou seja, vinte anos atrás, segundo o IPEA (2016, p. 5) torna-se possível vislumbrar que a taxa de atividade para mulheres era de 54,3%, menos de três pontos percentuais em relação à taxa de 2014, o que vem a demonstrar um limite de inserção das mulheres no mercado de trabalho.

Cabe aqui salientar que o já referido relatório também sinaliza que as mulheres inativas no Brasil não são idosas aposentadas acima de 52 anos, pelo contrário. Segundo o estudo, estas possuem qualificação superior em comparação aos homens inativos. Contudo, o IPEA (2016, p. 9) salienta que as mulheres negras têm menos estudos que os homens inativos, possuem filhos menores, porém estão sozinhas, recaindo o peso da responsabilidade dos cuidados domésticos e muitas vezes econômicos sobre elas.

Neste sentido, analisando as barreiras que ainda precisam ser rompidas, Cappelle e Oliveira (2010), apontam que o trabalho das mulheres ainda hoje, está marcado pelas relações de poder e de gênero em seu cotidiano, seus relacionamentos, na sua vida pessoal ou nas dificuldades que enfrentam no exercício de suas atividades profissionais.

No que tange a jornada de trabalho, Dedecca, Ribeiro e Ishii (2009) ressaltam que homens e mulheres vivenciam jornadas de trabalho de modo desigual. Mulheres em ocupações menos estáveis, de menor qualificação, maior renda e com filhos mais jovens tendem a ter jornadas totais mais longas quando comparadas às dos homens em situação ocupacional e familiar semelhante, assim como às das mulheres com ocupações mais qualificadas, de mais alta renda e também com filhos jovens. Para fins de melhor compreensão, o IPEA (2016, p. 6) aponta que no século XXI as mulheres ainda permanecem em trabalhos precários e vulneráveis, em setores já tradicionalmente ocupados por elas, recebendo os piores salários e submetendo-se às jornadas extensas e incalculáveis de trabalho, produto da acumulação do trabalho remunerado com os serviços de cuidados domésticos.

A mesma pesquisa demonstra que em 2014, as mulheres seguiam fazendo muito mais trabalho doméstico do que os homens: “90% delas declararam realizar algum tipo de trabalho doméstico não remunerado e apenas 51% dos homens declararam algum envolvimento nestas atividades” e apresentavam jornadas muito mais extensas que a deles “25,3 horas semanais, contra 10,9 horas” (IPEA, 2016, p. 21).

Estatísticas como estas, apuradas pelo IPEA, levam autores como Madalozzo (2011) a acreditar que mesmo tendo havido aumento significante da participação feminina na força de trabalho, não há motivo para que se acredite que possa haver impedimento na permanência das diferenças com relação aos salários e à igualdade de tratamento nas promoções com relação ao gênero.

Aprofundando, Macedo, Boava, Cappele e Oliveira (2012) provocam a pensar que a mulher vem conseguindo conquistas, entretanto, tais conquistas, segundo Macedo e outros (2012), se devem à "masculinização de seu comportamento", sem existência de respeito e valorização das diferenças. Sendo assim, a legitimação do trabalho feminino para Macedo e outros (2012) somente ocorre quando este está adequado aos padrões do comportamento masculino desempenhado.

Persiste, por outro lado, conforme já tratado anteriormente, tanto a dupla, às vezes tripla, jornada articulada a todos os conflitos e contradições que permeiam conciliar as demandas profissionais com aquelas relacionadas ao trabalho doméstico, socialmente atribuído à mulher.

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