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Gico (1990), principal referencia desse estudo acerca das bibliotecas universitárias durante o regime militar, afirma que, enquanto reprimia duramente os seus opositores, o regime orquestrou a reorganização do ensino superior de acordo com a sua concepção de estado tecnocrático-civil-militar(1964-1984), cuja característica principal era o excessivo controle do sistema educacional.

Conforme a autora, o primeiro acordo entre o MEC e a Agencia Norte- Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), em 1965, tinha como objetivo elaborar uma série de planos para ampliação e reestruturação do sistema de ensino universitário brasileiro. Uma das primeiras constatações registradas pela USAID eram as estruturas obsoletas e bibliotecas insatisfatórias. Os resultados dessas constatações levaram a implementação da Reforma Universitária de 1968.

Gico (1990) afirma que, para garantir a implementação da reforma, a repressão aos intelectuais comprometidos com um projeto progressista de universidade foi desencadeada. O que facilitou a busca de consultoria técnica, e americana, junto às instituições como a USAID, a técnicos como Rudolph Atcon, colaboradores brasileiros como o Coronel Meira Matos e o Grupo de Trabalho para a Reformulação da Universidade (GTRU). Com os relatórios e os planos dos consultores, a reforma foi amplamente incentivada e financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ao Ministério da Educação.

Gico(1990) diz que as bibliotecas universitárias não foram citadas pela reforma, mas foram mencionadas nos relatórios e trabalhos posteriores, e entregues pelos consultores estrangeiros ao governo brasileiro, cujas recomendações foram:

a) integração ao centro básico – suas instalações deveriam estar bem no centro do campus, de modo que os acessos irradiassem dela para todas as direções, porque o campus é um conjunto composto pelos departamentos básicos do conhecimento. Sua estrutura deve ter colunas fortíssimas para uma possível expansão vertical, embora fosse recomendado a todos os prédios expansão horizontal;

b) atuação como biblioteca central única – centralização de todo o acervo bibliográfico e serviços da universidade, com vistas a maior economia na aquisição dos materiais bibliográficos, maior racionalização na distribuição de pessoal, padronização dos serviços e facilidade no uso de informação concentrada num só recinto. Tais recomendações foram duramente criticadas por professores e alunos, visto que a centralização não fazia parte da cultura universitária. As tensões aumentaram pela forma autoritária com que foi implementada, setores das universidades tiveram que abrir mão das bibliotecas de suas unidades para que essas fossem incorporadas à Biblioteca Central;

c) institucionalização da biblioteca central enquanto órgão

suplementar – as universidades passaram a ter órgãos suplementares

de natureza técnica, cultural, etc. Esta medida levou as bibliotecas centrais à condição de departamento autônomo subordinado diretamente a Administração Superior, para facilitar a consulta quando decisões importantes de política administrativa fossem tomadas;

d) exigência da biblioteca para autorização e reconhecimento de

cursos – tal medida funcionou plenamente para avaliação dos cursos

de pós-graduação, o que não aconteceu para os cursos de graduação, principalmente das universidades particulares, pois as bibliotecas eram instaladas em caráter pró-forma, sem nenhuma condição de funcionamento.

As recomendações tinham caráter de obrigações, porque o MEC só liberava verbas para as universidades que tivessem os padrões da reforma plenamente acatados. Após a elaboração das plantas arquitetônicas, essas eram encaminhadas ao BID, que à época dava prioridade para a construção das bibliotecas. Na Região Norte e Nordeste as universidades recebiam esse financiamento das

Superintendências de desenvolvimento, no caso SUDENE e SUDAM, que repassavam as verbas dos acordos firmados com a USAID, Aliança para o Progresso, etc. (GICO, 1990)

Todas as universidades que construíram seus campi de acordo com os moldes da reforma, tinham que, obrigatoriamente, construir bibliotecas centrais, tendo como modelo a Biblioteca da Universidade de Brasília – UNB, apesar da diversidade histórica. “A UNB teve uma biblioteca central sem a existência anterior de outras bibliotecas fragmentadas em escolas isoladas, faculdades, institutos, departamentos, etc.” (GICO, 1990, p. 122).

A autora acrescenta que, caso os bibliotecários da instituição demonstrassem a necessidade de consultorias, era obrigatória a presença de um consultor estrangeiro, principalmente americano.

A centralização foi a tônica das políticas públicas do Governo militar, em todas as esferas institucionais do Brasil. Tendo como principais objetivos a canalização de esforços e redução dos recursos quase inexistentes e, mesmo nos setores onde havia amplos investimentos, a centralização garantia o controle.

Tal perspectiva gerou na comunidade universitária, sentimentos que oscilavam entre paixões dos grupos beneficiados e a insatisfação de outros, principalmente dos catedráticos que perdiam o comando. As bibliotecas, por sua vez, perderiam sua identidade, o apoio, a administração e os recursos dos setores aos quais eram agregadas. Aqueles que desempenhavam suas funções nas bibliotecas isoladas de entidades de renome, ressentiam-se com a perda de poder que a centralização representava para eles, bem como a falta de apoio dos professores famosos (GICO, 1990).

Ao término do processo de centralização, já no fim da década de 1970, viu- se uma realidade híbrida, pois algumas estruturas construídas no período anterior ao Regime, conseguiram manter suas instalações originais, enquanto outras se anexaram aos novos campi. (CUNHA, 2001)

Atrelados aos projetos de construção e centralização das bibliotecas universitárias, os convênios MEC-USAID também indicaram um projeto de treinamento para preparação de dirigentes das bibliotecas centrais para todas as universidades. Para o Professor Atcon, o curso deveria ser ministrado pelo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), atual Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia (IBICT) e dirigido especificamente para a

preparação uniforme de diretores de bibliotecas centrais (GICO, 1990). O curso era dado aos profissionais das universidades que haviam aderido às novas determinações,

sua finalidade era o aperfeiçoamento dos estudos de estrutura e serviços de Bibliotecas Centrais e Setoriais das Universidades Brasileiras, bem como ‘criar novas atitudes, hábitos e procedimentos. Enfim, criar uma nova mentalidade e formar uma consciência de reforma entre os responsáveis por esses órgãos de apoio à Educação, Ciência e Cultura’. (GICO, 1990, p.144) A ideologia estava posta. Mas esses cursos não conseguiram homogeneizar as mentalidades, pois os bibliotecários estavam divididos: uns defendiam as vantagens técnicas da reforma, outros acreditavam e defendiam a melhoria dos serviços, enquanto outros mostravam-se indiferentes. Alguns grupos de bibliotecários insatisfeitos procuraram outros empregos ou “deram um jeito” de não trabalhar nas bibliotecas centrais. Na UFPE, o Reitor teve que contratar profissionais externos à Universidade, para fazer cumprir as normas da reforma (GICO, 1990, p.146).

Com a exaustão do milagre econômico, entrou em cena o corte de verbas em todos os setores das universidades, a ponto de muitas delas terem de paralisar importantes atividades de ensino, de pesquisa e de prestação de serviços. (CUNHA, 2001). O fim do milagre deixou as bibliotecas centrais com vários problemas em suas estruturas físicas, decorrentes da má qualidade das construções. Problemas como falta de eletricidade, infiltração e falta de água para beber e para limpeza, transportes deficientes para usuários, etc.

Miranda (1978) dá uma idéia de como essas bibliotecas se encontravam. Este comenta que nos dez anos anteriores, foram construídos grandes edifícios de bibliotecas e vários estavam em processo de construção. Mas as bibliotecas universitárias brasileiras enfrentavam uma crise de crescimento devido à renovação universitária, à tentativa de transformação dos métodos de ensino e aprendizagem, à explosão demográfica no ingresso de discentes, à intensificação de pesquisas e da extensão e, sobretudo, devido à capacitação de docentes na área científica e tecnológica que demandam serviços cada vez mais sofisticados.

Apesar de todo o crescimento universitário, as bibliotecas não cresceram nas mesmas proporções em termos de aquisição de material bibliográfico e na

facilidade de seus serviços. Muitos dos problemas foram gerados pelas imposições da reforma, como a centralização. Miranda (1978) elencou os principais:

a) Estrutura administrativa - nas universidades federais não existe um critério unificado quanto à estrutura administrativa da(s) biblioteca(s). Idealmente, deveria existir uma biblioteca central ou um núcleo da coordenação de bibliotecas em cada universidade com suficiente autonomia para cumprir seus objetivos. Um orçamento próprio e definido, planejamento e estabelecimento de metas são pré-requisitos para qualquer empreendimento sério. A ausência de uma estrutura administrativa definida, com atribuições claras e objetivos explícitos vem dificultando, sobremaneira, o desenvolvimento dos serviços bibliotecários na maioria de nossas bibliotecas universitárias. Os empecilhos são grandes, mas a ausência de critérios e planos é maior; b) Processos técnicos - poucas bibliotecas universitárias podem orgulhar-

se de contar com catálogos atualizados e completos. Os sistemas de classificação variam majoritariamente entre a CDD e a CDU5 e, em

certos casos, ambos sistemas sobrevivem às vezes numa mesma universidade (em diferentes bibliotecas) ou, até mesmo, em diferentes coleções de uma mesma biblioteca. Naturalmente que isto afeta a compatibilidade de serviços, sobretudo nos catálogos coletivos, mas a reclassificação é excessivamente onerosa para constituir-se em solução viável. Ainda quanto aos processos técnicos, caberia ressaltar os fracassos nos dois processos mais importantes sob a perspectiva dos serviços à comunidade: na seleção e na referência;

c) Pessoal - as estatísticas demonstram que, apesar do progresso nos últimos anos, ainda era diminuto o número de bibliotecários em relação ao universo de usuários. Os processos técnicos e as tarefas administrativas consomem quase todo o tempo e a força de trabalho de pessoal graduado. Por outro lado, o despreparo dos profissionais que servem a Biblioteca é um dos problemas que mais afetam a sua atuação. Com o incentivo crescente à capacitação de docentes, o nível de especialização de nosso professorado vem aprofundando-se o que implica em demanda de informação mais sofisticada e específica. Por

outro lado, o bibliotecário de nossas universidades não teve o correspondente incentivo à capacitação permanente. Ao contrário, os mais jovens e os mais ambiciosos optaram pelo ensino (para usufruir dos privilégios) ou· foram atraídos por melhores oportunidades e melhores salários nas bibliotecas especializadas e nos sistemas nacionais de informação;

d) Identidade bibliotecária - o grande obstáculo ao desenvolvimento de serviços bibliotecários parece ser a nossa precária tradição na área biblioteconômica. Não abundam, entre nós, os modelos de bibliotecas com serviços eficientes e uma infra-estrutura compatível com os seus objetivos. Ainda vivemos no "vir-a-ser" e imitamos os modelos estrangeiros. Seja como· for, é a nossa própria experiência (aliada à estrangeira, sem dúvida, mas com cautela) que poderá mostrar-nos com segurança o caminho a trilhar. É antes de tudo, uma mudança de

mentalidade, de atitude, paralelamente aos recursos humanos,

financeiros e materiais que devemos conquistar.

As bibliotecas também presenciaram, durante esse processo, a negação do próprio livro no interior das universidades, ao invés da ampliação da sua produção, situação que seria condizente com uma expansão do ensino superior.

(...) Cedeu lugar, essencialmente, ao uso de recursos didáticos, antes complementares, como o mimeógrafo e a xerox, que foram sucessivamente substituindo o livro. A própria manutenção de uma biblioteca satisfatória que seria o mínimo que se exigir, é sequer imaginada. A especial opção do ensino pelo tipo de curso ministrado exclusivamente na base da voz e do giz, em geral, indica nossa ‘vocação educacional’ (GICO, 1990, p. 169).

A autora qualifica os resultados da reforma como desastrosos e lamenta que, na época, houve um nível de adesão nacional com a propaganda ideológica da modernização e a ação dos outros aparelhos do Estado.

Para alguns autores como Cunha (2001), porém, a Reforma de 68, impetrada pelos militares, possibilitou o crescimento do ensino superior a um ritmo até então desconhecido no Brasil, em consonância com os investimentos em pesquisa científica e tecnológica.

2.3 A DÉCADA DE 1980 E O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA PARTICIPATIVA

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