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5. O PERCURSO DE UMA PESQUISA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

5.2 Procedimentos Metodológicos

5.2.1 Instrumento

Como partimos de uma pesquisa qualitativa de caráter fenomenológico-existencial, utilizamos como instrumento de estudo a entrevista semiestruturada. Por esta se configurar com perguntas abertas, tal ferramenta nos fornece descrições mais profundas a respeito da experiência do participante, pois permite ao mesmo maior flexibilidade para relatar sua experiência.

Quando se tem como alvo de estudo a experiência, é sabido que elas sempre carregam uma relação em torno de uma historicidade e de um envolvimento sócio-cultural por parte do sujeito que são organizados, parcialmente, pela linguagem. É por meio da palavra, portanto, que podemos nos aproximar da experiência, ou seja, é na linguagem que reside a expressão do vivido, é o meio de externar a experiência e reproduzi-la. Isso não quer dizer representá-la, tão logo defini-la, mas, sobretudo, expressá-la e vivê-la novamente.

A forma de acessar o vivido pela linguagem se traduz, na presente pesquisa, pela forma de narrativas. Utilizado em outras pesquisas como recurso metodológico (Morato & Schmidt, 1998; Dutra, 2002; Souza, 2007; Maux, 2008; Rebouças, 2010), as narrativas têm sido consideradas uma forma de comunicação adequada, pois expressa a experiência humana pelo simples ato de narrar uma história. No caso em pesquisa, trata-se do participante narrar sua história pessoal, tal como foi vivida por ele.

Adotamos o conceito das narrativas por meio das ideias do filósofo alemão Walter Benjamin (1994). Para ele, a narrativa é “uma forma artesanal de comunicação” (p. 205)

70 que não possui desígnio de transmitir a coisa em si, real e pura. Assim, para Benjamin, o intuito de destacar as narrativas é traduzido pela aspiração de ressaltar o intercâmbio de experiências. Porém, segundo o reflexo histórico de sua época, datado pela década de quarenta, as experiências estavam em baixa devido ao império de uma nova forma de comunicação: a informação. Nesse sentido, foi dada à informação a culpabilidade pelo declínio do ato de narrar histórias que, por tanto tempo, fez parte das tradições.

Ainda que estivesse em ascensão, todavia, pode-se dizer que a informação só tem valor quando é recente, ela só vive num dado momento, ao passo que as narrativas, muito diferente dessas últimas, conservam seu valor no decorrer do tempo, podendo ser desenvolvida a qualquer momento. Outro fato visível destacado pelo autor é que a informação precisa ser plausível, explicativa por si mesma, fato que não ocorre quando é dado interesse à experiência, visto que o importante é o vivido. O ato de narrar uma história traduz, sobretudo, o ato de se desvencilhar de verdades impostas, do certo ou errado. Nas palavras do autor:

Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à inclinação de recontá-la um dia (p. 204).

O narrador, então, não informa sobre sua experiência, mas conta sobre ela. Entretanto, isso não quer dizer que ele encerra sua experiência no momento em que narra sua história, pois no momento em que o narrador lembra-se do ocorrido, ele o revive. Diante disso, o pesquisador, conjuntamente, aproxima-se dessa realidade e faz parte dessa trama, ou seja, “Quem escuta uma história está em companhia do narrador” (Benjamin, 1994, p. 213). Mais do que isso, ouvir e contar uma experiência abarca um estar-com-o-

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outro numa relação de intersubjetividades que assumem configurações próprias no

momento (Dutra, 2002).

Vale salientar que, na pesquisa, a busca do vivido não se dá por meio da opinião do pesquisado ou a partir de respaldos em teorias, mas, acima de tudo, a busca do vivido requer que o pesquisado retorne à sua experiência concreta. “O esforço que faz a dupla (entrevistador e entrevistado) é o de ir além das estruturas já dadas, de ir além dos modos habituais de pensar, e buscar uma conexão mais fluente com a experiência” (Amatuzzi, 2001, p. 21).

A escolha de tal instrumento para o estudo se confirma pela consonância entre a singularidade do vivido preconizada nas pesquisas fenomenológico-existenciais - não perdendo de vista o caráter ser-com - e pelo modo de pensar a experiência, haja vista o que é ressaltado por Walter Benjamin nas narrativas. Como já tratado no estudo, a fenomenologia carrega a marca de valorizar a singularidade do vivido, único a cada sujeito, não havendo sentido, portanto, em generalizar resultados ou atribuir a experiência de um na vida de muitos. Isso acontece, tal como preconizado por Benjamin (1994), pois, “Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso” (p. 205), isto é, o caráter único da experiência do sujeito é indisponível, ou seja, cabe somente a ele essa experiência. Para tanto, é possível sim uma co-participação nessa trama quando ouvimos e nos sensibilizamos junto à pessoa que narra sua história.

Logo, essa estratégia de pesquisa fenomenológica nos permite maior expressividade enquanto pesquisadores no desenrolar da entrevista, pois, ainda que saibamos que a condução virá da demanda do participante, a atitude do pesquisador faz-se essencial para abertura do outro. O ouvinte/pesquisador, para acompanhar a narrativa do narrador/participante, precisa estar com ele, ser com ele, o que não caberia, portanto, relativa neutralidade como pregado pelo método experimental científico. Para Dutra (2002,

72 p. 374), “ao se trabalhar com as narrativas dos sujeitos das pesquisas, estamos não só participando da sua história, expressa na experiência vivida. Também estaremos participando da sua reconstrução, através da profusão de sentidos”.

Assim, tendo como aparato a pesquisa fenomenológico-existencial heideggeriana, temos na narrativa a expectativa de criarmos conjuntamente com o entrevistado um espaço aberto a construções de sentidos, ou ainda uma aproximação desses a partir do encontro na qual a manifestação do vivido é facilitada.

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