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4. REALIZAÇÃO DA PRÁTICA PROFISSIONAL

4.3. A MINHA PRÁTICA DE ENSINO

4.3.5. Integração dos alunos dispensados da prática

No início do ano letivo, aquando da realização do teste da milha (bateria de testes Fit Escola), uma das minha alunas foi encaminhada para o hospital e, posteriormente, submetida a alguns exames médicos. Através destes exames, foi-lhe detetada arritmia cardíaca que se manifesta em batimentos cardíacos irregulares. A partir desse momento a sua participação nas aulas alterou-se, assim como os critérios de avaliação para lhe atribuir uma classificação. Na escola cooperante, a avaliação na disciplina de EF para alunos com restrições médicas tem as seguintes ponderações:

1. Competências de ação ou domínio psicomotor: 50% 2. Competências de atitudes ou domínio sócio-afetivo: 20% 3. Competências de conhecimento ou domínio cognitivo: 30%

Esta condição médica fez com que a aluna não voltasse a realizar a componente prática nas aulas de EF pelo que, desde cedo, esta começou a ser uma preocupação extra nas minhas aulas:

“É de salientar que a aluna, que adora as aulas de educação física e tem demonstrado até aqui um empenho e responsabilidade exemplares,

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encontra-se a realizar exames médicos devido a questões de saúde. Existia a possibilidade de colocar a aluna com tarefas de co-adjuvância na aula, realizando tarefas um pouco “ao sabor do andamento da aula”, mas por considerar o seu potencial, assim como todo o respeito que ela tem vindo a demonstrar não será esse o caso. Nas seguintes aulas a Maria terá um plano de aula específico e preparado para que, deste modo, possa estar a par do que acontece melhorando também no domínio dos conhecimentos e da terminologia específica.” - Reflexão das aulas nº 27 e 28 de futebol, 28 de outubro de 2018

Apesar de a PC sempre me ter alertado para a integração desta aluna e para o seu processo de avaliação, reconheço que foi pouco correto considerar o comportamento da aluna e o seu gosto pelas aulas de EF como origem das minhas preocupações. No entanto, este reforço foi positivo, pois fez com que eu olhasse a planificação das aulas de uma forma um pouco mais cuidada. Este ponto de reflexão e algumas estratégias adotadas, passam em grande parte pela análise das aulas das modalidades de natação e de futebol, sendo que nas restantes a aluna estava integrada num grupo de trabalho. Nestes grupos, a aluna sempre auxiliou o seu grupo no cumprimento dos objetivos da aula.

Este processo começou pelas aulas da modalidade de futebol, na qual o conhecimento da aluna era bastante reduzido, pelo que seria necessária a preparação de materiais específicos que auxiliassem a aluna a intervir junto dos colegas e a ter, de facto, um papel significativo nas aulas. Assim, construí uma grelha (anexo 5) onde constavam os exercícios da aula e os respetivos objetivos, deixando em aberto um espaço para registos ou apreciações que a aluna considerasse importantes. Optei por não lhe fornecer orientações acerca do preenchimento da grelha, deixando em aberto a metodologia que a aluna preferisse adotar e o tipo de registos que considerasse pertinentes:

“A Maria fez registos durante toda a aula, identificando autonomamente os exercícios que estavam a ser realizados e sendo capaz de referir aqueles que não foram. Para estes registos foi-lhe dada autonomia

máxima para interpretar e anotar o que achasse pertinente, e o resultado foi o seguinte (as anotações encontram-se em itálico):

A aluna optou por registar os objetivos cumpridos por cada elemento da equipa que observava. Esta foi uma ótima forma para eu perceber como é que os alunos processam aquilo que lhes é dado enquanto observadores, é óbvio que cada aluno terá uma maneira diferente de “se expressar”, mas isto permitiu-me perceber a forma como a Maria olha para o jogo e as potencialidades de uma observação orientada.” - Reflexão das aulas nº 31 e 32 de futebol, 22 de novembro de 2018

No 2º período, a integração desta aluna deixou de ser uma preocupação, passando a ser percecionada como uma rotina. O planeamento das UDs, assim como alguns critérios de avaliação começaram, progressivamente, a considerar esta aluna. A avaliação da modalidade de natação, no domínio das habilidades motoras, foi avaliada tendo em conta a realização das quatro técnicas e cada uma das técnicas tinha uma ponderação especifica. A aluna foi avaliada também em quatro competências, designadamente, ajuda e participação nos níveis de desempenho 1 e 2 (40%), ajuda e participação no nível de desempenho 3 (40%), desempenho e entusiasmo (15%) e, por fim, tarefas diferenciadas, como arrumação do material, responsabilidade e organização (15%). Neste sentido, desde o início

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da UD que lhe foram atribuídas funções de co-adjuvância organizadas e ponderadas de acordo com as necessidades da turma.

Durante as aulas de natação, a aluna tinha sempre na sua posse um plano de treino do nível para o qual a sua atenção deveria estar orientada. Optei por indicar à aluna que fornecesse feedbacks corretivos e motivacionais ao grupo de desempenho com mais dificuldades, tal como é expresso no seguinte excerto:

“Relativamente ao nível um, as suas grandes dificuldades são a resiliência e a resistência. Os alunos, pelo facto de não terem domínio da técnica, gastam demasiada energia nas ações motoras, entrando rapidamente em fadiga e estado de desmotivação. De forma a melhorar estas capacidades, atribuí a tarefa de “personal trainer” à Maria (...) Durante toda a aula, a Maria acompanhou o grupo fornecendo feedbacks de acordo com a sua ficha de treino. Esta ficha, presente no plano de aula, foi construída para lhe dar as informações necessárias acerca dos objetivos para aqueles alunos. O seu entendimento acerca da modalidade (se frequentasse as aulas em regime normal, estaria no nível 3), ajudou também nesta sua tarefa.” - Reflexão das aulas nº 49 e 50 de natação, 16 de janeiro de 2019

Porém, esta estratégia nem sempre repercutiu os resultados esperados. Percebi que as intervenções de colegas, mesmo que orientadas, poderão ser uma fonte de ruído e incómodo para os que estão a realizar os exercícios. Com efeito, o aluno dispensado poderá sentir-se desmotivado e frustrado e o aluno em prática, pressionado pela excessiva preocupação do colega dispensado. Esta ideia encontra reforço no seguinte excerto:

“O Pedro continua desmotivado e desinteressado e, apesar de a Maria se ter esforçado bastante, o seu empenho não melhorou. A Maria sentiu- se frustrada e veio falar-me acerca da situação do Pedro. Conversei um pouco com ela, aconselhando-a para que se focasse apenas em dois

conteúdos (...) e para que não insistisse demasiado (...) Recomendei-lhe que, em alguns casos, deixasse o Pedro errar e permitir que ele mesmo compreendesse o erro porque, caso contrário, estaria a gastar demasiada energia e as suas indicações tornar-se-iam apenas ruído para o Pedro. “– Reflexão das aulas nº 61 e 62 de natação, 6 de fevereiro de 2019

Na aula destinada à avaliação formativa desta modalidade, entendi que seria pertinente apelar à capacidade de reflexão desta aluna. Além de ter notado alguns picos de humor nas aulas, senti que a aluna precisava de ter uma referência intermédia, tal como os seus colegas. Foi neste momento que me consciencializei de que não estava a corresponder às suas necessidades, tal como é conveniente que o professor corresponda.

“Ao ler as suas notas, percebi que a Maria se sente desmotivada porque os colegas não atribuem importância ao que ela diz e não compreendem que, de facto, ela está ali para os ajudar. Atendendo a esta conclusão, irei indicar à Maria que intervenha num nível à sua escolha, onde ela se sinta confortável permitindo-lhe alguma autonomia.”- Reflexão semanal nº 21, 13 de fevereiro de 2019

Para alterar a minha intervenção com esta aluna, e de forma a que a mesma se sentisse mais motivada para as aulas, a reflexão após a ação foi fundamental para alterar a minha perceção e rapidamente ajustar o papel desta aluna nas aulas de EF, nomeadamente nas de natação. Foi neste momento que as opções repercutiram os efeitos para as quais se propunham:

“A intervenção da Maria foi focada no nível 2, por opção da aluna, tal como tinha sido proposto na reflexão anterior. No final da aula, tentei perceber o modo como se sentiu durante a aula conversando e questionando-a. A Maria afirma que sentiu que a sua presença não foi tão necessária, mas que, neste nível, os colegas a respeitam mais e

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atribuem importância às suas indicações. A sua presença neste nível é essencial, ao contrário do que a aluna afirmou, pelo que nas próximas sessões deverei transmitir-lhe as principais dificuldades deste nível para que ela se sinta mais capaz e desempenhe um papel mais ativo junto dos colegas.” – Reflexão semanal nº 22, 20 de fevereiro

Ainda no 2º período nas aulas da modalidade voleibol, a metodologia adotada foi a utilização da sebenta de voleibol em todas as aulas. Desde a aula de avaliação diagnóstica que a aluna reforçou as suas dificuldades nesta modalidade, pelo que a sua base de trabalho foi o manual construído pelo núcleo de estágio sobre a modalidade em questão. Durante as aulas a aluna interveio junto dos colegas com os quais se sentia mais confortável e que, efetivamente, correspondiam às suas boas intenções. Nesta modalidade a avaliação da componente das habilidades motoras era composta por três domínios para os alunos que frequentavam a disciplina sem restrições (técnica tática e aptidão física), pelo que a avaliação desta aluna foi também ela baseada em três domínios: qualidade da intervenção da aula, junto das equipas e colegas (35%), arbitragem (60%) e qualidade da intervenção na realização do treino funcional (5%).

Na fase final do ano, o 3º período, o tipo de avaliação que foi realizado nas modalidades de dança e de orientação, permitiu que este processo fosse mais claro tanto para a aluna como para mim. O facto de todas as tarefas terem sido avaliadas em grupos de trabalho e no final das UDs os alunos distribuírem as suas próprias classificações, ajudou bastante neste processo pelo que apenas tive de alterar a ponderação dessas mesmas classificações sobre a nota final da aluna.

Nas entrevistas que foram realizadas no âmbito do estudo de investigação-ação (UD de Ginástica Acrobática) a discente identificou o dossiê da modalidade como um excelente instrumento, que a ajudou a melhorar e orientar as suas intervenções. Percebeu ainda que, de facto, tinha um papel essencial na melhoria dos resultados finais dos seus colegas de grupo, tendo

em conta o privilégio de observar as figuras finais com um olhar orientado pelos critérios de avaliação.

Olhando para trás, sinto que fiz um bom trabalho com esta aluna e que levo na bagagem boas ferramentas e estratégias para integrar nas aulas de EF alunos com restrições médicas. Porém, identifico ainda alguns eixos de progresso reforçando aqui o modelo de Educação Desportiva, que me parece ser uma excelente abordagem a estes casos. Segundo Hastie (2012), um dos aspetos presentes na utilização do MED é a existência de diferentes papéis para os alunos presentes nas equipas, e esta não foi uma variante bem explorada durante este ano. A utilização deste modelo, no seu estado puro, em alguma das modalidades poderia ter repercutido excelentes resultados não só ao nível das competências desta aluna, como também, de alunos competências motoras mais reduzidas. Esta suposição encontra sustentação nas ideias de Penney e Clarke (2005), quando referem que o MED foi apresentado para trazer benefícios na relação entre todos, de forma a existirem práticas inclusivas, particularmente em relação ao género e ao desempenho motor.

Uma última hipótese poderia, sem dúvida, passar pela criação de um dossiê anual para este tipo de restrições médicas. Este dossiê poderia ser construído no início de cada UD e conforme as necessidades da turma e dos alunos dispensados.