Tomando como base as colaborações de Yanarico (2011), questionamo-nos: o desenvolvimento científico tecnológico é um processo que tem contribuído para a promoção do bem-estar social de todos os seres humanos ou beneficia determinados grupo sociais?
A visão positivista de ciência, a princípio, caracteriza-se por proporcionar ao homem um conhecimento objetivo e verdadeiro da realidade; orientada por valores epistémicos, é considerada uma atividade neutra, autônoma e imparcial (LACEY, 1998, apud YANARICO, 2011). A meta tradicional da ciência é a verdade através do método, a teoria científica verdadeira, onde a objetividade e o rigor seriam os atributos do conhecimento. Por outro lado, a função da tecnologia é realizar procedimentos e
produtos para consumo mercantil, onde o ideal é a utilidade, logo a inovação e o progresso através da eficácia. A palavra tecnociência, a grosso modo, significa um recurso de linguagem utilizado para nomear a íntima ligação entre ciência e tecnologia e a desconfiguração de seus limites (YANARICO, 2011).
O modelo linear de Bush (1945) representado no figura abaixo, emergente após a Segunda Grande Guerra, é um marco do papel da ciência e da tecnologia nesse combate mundial (YANARICO, 2011).
Fonte: YANARICO, A. A. Uma tecnociência para o bem estar social. Revista do Observatório do
Movimento pela Tecnologia Social da América Latina. v.1, n. 1, jun. 2011. Disponível em:< http://periodicos.unb.br/index.php/cts/article/view/5149/4334>. Acesso em: 18 de nov. de 2018.
Esse modelo linear, politicamente, e na vida real da população, privilegia alguns indivíduos e exclui outros. Sendo assim, existe a necessidade de mudar essa forma de representação da ciência e da tecnologia por outra mais inclusiva. Isso perpassa o entendimento de que essa atividade é um processo social com um significado diferente que promova justiça social e o bem-estar humano, com a participação da população, democraticamente, e a racionalização correspondente (YANARICO, 2011).
O programa de política tecnocientífica do modelo linear, através das suas decisões políticas mercantilistas afeta a democracia política participativa. O que os seres humanos são e serão é decidido pela forma de ferramentas, mais que pela ação dos homens de estado e dos movimentos políticos. A exclusão da grande maioria da população na participação em decisões resulta em inúmeros problemas (YANARICO, 2011).
Diante desses problemas, surgem diversos questionamentos: o que fazer para superar esses problemas? Como libertar a população das decisões políticas erradas? Como produzir um bem-estar social? Como elaborar uma agenda tecnocientífica que produza benefícios sociais?
A partir desses questionamentos, Yanarico (2011) segure que o ponto de partida para buscarmos alternativas seja o seguinte: repensar o entendimento científico dos problemas; entender quais as práticas científicas são plurais; a atividade científica deve
84 ser desenvolvida com base em estratégias ou estilo de cada sociedade; a análise e a avaliação das teorias científicas devem ser feitas considerando aspectos cognitivos e não cognitivos e não somente por regras de algoritmos; uma meta fundamental da ciência é a produção de bem-estar humano; a ciência deve ser entendida como atividade que envolve valores epistêmicos e práticos (YANARICO, 2011).
A questão principal seria: como discutir o bem-estar social problematizando o mito de desenvolvimento científico e tecnológico para a promoção do bem-estar social? Ao pensar nessa questão surgiram várias dúvidas, entre elas se realmente seria possível planejar uma sequência de atividades com base em um recorte do tema gerador que favorecesse essa discussão.
A partir do entendimento que a elaboração da política tecnocientífica deve tomar em conta: a abertura da tomada de decisões em políticas de ciência e tecnologia com diversos modelos; promoção do impulso de políticas de educação e cultura científica que incluam a conscientização da carga valorativa, ética e política na prática tecnográfica e a busca por reorientação das políticas públicas de ciência e tecnologia a problemas sociais mais urgentes ou espações mais desatendidos (YANARICO, 2011).
No entanto, apesar de vivermos um pleno desenvolvimento tecnológico com a síntese e produção de materiais modernos, ainda temos uma divergência muito grande entre as necessidades de todos os seres humanos e os objetivos de produção de tecnologias.
Pensemos no surgimento do movimento CTS, a intensa preocupação com as consequências da utilização de procedimentos e teorias científicas para o desenvolvimento tecnológico sem conhecermos suas consequências. Como chegamos até aqui frente a todo desenvolvimento? Existem questões que nos veem a mente quando pensamos na ciência como capaz de promover bem-estar social?
A figura 4 ilustra como procedemos para o recorte programático a partir do tema gerador. Ao escrever o tema Bem-estar Social consideramos todos os possíveis conceitos, a partir da definição de Bem-Estar Social, que surgiam. Consideramos durante o recorte que o problema do transporte público no bairro é recorrente na fala dos/as moradores/as e alunos/as, mas não é o único.
Fonte: elaboração conjunta com a Profa. Orientadora Dr. Carla Giovana Cabral.
Como mencionamos anteriormente, a análise das situações no âmbito da comunidade e no âmbito da escola nos levou à conclusão de que o tema gerador deve perpassar as problematizações a partir do bem-estar social. Nesse sentido, é importante saber qual aspecto do tema gerador iremos problematizar no recorte programático.
A escolha do tema gerador surgiu da necessidade de abordamos um tema que contemplasse todas as angústias, anseios, esperanças, objetivos e expectativas presentes da fala dos/as alunos/as e moradores/as. Além da abordagem conceitual ou da determinação de tema para estruturar o currículo, queremos que, através da concepção de educação freireana e as inter-relações CTS, seja possível questionar as relações entre o desenvolvimento científico tecnológico e o quanto esse desenvolvimento deve satisfazer as necessidades de todos os seres humanos, não apenas determinados grupos sociais.
86 A análise dos dados obtidos durante a investigação temática nos levou a conclusão de que as situações-problemas no âmbito da comunidade estão presentes, pela fala dos/as moradores/as e dos/as alunos/as, no lazer, na violência urbana e doméstica, na educação, no transporte urbano e na infraestrutura do bairro, enchentes e saneamento básico. Esses aspectos foram reincidentes nas falas de moradores/as e estudantes.
Após a redução temática, tomar as decisões sobre qual recorte faríamos para estruturar o produto educacional foi a etapa mais complexa. São papéis, muitos papéis sobre a mesa, o livro “Ensino de Ciências: fundamentos e métodos”, de Delizoicov, Angotti e Pernambuco; são páginas e páginas de materiais online; são conversas online com meu amigo Lutemberg e a professora Carla Giovana; livros de Química abertos: estamos tentando relacionar o tema gerador com a disciplina Química. Agora eu entendo os relatos sobre a experiência na implementação do Projeto Interdisciplinar Via Tema Gerador em São Paulo... A tarefa não é fácil porque envolve escolhas, escolher quais os conceitos e qual o recorte programático do tema gerador que faremos. Precisamos fazer um recorte, mas um recorte que nos ajude a entender o real motivo para os problemas expostos pela comunidade escolar. Utilizo como guia para a elaboração da sequência de atividade do produto educacional o Capítulo II do livro “Ensino de Ciências: fundamentos e métodos”, as sínteses das construções programáticas dos temas. A reestruturação curricular será feita através do Tópico Programático “Por que o sistema de transporte público de Natal não contribui para o bem-estar social da população?”
Trazemos como proposta de produto educacional uma sequência de atividades para problematizar o mito da ciência e da tecnologia como responsáveis pela promoção do bem-estar social com o modelo de desenvolvimento linear, a partir do qual quanto maior o investimento em ciência e tecnologia, maior será o desenvolvimento tecnológico, o desenvolvimento econômico e, consequentemente, o bem-estar social. Bem-estar social para quem?
O produto educacional teve como objetivo geral promover uma contextualização do ensino do conteúdo reações de combustão para a 3ª série do EM, por meio da problematização das inter-relações ciência, tecnologia e sociedade, na perspectiva da sustentabilidade, com o tema gerador bem-estar social, em uma sequência de atividades baseada nos três momentos pedagógicos.