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CAPÍTULO 1 ANÁLISE CRIMINOLÓGICA ACERCA DAS VIOLAÇÕES NAS

1.3 Análise criminológica das violações envolvendo as relações de trabalho

1.3.4 As instâncias de controle

Papel importante desempenha também as instâncias de controle quando se trata de direito penal econômico. Pablos de Molina coloca que a moderna Criminologia se preocupa, também, com o controle social do delito, principalmente por seu cariz cada vez mais sociológico e dinâmico. Essa abertura à análise das instâncias de controle representa um giro metodológico de importância, ao qual não está alheia a Teoria da Rotulação Social (Labelling Approuch) pela relevância que os partidários dessa concepção criminológica assinalam a certos processos e mecanismos do chamado controle social na configuração da criminalidade. Neste sentido, vemos não só mais um enriquecimento do objeto da Criminologia, senão também um novo modelo ou paradigma desta (o paradigma do controle), dotado de uma considerável carga ideológica.79

O controle social dispõe de numerosos meios ou sistemas normativos (religião, costume, direito etc.); de diversos órgãos ou portadores (família, igreja, partidos políticos, organizações), de distintas estratégias ou respostas (prevenção, repressão, socialização etc.), de diferentes modalidades de sanções (positivas, negativas etc.) e de particulares destinatários. Como indica-se, a Justiça constitui-se apenas um dos possíveis portadores do controle social. O direito penal representa, também, tão somente um dos meios ou sistemas normativos existentes, do mesmo modo que a infração legal constitui nada mais que um elemento parcial de todas as condutas desviadas; e a pena significa uma opção dentre as muitas existentes para sancionar a conduta desviada. Mas é inegável que o Direito penal simboliza o sistema normativo mais formalizado, possuindo uma estrutura com maior racionalidade e com o mais elevado grau de divisão do trabalho e de especialidade funcional dentre todos os subsistemas normativos.80

A área do direito penal econômico está sofrendo uma grande expansão, de forma que diversos tipos penais foram sendo criados durante os últimos anos na busca pela tutela dos direitos sociais. Dessa forma, as instâncias de controle se mostram cada vez mais preocupadas com o problema relacionado às violações dos direitos sociais. Entretanto, isso não quer dizer que essas criminalizações são completamente devidas e que estão sendo feitos de forma correta, o que acarreta problemas das mais variadas feições.

79 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos:

introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95, lei dos juizados especiais criminais. Trad. Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 118.

Como aponta Silva Sánchez81, não é nada difícil constatar a existência de uma tendência claramente dominante em todas as legislações no sentido da introdução de novos tipos penais e também do agravamento dos tipos já existentes, que pode-se encaixar no marco geral da restrição, ou uma nova interpretação das garantias clássicas do direito penal substantivo e do direito processual penal. A criação de novos “bens jurídico-penais”, o aumento dos espaços de riscos jurídico-penalmente relevantes, uma maior flexibilidade das regras de imputação e a relativização dos princípios político-criminais de garantia não passariam de aspectos dessa tendência geral, à qual cabe referir-se com o termo expansão. Apesar das propostas iniciais de acolher, prudentemente, novas formas de delinquência e eliminar figuras delitivas que perderam sua razão de ser, na realidade, o evidente é que a acolhida dessas novas formas e o agravamento geral das penas imponíveis a delitos que já existiam, sobretudo os socioeconômico. Em contrapartida, a transcendência da eliminação de certas figuras delitivas resulta, na prática, insignificantes.

Não é estranho que a expansão do direito penal apresente-se como produto de uma espécie de perversidade do aparato estatal, que buscaria no permanente uso da legislação penal uma aparente solução fácil aos problemas sociais, levando ao plano simbólico, ou seja; da declaração de princípios, tranquilizando a opinião pública, o que deveria se resolver ao nível da instrumentalidade, portanto, da proteção efetiva. Sem negar que essa explicação possua alguma razão, há de ser ingênuo situar as causas do fenômeno de maneira exclusiva na superestrutura jurídico-política, na instância estatal. As causas para o fenômeno, apesar de possuir sua parcela no Estado, podem estar em lugares mais profundos, fundados no modelo social que vem se configurando no decorrer das últimas três décadas e na consequente alteração da expectativa que amplas camadas sociais têm em relação ao papel que cabe ao direito penal.82

Estamos com Jakobs no sentido de que a solução de um problema social por meio do direito penal tem lugar, em todo caso, por meio do sistema jurídico enquanto sistema social parcial, isso significa que possui lugar dentro do corpo social. Assim, é impossível separar o direito penal e a sociedade. Esse ramo do direito constitui um cartão de visitas da sociedade de grande expressividade, igualmente, sobre a base de outras partes da sociedade cabe derivar conclusões bastante confiáveis sobre o direito penal. Exemplificando, que a pena máxima se imponha por bruxaria, por contar piadas sobre o Führer ou por homicídio, caracteriza ambos,

81 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-

industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. p. 28-29.

o direito penal e a sociedade. Portanto, existe uma dependência recíproca entre a sociedade e o direito penal. Cabe requerer ao direito penal que realiza esforços para assumir novos problemas sociais, até que o sistema jurídico alcance uma complexidade adequada com referência ao sistema social. Da mesma forma que, inversamente, o direito penal pode recordar a sociedade que deve possuir certas máximas que se consideram indisponíveis. Por isso deve compatibilizar-se com as condições da evolução. Nem o sistema social, nem o jurídico, saltam por cima de sua própria sombra. Desse modo, por um lado, não se pode relegar o direito penal ao papel de mero lacaio, pois é parte da sociedade e, através de uma metáfora, deve possuir um aspecto respeitável ainda a plena luz do dia. Mas, ao inverso, o direito penal tampouco pode constituir-se na base de uma revolução social, pois como não mais contribua à manutenção da configuração desta, falta faz a base sobre a qual poderia se iniciar com sucesso uma revolução.83 O direito penal surge para consolidar situações de fato

através da norma e não criar situações no plano fático.

Ou seja, a evolução do direito penal caminha lado a lado com a sociedade, ou pelo menos, deveria caminhar. No processo de expansão relatado por Silva Sánchez, o processo expansionista intenta, através da criminalização, apaziguar ânimos sociais, criando novos tipos penais e agravando os já existentes. Mas apazigua tais ânimos porque a sociedade compreende que a intervenção do direito penal detém o condão de alterar a sociedade. Como verificamos com Jakobs, não é possível se direcionar a sociedade com o direito penal. Nessa linha, Fernandes disserta que se nos é licito reconhecer que, em certa medida, o Direito Penal é chamado a atuar na vida em sociedade, no limite do mínimo necessário para proteção e segurança jurídicas por meio das normas, é indevida, e desborda sua capacidade, a atribuição às normas jurídico-penais da missão de dirigismo social, como expediente de qualquer engenharia ou tecnologia social.84 A questão da expansão do direito penal será melhor

trabalhada mais a frente. O que interessa no momento é demonstrar que existe um fenômeno de expansão do direito penal em curso85 e ele se aplica em grande medida às criminalizações

relacionadas com o direito penal econômico.

83 JAKOBS, Günther. Sociedade, norma e pessoa: teoria de um direito penal funcional. Trad. de Maurício

Antonio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole, 2003a. (Estudos de direito penal; v. 6). p. 7-9.

84 FERNANDES, Fernando Andrade Sobre uma opção jurídico-política e jurídico-metodológica de compreensão

das ciências jurídico-criminais. In: LIBER Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra, 2003. p. 55.

85 Outra via de expansão que, além da área do direito penal econômico, está em curso é a relacionada com o

“núcleo duro dos direitos humanos”. Muito atrelada ao fenômeno dos “gestores atípicos da moral” é uma via de criminalizações que, na busca pela defesa de direitos humanos, está encontrando no direito penal uma ferramenta de eleição para sua estratégia de tutela. Questionável meio e método, propõe recrudescimentos e criminalizações relacionadas a gênero, homofobia, bullying, racismo e tantas outras.

Figueiredo aponta alguns problemas que os órgãos de controle estão enfrentando com as novas criminalizações objeto do estudo. Da referida complexidade das condutas deriva outro problema, a dificuldade dos órgãos formais de controle de selecionar e reagir às condutas criminosas. Além de ser indispensável um conhecimento muito especializado por parte dos órgãos institucionais para a descoberta da deviance, sobretudo, num primeiro momento, da polícia, o que se nota é que o próprio legislador revela, tantas vezes, problemas na regulamentação de matérias mais complexas, e as autoridades judiciárias sentem, também, particulares dificuldades na apreciação das mesmas. Mais especificamente no que tange à atividade legislativa, o que parece notório é que o legislador nacional não se atém aos problemas técnicos suscitados, atuando de maneira casuística e expansiva, o que implica em problemas de legitimidade e eficácia.86

De modo mais objetivo, um dos problemas mais preocupantes relacionado às normas do direito penal econômico está na sua eficácia. As instâncias de controle não possuem aparelhamento necessário para investigar os crimes complexos do direito penal econômico. Assim, possuímos um arsenal normativo criado para não funcionar, de modo que, apesar de haver exceções, muitas dessas leis penais não estão aptas a fazer com que se previnam os crimes aos quais elas guardam referência.

Outro interessante item conexo com as instâncias de controle, esse mais próximo do nosso objeto principal, é o sindicato. Como foi possível ver, as instâncias de controle são muito variadas, e sem dúvida, o sindicato é uma instância de controle importantíssima para a proteção da classe trabalhadora não apenas no Brasil como no resto do mundo.

No entanto, percebe-se que o sindicato não vem sendo muito efetivo na proteção do trabalhador. Infere Giovanni Alves que apesar da explosão do sindicalismo, a maioria dos analistas sociais destacou, como uma das principais fraquezas do sindicalismo brasileiro nos anos 80, a estrutura sindical corporativa. Ela crescia, mas permanecera com as mesmas visões e ferramentas, incapaz de contrapor-se às novas provocações do capital que surgiam com o novo e precário mundo do trabalho. A estrutura sindical pátria é descentralizada, fragmentada e dispersa por uma miríade de sindicatos municipais, em sua maioria com baixa expressividade e exígua capacidade de barganha. A estrutura é desenraizada, em virtude de não ter inserção nos locais de trabalho, sendo uma estrutura externa às empresas. É uma estrutura verticalizada, com imensas dificuldades de articular, numa perspectiva horizontal de

86 FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa de. A teoria dos white-collar crimes, suas divergências conceituais e a

necessária reflexão sobre as técnicas de tutela. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 20, n. 94, p. 442, jan./fev. 2012.

maior amplitude, a organização e a resistência da classe, permanecendo vinculada à categoria assalariada. Sob o novo complexo de reestruturação produtiva, que tende a promover a descentralização produtiva; com a nova e radical terceirização, assumindo maior intensidade e amplitude; o padrão de organização vertical encontra sérias dificuldades para instaurar a nova resistência da classe à ofensiva do capital na produção. Verifica-se que a vida sindical organizada no país ainda é uma experiência compartilhada por um segmento minoritário da classe dos trabalhadores assalariados no país. O Brasil detém uma taxa de densidade sindical modesta, comparada aos países capitalistas centrais.87

O sindicato no Brasil, como se observou acima, não consegue se articular de modo a defender a classe de trabalhadores brasileiros. As instâncias formais de controle atreladas ao Judiciário também encontram dificuldades para que se investigue e processe os crimes contra os direitos sociais e, mais atentamente, contra as relações do mundo do trabalho, colocando os trabalhadores à mercê das empresas e da nova configuração social mundial que precariza sistematicamente o mundo laboral. Entende-se aqui que existe certa urgência no aparelhamento das instâncias de controle, principalmente a investigativa, para que melhor e com maior eficácia se proteja o trabalhador e seus direitos.