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CAPÍTULO 1 ANÁLISE CRIMINOLÓGICA ACERCA DAS VIOLAÇÕES NAS

1.3 Análise criminológica das violações envolvendo as relações de trabalho

1.3.3 A vítima

O perfil da vítima das violações das relações de trabalho também possui muitas semelhanças com o perfil vitimilógico do direito penal secundário.

Como aponta Figueiredo, outro fator que contribui para a diferenciação dos crimes do colarinho-branco da criminalidade comum divisa-se na perspectiva da relação entre a conduta do delinquente e da vítima. Ocorre uma difusão, na criminalidade econômica, das vítimas que, mais uma vez, implica na opacidade da conduta delinquente. De fato, nesta espécie de criminalidade as vítimas desconhecem sua condição: seja porque os crimes cometidos, notoriamente desvaliosos, atingem as vítimas apenas de modo reflexo ou bagatelar em relação a cada uma delas, mesmo sendo o resultado inegavelmente ofensivo aos interesses coletivos, sejam porque muitos dos agentes justificam sua atitude por serem eles mesmos vítimas das mesmas. Ou seja, acaba por ocorrer uma maior tolerância social, à medida que a conduta passa a ser socialmente aceita com a explicação de que “todos fazem o mesmo”. É o que acontece, por exemplo, nas infrações penais ecológicas e tributárias. É de grande importância a posição da vítima na seleção da criminalidade: crimes com vítimas difusas ou crimes sem vítimas importam em enormes cifras negras.76

A questão da vítima nesse contexto jurídico é muito interessante. Como as violações afetam direitos sociais os efeitos se espalham por uma coletividade de indivíduos. O ponto é que como afeta a todos em pequena proporção, esse coletivo em si não se sente diretamente violado. Por exemplo, nas fraudes tributárias, onde o desfalque que se dá afeta um número quase que incalculável de pessoas, as vítimas acabam não se sentido tão patrimonialmente lesadas como se houvessem sido furtadas. A vitimologia já demonstrou que se não há vítimas,

75 TIEDMANN, Klaus. Derecho penal econômico: introduccíon e parte general. Arequipa: Grijley, 2009. p. 72. 76 FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa de. A teoria dos white-collar crimes, suas divergências conceituais e a

necessária reflexão sobre as técnicas de tutela. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 20, n. 94, p. 442, jan./fev. 2012.

a cifra negra aumenta. Isso colabora para que o crime em questão pareça atraente e o criminoso sinta-se mais confortável acerca do cometimento da conduta.

No caso das relações do mundo do trabalho, as vítimas são mais facilmente identificáveis. Essa coletividade a qual tais crimes se reportam é facilmente perceptível apenas analisando o quadro de funcionários de uma determinada pessoa jurídica que através de alguém em situação de garantidor, viola os direitos trabalhistas desses empregados e atenta contra sua segurança, saúde, condição emocional, entre outras.

Segundo Nise Jinkings, analisando o trabalhador bancário, por exemplo, infere que nos bancos, como em outros segmentos da classe trabalhadora, a pressão por produtividade se apresenta diluída e mistificada pelas “leis” do mercado e exigências atribuídas à concorrência interbancária e aos clientes. Do mesmo modo, os mecanismos de dominação entranhados nos programas de “qualidade total” e “remuneração variável” agem com o objetivo de mascarar e intensificar a exploração capitalista do trabalho nos ambientes bancários. Pois, criando equipes de qualidade, organizando campanhas de vendas de “produtos” e serviços, determinando metas de produtividade individuais e coletivas, estabelecendo um sistema complexo de premiações e punições, tais programas constituem-se em importante ferramenta da gestão do trabalho nos bancos. O controle burocrático detém sua importância minguada nesse cenário, no qual predominam a ansiedade e o medo, a sobrecarga de trabalho, bem como os artifícios gerenciais para fragilizar a luta sindical e os laços de solidariedade entre os trabalhadores.77 Ou seja, é possível identificar esse coletivo, de modo que a principal

diferença que essas vítimas possuem com as demais vítimas do direito penal secundário é exatamente essa possibilidade. No entanto, questão interessante é o fator de se entender como vítima, de maneira que muitos deles não se compreendem nesse contexto, colaborando para a manutenção dessas violações.

Válido ressaltar que um direito penal orientado à prevenção se preocupa com a vítima apenas de maneira tangencial. Sua meta é prevenir o futuro e se pergunta sobre as possibilidades de melhorar o autor do delito, de dissuadir futuros delinquentes e de reforçar o sentido social de respeito pelas normas.78

77 JINKINGS, Nise. As formas contemporâneas da exploração do trabalho nos bancos. In: ANTUNES,

Ricardo; SILVA, Maria Aparecida Moraes (Org.). O avesso do trabalho. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 187-188.

78 HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la criminologia. Valencia: Tirant lo

1.3.4 As instâncias de controle

Papel importante desempenha também as instâncias de controle quando se trata de direito penal econômico. Pablos de Molina coloca que a moderna Criminologia se preocupa, também, com o controle social do delito, principalmente por seu cariz cada vez mais sociológico e dinâmico. Essa abertura à análise das instâncias de controle representa um giro metodológico de importância, ao qual não está alheia a Teoria da Rotulação Social (Labelling Approuch) pela relevância que os partidários dessa concepção criminológica assinalam a certos processos e mecanismos do chamado controle social na configuração da criminalidade. Neste sentido, vemos não só mais um enriquecimento do objeto da Criminologia, senão também um novo modelo ou paradigma desta (o paradigma do controle), dotado de uma considerável carga ideológica.79

O controle social dispõe de numerosos meios ou sistemas normativos (religião, costume, direito etc.); de diversos órgãos ou portadores (família, igreja, partidos políticos, organizações), de distintas estratégias ou respostas (prevenção, repressão, socialização etc.), de diferentes modalidades de sanções (positivas, negativas etc.) e de particulares destinatários. Como indica-se, a Justiça constitui-se apenas um dos possíveis portadores do controle social. O direito penal representa, também, tão somente um dos meios ou sistemas normativos existentes, do mesmo modo que a infração legal constitui nada mais que um elemento parcial de todas as condutas desviadas; e a pena significa uma opção dentre as muitas existentes para sancionar a conduta desviada. Mas é inegável que o Direito penal simboliza o sistema normativo mais formalizado, possuindo uma estrutura com maior racionalidade e com o mais elevado grau de divisão do trabalho e de especialidade funcional dentre todos os subsistemas normativos.80

A área do direito penal econômico está sofrendo uma grande expansão, de forma que diversos tipos penais foram sendo criados durante os últimos anos na busca pela tutela dos direitos sociais. Dessa forma, as instâncias de controle se mostram cada vez mais preocupadas com o problema relacionado às violações dos direitos sociais. Entretanto, isso não quer dizer que essas criminalizações são completamente devidas e que estão sendo feitos de forma correta, o que acarreta problemas das mais variadas feições.

79 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos:

introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95, lei dos juizados especiais criminais. Trad. Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 118.