• Nenhum resultado encontrado

3 – INSTRUMENTOS BÁSICOS DA DISCIPLINA DE ENFERMAGEM

Torna-se importante compreender, através do “ processo de cuidados “ como é mobili- zada a aprendizagem das competências, pelos estudantes, bem como são mobilizados os saberes, reconhecendo a realidade através de um sistema de acção concreto ( Crozier e Friedberg 1970), onde os actores, profissionais ou não, se situam e interagem.

Parece ocorrer uma associação vaga da arte com a categoria geral da destreza / compe- tência manual / técnica na prática da enfermagem, naquilo que Carper designa por “ saber estético“ (Ib. p. 5 ).

Para Rebelo ( 1998,p15) a tendência emergente, ao aceitar que o contributo das teorias de enfermagem é inquestionável no desenvolvimento da profissão, questiona todavia, a redução da problemática das práticas à aplicação linear e unívoca daquelas. A enferma- gem lida com a experiência das pessoas em torno dos acontecimentos e problemas de saúde, sendo essencial compreender o significado da saúde em termos do bem-estar individual, ( Carper, 1997 ), embora como vimos tenha também uma lógica colectiva, na medida em que as práticas desencadeiam-se em contextos organizacionais complexos e vários factores se articulam nessa configuração.

Sabemos que algum do tempo das enfermeiras é gasto com a etiologia, diagnóstico e tratamento, porque desta forma podem ajudar as pessoas na resolução dos problemas que enfrentam, o que faz existir áreas de sobreposição, pelo que necessitamos assumir papeis diferentes, complementares, mas não competitivos. (Amendoeira, 2000, p. 7) A perspectiva da existência de um processo de cuidados, emerge da importância atri- buída pelos enfermeiros à interacção e valorização dos enfermeiros enquanto profissio- nais, ao papel central da pessoa, no mesmo.

“ Numa situação de saúde / doença, o enfermeiro interage com o ser humano, parte integrante do seu contexto socio-cultural, que se encontra numa transição ou que anteci- pa uma transição. As interacções enfermeiro / cliente, são organizadas em torno de um objectivo ( demarche clínica, resolução de problemas, avaliação holística ) e o enfermei- ro usa alguma acção ( terapêutica em cuidados de enfermagem ), para melhorar, facili- tar ou promover a saúde “Meleis (1990, p. 101) (citado em Amendoeira, 2000, p. 10)“ A tomada de consciência, pelos enfermeiros, que o cuidado de enfermagem pode ser a fonte para o estudo da essência da disciplina de enfermagem, pelo processo de cuidados, mostra-nos que trabalhar os Instrumentos básicos em enfermagem, é importante porque,

“A pessoa passa a ser o centro de interesse, baseado numa relação interpessoal que ocorre entre a pessoa que necessita de ajuda e a solicita, e a pessoa capaz de dar ajuda, onde o cuidado não é um acto mecânico, mas sim humanístico.” ( Amendoeira, p. 68 ) Por outro lado e considerando as suposições teóricas anteriormente assumidas, “ se a preocupação dos enfermeiros for apoiar e ajudar a pessoa a obter níveis de bem – estar superiores aos que possui; se acreditarmos que aquela pessoa está a viver a situação de uma forma diferente e única de qualquer outra pessoa, toda a concepção e organização do cuidado se modificará. A obtenção de resultados diferentes, fazendo embora as mesmas coisas, será uma realidade.” ( Ib. p.68 )

Consideramos que para “... existir um processo de cuidados, é necessário que se consi- derem as actividades de enfermagem desenvolvidas pelos enfermeiros, tendo por base a interacção entre estes e os clientes, mas também com outros actores, na perspectiva da interacção social e transdisciplinaridade, anteriormente referidas. Este é um processo de interacção entre os diferentes actores sociais em que mutuamente se elucidam, embora com competências diferentes e complementares, no sentido de que a relação seja a mais adequada.” ( Ib. p. 70 )

O que referimos antes, quanto à necessidade e importância da teorização em enferma- gem, valida uma perspectiva de integração teórico – prática, não dicotómica mas dialéc- tica (Amendoeira, 1999).

O enfermeiro ao adoptar uma estratégia de intervenção centrada nas necessidades dos clientes, foge ao trabalho realizado por tarefa, podendo o processo de cuidados tornar-se num momento de ligação entre o doente e um profissional que pretende prestar cuidados de qualidade, pois “é o processo de classificação que permite à burocracia profissional decompor as suas diferentes tarefas operacionais e consigná-las a profissionais que são relativamente autónomos (Mintzberg, 1996).

É quando se começa a valorizar a relação prestador de cuidados / utilizador de cuidados, que se desenvolvem os métodos e os instrumentos de planeamento e organização do trabalho e que surgem os primeiros modelos teóricos sobre o cuidado de enfermagem. “ Mas pensamos ser o momento para assumir o que consideramos e entendemos por “... processo de cuidados como um processo de interacção, onde o centro de interesse é a pessoa e onde o profissional possui conhecimentos específicos que lhe permitem fazer o diagnóstico e o planeamento do cuidado, que ele próprio executa e controla “ (Amen- doeira, 2000 ).

Assim sendo, para além dos aspectos puramente cuidativos comuns a todos os interve- nientes da equipa, não pode ter-se do exercício da enfermagem uma imagem que os restrinja a actividades e a tarefas. Embora seja necessário mantermo-nos atentos e não sermos redutores, podemos afirmar que as enfermeiras e os enfermeiros dispõem de alguns meios muito particulares que fazem parte dos seus recursos e que lhes conferem a especificidade necessária para garantir a sua função de perito e de conselheiro”, tal como refere Hesbeen, ( pp. 33-34 ).

Toda a actuação do enfermeiro deverá assim ter por base o respeito e a confiança procu- rando que a resposta encontrada para cada situação vá sempre ao encontro das necessi- dades e interesses de cada pessoa.

De salientar que o respeito perante cada pessoa manifesta-se pelas atitudes do enfermei- ro e pela forma como cuida dessa pessoa.

Segundo Chaliffour é o respeito caloroso que permite ao enfermeiro reconhecer a unici- dade da pessoa e o seu direito a pensar de modo diferente.

Desta forma, cabe ao enfermeiro, enquanto cuidador por excelência, e sempre que tal se justifique assumir a responsabilidade de defender o utente, o que para alguns autores toma a designação de “ser advogado do doente”, e que para Sellin (1995) é uma expres- são directa do cuidar.

O enfermeiro, ao advogar a favor do doente, assume a sua protecção e dos seus interes- ses, defendendo-o, protegendo a sua dignidade, privacidade, interesses e decisões. Para tal é essencial que na prática de enfermagem os valores humanos estejam presentes, como guia para as acções, reflexões, decisões e acções dos enfermeiros.

Se conceptualmente é a pessoa o alvo e objecto do sentido do cuidado de enfermagem, o que acontece é que existe uma divisão de trabalho baseada na perspectiva medicocêntri- ca da organização do mesmo, baseado em tarefas / actividades, que deverão ser realiza- das em cada turno de trabalho, emergindo dificuldades em clarificar o que é da pessoa e o que é do turno.

Este questionamento conduz-nos essencialmente aos métodos e instrumentos utilizados pela disciplina de enfermagem.

Nesta perspectiva, pensamos que a rotina que responde exclusivamente a cuidados par- celares (orientação para a tarefa) que se constituem numa padronização de cuidados e não dos procedimentos dos mesmos, não tem, na maioria das vezes influência no bem estar das pessoas.

Se a organização do trabalho se desenvolve em torno da tarefa, o enfermeiro mantém o papel técnico que lhe advém essencialmente da habilitação que lhe concede o poder para executar um conjunto de cuidados que decorrem da prescrição médica, continuan- do a depender, embora implicitamente, do papel moral em tudo o que foge a essas tare- fas.

O estatuto que este papel confere ao enfermeiro, torna-o de facto auxiliar do médico mesmo e, essencialmente nas expectativas do doente e / ou família, descaracterizando por completo a sua prestação de cuidados, baseada numa lógica de desenvolvimento de tarefas.

Desta apreciação emergem dois aspectos:

- no que concerne à organização funcional do trabalho, faz com que terminadas as tarefas, fique terminada a intervenção que tem como contexto o turno e não as pessoas;

- relacionado com este aspecto está associado a descaracterização do cuidado de

enfermagem, quando por exemplo não é valorizado pelos enfermeiros o tipo de

informação que se mobiliza para o doente e / ou familiares.

Se estudarmos a prática dos cuidados e procurarmos compreender o(s) sentido(s), con- tribuiremos para a clarificação dos conteúdos disciplinares da enfermagem e muito con- cretamente do cuidado de enfermagem.

Esta evidência investigativa é também corroborada por Rebelo, quando refere que “ a cada enfermeiro cabe realizar tarefas / rotinas que variam em função do turno de traba- lho, impedindo que o cliente de enfermagem assuma contornos que o definam como tal. De facto uma organização de trabalho deste tipo, não tem em conta a pessoa como fina- lidade do cuidado de enfermagem.

Refere ainda a mesma autora que “... para as enfermeiras, as práticas de cuidados assentam em conhecimentos de diferentes tipos, cuja mobilização e função parece estar fortemente condicionada, quer pelo nível de competência adquirida ( Benner, 1984 ), quer pelos contextos onde exercem.

Esta questão procuramos compreendê-la neste estudo, pela mobilização de análise rela- tiva aos diferentes contextos onde os sujeitos populacionais de investigação, pertencem ou foram produzidos.

Mas ao falarmos de competência, interessa reflectir um pouco sobre a complexidade e responsabilidade da prática de enfermagem actual, mobilizando para o efeito o Modelo de aquisição da perícia de Dreyfuss.

Este modelo oferece um instrumento útil para fazer essa diferenciação, que a este nível e quanto a nós se situa no âmbito da destreza enquanto instrumento básico, que tratare- mos a seguir.

Segundo Benner ( 1984 ) “...o modelo (...) considera incrementos na perícia do desem- penho baseada na experiência, bem como na educação...”.

Correntemente a linguagem utilizada para falar acerca da prática de enfermagem é de- masiado simples, formal e sem contexto para captar a essência e complexidade do perito em enfermagem.

Mas como conciliar esta questão na lógica da instrumentalidade que pretendemos clari- ficar na disciplina ?

“...os modelos formais reconhecem e captam áreas de desempenho típicas dos enfermei- ros principiantes, dos enfermeiros avançados ou dos principiantes competentes “ (Ben- ner, 1984), razão pela qual a estratégia pedagógica inerente a este modelo de análise das práticas, inclua o estudante como parte interessada no acompanhamento de enfermeiros dos diferentes níveis na prestação de cuidados.

Mas, continua a autora “...uma vez que os modelos formais se centram na estrutura ou no processo, os conteúdos e os aspectos relacionais da prática dos cuidados de enferma- gem, mesmo nos níveis iniciais, ficam por descrever”.

É neste sentido que para nós se tornou imprescindível a valorização da descrição, tam- bém dos conteúdos da prática, visto pelos estudantes através da identificação e valida- ção dos Instrumentos Básicos de Enfermagem.

E isto porque, para nós é importante que os estudantes, logo numa fase inicial aprendam através da experiência, mas em que esta “...para além da formação e preparação formal, é requerida para desenvolver a competência de estar e lidar com as situações complexas do cuidado, não unicamente através de conceitos ou teoremas”. (Ib. p. 10).

Neste modelo ( de perícia de Dreyfuss, relacionando com os níveis de competência ) a experiência não é a mera passagem do tempo ou a longevidade; é antes o refinamento de noções e teorias pré – concebidas ao encontrar muitas situações práticas reais, que acrescentam à teoria nuances ou sombreados de diferença “ ( Ib. p. 12).

Passamos em seguida, à caracterização teórica de cada um dos Instrumentos Básicos em Enfermagem em estudo, apresentando as principais características no quadro síntese.

Quadro 2 – Síntese dos diferentes instrumentos básicos em enfermagem por dimensão do processo de cuidados