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Com vistas a compreender as mudanças de mentalidades determinantes no cotidiano das bibliotecas, no decorrer da história brasileira, farei uma breve discussão sobre os movimentos que originaram as práticas nessas bibliotecas.

Castro (2000), em seu clássico trabalho sobre o berço da Biblioteconomia brasileira, aponta cinco fases na divisão histórica da formação de bibliotecários, expostas no Quadro 1:

PERÍODO MOVIMENTO

1879- 1928

Movimento fundador da Biblioteconomia no Brasil de influência humanística francesa, sob a liderança da Biblioteca Nacional

1929- 1938

Predomínio do modelo pragmático americano em relação ao modelo humanista francês

1940- 1961

Consolidação e expansão do modelo pragmático americano; 1962-

1969

Uniformização dos conteúdos pedagógicos e regulamentação da profissão. 1970-

1995

Paralisação do crescimento quantitativo das escolas de graduação e crescimento quantitativo dos cursos de pós-graduação; busca da maturidade teórica da área.

Quadro 1: Gênese das práticas bibliotecárias Fonte: CASTRO(2000)

Castro(2000) não faz menção, mas no período de 1965 a 1985, o predomínio americano continuou sendo a tônica na prática bibliotecária, principalmente com a total incorporação do ideário americano nas universidades brasileiras durante o regime militar. No entanto, em outro estudo, Castro e Ribeiro (2004) falam que a expansão dos Cursos de Biblioteconomia ocorreu, na sua maioria, na pós-reforma universitária de 68, portanto, no auge do regime militar, na mesma proporção em que eram fechados os cursos de Sociologia, Antropologia e Filosofia.

Como toda transição, o deslocamento do modelo humanístico para o modelo pragmático também se deu na base de conflitos. Os profissionais pragmáticos, que defendiam o domínio da técnica, eram especialistas e se diziam progressistas e modernos.

A mudança da imagem do bibliotecário humanista, conservador, imperfeito, para progressista e moderno dava-se na medida em que este não se preocupava somente em adquirir livros e pô-los em ordem, mas o seu interesse maior era que todos os materiais existentes na biblioteca fossem lidos e consultados (...) (CASTRO, 2000, p. 121).

Os pensadores do modelo pragmático afirmavam que o profissional especializado não teria condições de atuar em bibliotecas públicas, escolares e universitárias, de caráter mais generalista e que somente as bibliotecas especializadas poderiam contribuir para o progresso da ciência.

Esse novo profissional surgiu com o nascimento das bibliotecas especializadas no Brasil, que por sua vez, vinham a reboque da então emergente Ciência e Tecnologia (C&T) no país. Para Castro (2000), a nova postura não se processou por vontade destes profissionais, mas pelas pressões externas que exigiam uma postura mais dinâmica e participativa diante do avanço da C&T e das mudanças no campo educacional e social.

Note-se que, apesar de os pensadores afirmarem que as bibliotecas universitárias não se enquadravam nessa nova perspectiva, a história mostrou que ao lado das bibliotecas especializadas, as universitárias também acompanharam as inovações, mesmo porque as universidades brasileiras sempre foram as principais responsáveis pela geração de conhecimento científico.

Corroborando com essa afirmação, Castro (2000) diz que os profissionais de Biblioteconomia mais valorizados eram os que atuavam nas bibliotecas

especializadas e universitárias. Seu capital simbólico era acumulado com base no nível salarial, no status, nas condições de atualização e no uso das modernas tecnologias de informação, em detrimento das bibliotecas públicas e escolares, demonstrando o quanto a trajetória da Biblioteconomia tem sido irregular.

Como bem afirmou Castro, a fase pragmática absorvia saberes especialmente americanos, onde se estabeleceu a área da ciência moderna e que exportou a noção de especialização e domínio da técnica para o mundo, principalmente para a América Latina.

Esses saberes eram impregnados pelo liberalismo americano, cultura política atualmente dominante, caracterizada como racionalista, universalista e individualista. Para Mészáros (2005, p.42), esta ideologia dissemina um estado social mínimo e a desigualdade onde “as medidas que tinham de ser aplicadas aos ‘trabalhadores pobres’ eram radicalmente diferentes daquelas que os ‘homens de razão’ consideravam adequadas para si próprios”.

Essa influência afastou os profissionais quase que totalmente dos problemas sociais e cotidianos do contexto nacional, adotando posições destituídas de criticidade e alheias a macroquestões sociais, culturais e econômicas. (CASTRO, 2000).

O modelo também foi responsável pela quase inexistência de intelectuais entre os profissionais de Biblioteconomia, cuja predominância é de técnicos com pouco senso crítico. No âmbito universitário, tal carência gera entre os bibliotecários uma dificuldade de se inserir e interagir no cotidiano desse campo, pois demanda profissionais atualizados, questionadores e plenamente envolvidos com a pesquisa científica.

Houve, ainda, uma acomodação diante das representações estereotipadas geradas entre os vários setores da sociedade, o que fez com que os profissionais se representassem e à Biblioteconomia, de modo apolítico quando promovem a profissão (AMARAL, 1995). Absorveram o senso comum, com seus esteriótipos e preconceitos, e os mantiveram como representações próprias.

O modelo pragmático foi predominante no Brasil até a década de 80, quando surgiram os primeiros defensores de um modelo social. Sua consolidação se deu principalmente pelo regime militar com sua concepção de estado tecnocrático e, ainda hoje, se mantém fortemente nas práticas empregadas no interior das bibliotecas.

Na próxima sessão iniciarei a incursão sobre a história das bibliotecas universitárias federais conforme o recorte já apresentado. Apesar de esse recorte ter sido delimitado com base na criação das bibliotecas aqui estudadas, acredito que esse tenha sido o período histórico de maior importância para o desenvolvimento das bibliotecas universitárias brasileiras, haja vista que foi o período em que, ao lado das transformações ocorridas nas universidades, elas mais cresceram e consolidaram uma identidade própria.

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