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FORMULAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO E GOVERNANÇA

7.2 INSTITUCIONALIZAÇÃO: FRAGILIDADE DESDE A ORIGEM

Criado por um decreto presidencial, o Programa Territórios da Cidadania pode a qualquer momento ser desfeito. Não realiza diretamente qualquer política, tampouco possui recurso previsto para suas atividades. Além disso, o PTC não atribui qualquer obrigação institucional de participação a nenhum ente federativo ou órgão e ministério do qual depende

para ser realizado. A matriz de ações sobre a qual opera precisa ser pactuada anualmente com cada órgão participante, que pode internamente decidir por não priorizar os territórios, a depender da conjuntura em que implementa as ações. O controle da execução e territorialização das ações só pode ser comprovado pela equipe do programa por intermediação de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público. Em última instância, somente o território pode verificar sua realização.

Frente a essa fragilidade institucional, qual seria então a força motriz do programa? Em entrevista, E3, à época membro da Casa Civil, afirmou que o PTC era um programa prioritário para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e não o foi para a presidente Dilma Rousseff, quando esta assumiu seu primeiro mandato, o que justifica sua paralisação a partir de 2011. E7, da delegacia estadual do MDA desde 2012, explica a retomada do Territórios da Cidadania após 2013 pela pressão social e de técnicos do governo, principalmente do ministério, que sempre estiveram fortemente ligados à formulação e implantação do programa. E2 diz que a origem partidária do PTC afastou prefeituras e representantes da sociedade civil do Consad no Vale do Ribeira-SP.

O cenário desenhado pelos entrevistados aponta para a importância da dinâmica política na implementação do programa. Uma dinâmica instável, passível de ser reorientada a cada dois anos com a mudança do chefe do executivo (municipal, estadual e federal) e influenciada pelos conflitos partidários.

Essas avaliações somam-se ao conjunto dos diferentes relatos acerca da implantação do PTC em outros territórios, o que aponta para a capacidade deliberativa de diferentes atores de diversos níveis de gestão sobre sua execução e permite identificar o grau de informalidade no qual o Territórios da Cidadania se propõe operar, o que tem se mostrado um grande desafio.

Para um programa que se propõe a enfrentar a pobreza nas regiões mais preocupantes, via desenvolvimento integrado, a partir de um desenho complexo que envolve a participação de diversos níveis de gestão, baseado em uma lógica desafiadora como a territorial, essa dependência política e fragilidade institucional enfraqueceram a capacidade de coordenação do governo federal, uma coordenação fortemente demandada na implementação e execução.

Uma outra instância institucionalmente frágil é o colegiado. No caso do Vale do Ribeira-SP, fora instalado inicialmente no Consad, que, apesar do nome, não era um conselho e sim uma associação. Como tal, poderia receber recursos diretos da União, mas esse não é o modelo do Territórios da Cidadania, que prevê repasses aos entes conforme a política. Diga-se, repasses cujos montantes eram inversamente proporcionais à burocracia demandada para acioná-lo, conforme apontam E2 e E7. Da mesma forma, a burocracia exigida para a

regularização das atividades do Consad não foi devidamente cumprida, o que levou à paralisação de seu funcionamento em 2011 e a um processo de encerramento que se arrasta até o momento. Dentre as explicações, pode-se apontar a falta de capacitação em gestão e de recursos para a contratação de uma equipe voltada para o funcionamento do colegiado – lembramos que pelo PTC fora previsto o pagamento de somente um funcionário, no caso do Vale, uma articuladora territorial do local que acumulava funções como mobilização, comunicação, articulação política e representação. Na região, esse pagamento ainda era intermitente, pois a contratação passou por várias outras organizações, que não o próprio Consad. A paralisação das reuniões e a precarização do trabalho de articulação impactou diretamente as atividades prioritárias do Consad – a mobilização social, a articulação política e o controle social sobre o programa.

A solução recente foi não retomar o Consad e, sim, criar uma nova instância, o Conselho de Desenvolvimento Territorial (Codeter), como conselho não institucionalizado e focado no desenvolvimento territorial mais integrado, articulando várias políticas de diversas instâncias federais. Os recursos financeiros para os encontros e o suporte à gestão estão sendo fornecidos pelo MDA, em sua iniciativa de retomada do PTC. E9 explica que isso possibilitou uma importante liberdade de organização, de modo a ajustar-se a oferta e demanda locais por equipe, trabalho e articulação, inclusive com outras políticas. Reduziu também a demanda (e preocupação) com a burocracia. Por outro lado, ainda depende do comprometimento de prefeituras com as políticas articuladas e trazidas pelo colegiado. No caso de uma associação que demanda equipamento via Pronaf ainda precisa articular a prefeitura (normalmente onde está sediada) para receber os recursos e permitir o seu uso conforme o projeto aprovado.

Como exemplo de desafio institucional para o colegiado, foi apresentado durante a primeira reunião da Câmara Temática de Regularização Fundiária (CTRF) do Codeter do Vale do Ribeira-SP o caso de equipamentos do Pronaf parados em uma prefeitura, pleiteados para uso de uma cooperativa. Dado que esses equipamentos precisam ser repassados para outro município, e não diretamente à organização social demandante, o município onde a cooperativa está sediada foi sensibilizado e fará a intermediação do pedido junto ao MDA. Outra situação de articulação que ainda passa pelo município (como ente federativo mais local e acessível ao público do território) é a atual articulação para a criação de um consórcio entre prefeituras para que organizações nelas sediadas possam compartilhar um técnico de inspeção sanitária para obter o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). No entanto, o colegiado enfrenta dificuldades para mobilizar todas as prefeituras necessárias para englobar as organizações de agricultura familiar interessadas. A sugestão debatida foi a criação de um consórcio com os municípios

interessados, mobilizando os demais em oportunidades futuras. Por fim, outro caso de desafio de institucionalização presente no colegiado é a situação atual de alguns técnicos de assessoria rural do Vale do Ribeira. O projeto apresentado para assistência na área de agroecologia precisou ser apresentado por uma instituição – que é mais pontuada na licitação conforme a experiência na área e pela presença de técnicos locais na equipe. Para aumentar as chances de ter um projeto aprovado, os técnicos da região se uniram a essa instituição, que demitiu os formuladores locais do projeto logo após a sua aprovação, vinculando a permanência de outros técnicos à aceitação de situações precárias de trabalho.

Essas situações demonstram alguns dos desafios pelos quais passam o colegiado não institucionalizado, e apontam para mudanças e adaptações nas relações entre entes e organizações locais que possam minimizá-los e, assim, fortalecer a representação social e autonomia dessa importante instância.

7.3 FEDERALISMO: TERRITÓRIOS DA CIDADANIA, UM PROGRAMA TOP-DOWN