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Para fins de aplicação dessa pesquisa, dividi a Região Norte da seguinte forma:

- Área 1 (um) – eixo Amazonas, Pará e Tocantins.

- Área 2 (dois) – demais estados da Região - Acre, Amapá, Rondônia, Roraima.

A decisão de excluir os estados da Área 1 da pesquisa, deve-se principalmente às diferenças histórico-culturais das suas Instituições Federais de Ensino Superior - IFES em relação às universidades que compõem o campo empírico. A UFPA foi criada na década de 1950 e a UFAM no início do século XX, sendo federalizada em 1962. Ambas foram estabelecidas a partir da união de faculdades isoladas, que mesmo incorporando o ideário utilitarista pós-regime militar, foram implementadas sob o predomínio da configuração iluminista das universidades européias, baseada nos paradigmas humanistas e de missão pública.

A UFRA, por sua vez, foi criada em 2002, limite do recorte temporal da pesquisa. Da mesma forma, a UFT foi federalizada em 2005, apesar da sua criação inicial se dar como universidade estadual em 1990, acompanhando o desenvolvimento exponencial vivido pelo Estado de Tocantins, experiência essa não vivenciada pelos estados da Área 2.

As universidades da Área 2 foram criadas no intervalo entre 1974 e 1990, período caracterizado pela incorporação de modelos funcionais, operacionais e de resultados (CHAUÍ, 2001), caracteristicamente tecnicistas, utilitaristas e voltados para o mercado. Possuem problemas estruturais semelhantes, principalmente no que diz respeito às suas BUs, como inexistência de Escolas de Biblioteconomia, o que implica em dificuldades de atração e evasão de profissionais, bem como carência de estudos científicos, sem mencionar os poucos recursos que dispõem para empreender ou até mesmo manter serviços e estrutura básica.

Para discutir as políticas que influenciaram o desenvolvimento das bibliotecas universitárias, utilizei a produção científica relativa às IFES que compõem meu universo de pesquisa, usando ainda fontes institucionais primárias, como relatórios de gestão, publicações técnicas e Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI), para preencher possíveis lacunas de informações.

Com vistas a apreensão do objeto em seus aspectos gerais e principais, usei fontes primárias oficiais específicas das bibliotecas estudadas, como os planos, relatórios anuais e documentos legais. De antemão, registro que presenciei uma escassez generalizada de material sobre essas IFES, que em parte deve-se ao fato de essas instituições serem relativamente novas.

As fontes priorizadas foram as orais, fornecidas pelos agentes, que contribuíram especialmente para a compreensão das mentalidades e das práticas cotidianas durante a construção histórica.

Apropriei-me dessas fontes tendo como fundamento a perspectiva de que os dados orais servem para confirmar as demais fontes, assim como outras fontes servem para confirmar os relatos orais (PRINS, 1992). Por isso, a presente pesquisa faz uma articulação constante entre as fontes orais, científicas e institucionais.

Com os relatos orais é possível perceber as estratégias adotadas, as escolhas, a relação de força, as significações simbólicas, as lutas, os dramas abafados, as coisas deixadas de lado, e que, para o senso comum, tem aparência de ordinário e insignificante (DEL PRIORE, 1997).

A coleta de dados orais foi o maior desafio da pesquisa. Primeiro pela necessidade de me deslocar aos estados para colher os depoimentos dos funcionários, que exigiu recursos financeiros para passagens aéreas, estadias e alimentação.

Segundo que, apesar dos depoimentos orais serem especialmente valiosos na apreensão das ações e condutas no âmbito do cotidiano das bibliotecas, os agentes, no entanto, têm uma predisposição a descrever o seu dia-a-dia, sem relacionar suas ações com as estruturas. Neste caso, foi preciso fazer uma crítica constante, para tentar encontrar o peso das estruturas sobre as representações dos entrevistados.

Terceiro, pela constante preocupação com a vigilância epistemológica, pois faço parte do objeto de estudo. No caso de Roraima, fez com que, no início, eu construísse um discurso que me distanciava da pesquisa, chegando a referir a mim

mesma como se fosse uma estranha. Foi preciso a intervenção da minha orientadora para lembrar que, principalmente na perspectiva de Bourdieu, eu já estava presente na pesquisa com as minhas opiniões, minhas representações, enfim, meu habitus incorporado já estava presente.

Por último, o maior dos meus receios era que, inicialmente, os sujeitos da pesquisa se resumiam aos bibliotecários das instituições, mas minha orientadora, o co-orientador, colegas do mestrado, instigaram-me a ampliar o foco para os funcionários das bibliotecas como um todo. Como eu estava contra todos, segui as orientações, mas entrei numa crise que dificultou a operacionalização do trabalho por uns dois meses.

Minhas apreensões giravam em torno da dificuldade de discutir as disposições estruturadas (e estruturantes) dos técnico-administrativos, acerca da problemática do pouco envolvimento profissional e dedicação à Universidade e ao serviço público como um todo. Durante a minha atuação como bibliotecária da UFRR, fiz parte de um grupo de funcionários que criticava e ao mesmo tempo sentia o impacto dos freqüentes atrasos, ausências, apatia e baixa produtividade.

Expor essa realidade se transformou num grande desconforto, mas ao mesmo tempo, se eu não o fizesse, se eu escamoteasse essas discussões, eu temia que ao término do trabalho, eu chegasse à conclusão de que nada valeu a pena. Essas preocupações, porém, foram dissipadas com os funcionários da UFAC, que me ajudaram a discutir esse campo de luta específico. Com as experiências e os relatos deles me entreguei ao que a pesquisa tinha a elucidar e deixei de me preocupar com as possíveis críticas.

As entrevistas não foram realizadas com todos os funcionários que atuaram nas bibliotecas. Houve a preocupação em ouvir os auxiliares mais antigos e os que trabalharam nas BUs por vários anos. No que tange aos bibliotecários e dirigentes o número é bem reduzido, visto que a história dessas bibliotecas é marcada pela carência de profissionais e pelo seu pouco tempo de existência. Só o Acre teve a sua Universidade federalizada na década de 70, Rondônia foi criada na década de 80 e Amapá e Roraima nos anos 1990. Esta última, durante o recorte temporal dessa pesquisa, teve apenas 04 bibliotecárias, duas delas atuando também como dirigentes.

Os depoimentos foram colhidos por mim durante o mês de agosto de 2008, sendo uma semana para cada estado. Foram entrevistados 25 profissionais, sendo

seis bibliotecários, com uma média de seis pessoas em cada universidade. O instrumento utilizado foi o MP4, que gera arquivo digitais, o que facilita a socialização dos depoimentos para posteriores pesquisas. No início de cada sessão de entrevistas, os depoentes assinaram um termo de compromisso doando seus depoimentos. No decorrer do trabalho, apresento de forma mais detalhada a execução das entrevistas em cada universidade.

Ao término da sessão diária de visitas, onde além das entrevistas, eu também realizava levantamentos bibliográficos sobre as instituições, fiz algumas observações por escrito das apreensões acerca dos entrevistados, do espaço das bibliotecas, às vezes da universidade e, em alguns casos, até do estado. Além dessas observações, também anotei relatos velados que os entrevistados não queriam registrar, conversas ao pé do ouvido, silêncios e omissões significativas.

Bourdieu (2007a) afirma que o pesquisador não tem qualquer possibilidade de estar à altura do seu objeto. Pelo menos no tocante a este trabalho, essa premissa é verdadeira. Pois uma das emoções vivenciadas durante esse processo, foi o grau de satisfação e o agradecimento que alguns entrevistados manifestavam por terem sido lembrados para dar seus depoimentos. É o que mostra a fala de Euza Cavalcante da UNIR:

Eu espero muito que você tenha sucesso em mostrar a nossa realidade para as pessoas.4

Apesar de ler em Thompson (2002) acerca dos efeitos que os relatos orais causam nos entrevistados e em Bourdieu (2007a, p.704) sobre o fato dos entrevistados parecerem aproveitar a situação como uma oportunidade excepcional para testemunhar, se fazer ouvir, “levar sua experiência da esfera privada para a esfera publica”, foi muito gratificante pra mim ouvir esses comentários dos entrevistados, pois me deram a certeza que o caminho investigativo que escolhi, estava correto.

2 A CONSTRUÇAO DAS BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS NO BRASIL

Com vistas a investigar a gênese das estruturas e do habitus determinantes nas bibliotecas universitárias, faço uma incursão pela construção histórica das bibliotecas universitárias brasileiras, onde procuro compreender quais as políticas que mais tiveram impacto sobre o pensamento e as práticas dos profissionais que atuaram nessas bibliotecas, bem como sobre o seu cotidiano.

A análise tem como referência o recorte temporal da investigação e como pano de fundo os aspectos conjunturais predominantes entre os governos do regime militar e o fim do governo de Fernando Henrique Cardoso.

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