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Interação metáfora-metonímia nos (eixos verticais e horizontais dos) frames

5. DISCUSSÃO: ONDE MORAM AS METÁFORAS?

5.3. A metáfora nos eixos vertical e horizontal dos frames

5.3.1. Interação metáfora-metonímia nos (eixos verticais e horizontais dos) frames

Vimos que no eixo vertical dos frames predominam as conceitualizações vinculadas à noção de objeto; no eixo horizontal, aquelas vinculadas à noção de movimento. O que propomos agora é uma discussão sobre a interação dos dois eixos do frame. Nisso, consideramos que a proposta de frame de Barsalou (1992b) oferece outra contribuição ao estudo da metáfora: a interação dos eixos vertical e horizontal lança luz sobre a interação metáfora-metonímia.

A interação metáfora-metonímia tem sido bastante discutida por pesquisadores da linguística cognitiva; vários exemplos de pesquisas nesse sentido se reúnem em Dirven e Pörings (2002). Apesar de essa questão ter sido consideravelmente contemplada, o caminho teórico-metodológico adotado nessa pesquisa aponta para novas perspectivas de análise da interação entre os dois fenômenos linguístico-cognitivos. Barsalou (1992b), em seu modelo teórico de frames, não trata de metáforas nem de metonímias como fenômenos cognitivos (e menos ainda linguísticos); o autor também não faz referências explícitas em termos de eixo

vertical ou eixo horizontal dos frames, como fazemos em nossa discussão. Contudo, entendemos que a teoria de frames por ele proposta possibilita não apenas o tratamento dessas questões, mas tem o potencial de lançar luz sobre a relação entre a metáfora e a metonímia nos frames.

A noção que utilizamos aqui em termos de eixo vertical do frame deriva de modo praticamente automático da relação recursiva entre atributos e valores nos frames. Por sua vez, a ideia do eixo horizontal surge da relação entre atributos, que em Barsalou (1992b) se incorpora no componente do frame que o autor denominou estrutura invariante. A metonímia estaria mais relacionada ao eixo vertical; a metáfora, ao eixo horizontal. Prossigamos no desenvolvimento desse raciocínio.

A metonímia, como costumeiramente se coloca, consiste na relação entre entidades pertencentes ao mesmo domínio conceitual. Suas instâncias se circunscrevem basicamente a três casos: o todo pela parte; a parte pelo todo; e a parte pela parte (IBÁÑEZ; VELASCO, 2002; BARCELONA, 2002; LAKOFF, 1987). As três possibilidades de manifestações metonímicas nos permitem afirmar que a metonímia se realiza principalmente no eixo vertical do frame. Na relação atributo-valor, da dimensão vertical, evidenciam-se os casos de todo pela parte e parte pelo todo. Na estrutura do frame, o atributo representa prontamente o todo52 e o valor representa a parte – ou, se consideramos elementos de

natureza conceitual mais geral, podemos afirmar que o frame representa o todo e a parte estaria nos atributos. Desse modo, o todo pela parte, no frame, é uma referência ao valor a partir do atributo (ou do atributo em referência ao frame); na ordem inversa, a parte pelo todo é uma referência ao atributo a partir do valor. Cabe aqui a observação de que a realização da metonímia não se dá necessariamente na relação imediata entre atributos e valores; ela pode ocorrer entre componentes (atributos e valores) mais remotos na cadeia recursiva do eixo vertical do frame.

Mesmo no caso da relação parte pela parte – em que as partes estruturantes da metonímia estariam supostamente coordenadas, portanto orientadas horizontalmente – os conceitos instanciadores das partes atuam na composição de uma categoria comum, mais geral e localizada em nível superior do frame; são elementos coordenados mas que atuam na construção de uma estrutura conceitual superior. Desse modo, os conceitos estruturantes da

52 Esta afirmação é válida neste contexto específico, em que discutimos a relação atributo-valor; obviamente o

metonímia parte pela parte elaboram um conceito mais geral comum no eixo vertical do frame. Essa relação (parte pela parte) parece o ponto em que a metonímia pode fugir de sua realização prototípica e pode mesmo se confundir com um mapeamento metafórico, o que depende do julgamento de as partes estarem realmente cooperando para a constituição de uma mesma entidade superior. Não havendo equívoco nessas constatações, pode-se afirmar que a metonímia teria no eixo vertical dos frames o seu espaço natural de formação.

Para fundamentar essa linha de argumentação, podemos recorrer ao exemplo “a escola é realmente muito fraca” (EA2, linha 23).

O polo semântico simbolizado por “escola” denuncia a existência de uma metonímia nesse contexto. Evidentemente, a informante não está fazendo uma referência irrestrita à escola, mas a aspectos de suas experiências nela, relacionadas ao ensino da língua na instituição. Infere-se que o alvo da metáfora realizada por “fraca”, consiste, via metonímia, no ensino, não na escola como um todo. Escola é um conceito extremamente amplo, que envolveria até mesmo a estrutura física do estabelecimento de ensino. As noções de ensino e de escola podem se posicionar numa distribuição verticalizada no frame por apresentarem níveis diferentes de especificidades. Podemos compreender o ensino como um evento específico realizado na escola. De modo que partimos de uma noção de significado mais abrangente – a de escola – para chegarmos a uma noção mais específica – a de ensino. Uma metonímia estruturada a partir de uma noção geral, a noção de escola, utilizada para acessar um conceito mais específico, o ensino – o todo pela parte. Nesse caso, o movimento conceitual metonímico no frame se dá numa orientação verticalizada, de cima para baixo, ou seja, do conceito mais abrangente, para o mais específico. A metáfora apenas se realizará por intermédio do conceito fraco. Esse, sim, pertencente a outro frame conceitual, o de estrutura física. O exemplo linguístico acima – “a escola é realmente muito fraca” – demonstra a interação entre metáfora e metonímia prontamente representável no modelo de frame utilizado nesse estudo. A figura abaixo ilustra a interação metáfora-metonímia identificada na expressão “escola fraca”, do excerto EA1, linha 23.

Figura 24 – Interação metáfora-metonímia, baseada no exemplo “a escola é realmente muito fraca”

Fonte: elaborada pelo autor.

A relação metafórica se dá entre elementos coordenados, e a projeção do mapeamento ocorre no eixo horizontal dos frames. A afirmação de que a metáfora ocorre no eixo horizontal do frame parece entrar em conflito com a discussão acima, onde defendemos que a metáfora se apresenta tanto na relação atributo-valor (eixo vertical) – na construção das categorias entidades, como na relação entre atributos por intermédio da estrutura invariante (eixo horizontal) – na construção dos categorias relacionais. O conflito não existe, e ocorreria apenas se ignorássemos a distinção da metáfora enquanto processo e da metáfora enquanto produto desse processo.

Um conceito construído metaforicamente, ou seja, o produto de um mapeamento metafórico, pode se colocar como elemento categorizante tanto no eixo vertical como no eixo horizontal do frame, o que já se demonstrou com exemplos acima. Por outro lado, o mapeamento enquanto processo metafórico ocorre somente na dimensão horizontal dos frames. Em “escola fraca”, por exemplo, fraca categoriza escola e se coloca no eixo vertical, subordinando-se conceitualmente a escola; contudo, o conceito fraco tem sua origem em outro frame – o de objeto físico – e alcança (ou mapeia) o frame de aprendizagem via projeção metafórica: um caso de metáfora prototípica, onde não há dúvida de que seus componentes pertencem naturalmente a frames distintos. Como já assinalamos, há os casos de metonímias do tipo parte pela parte que podem se confundir, ou mesmo serem, contestavelmente, consideradas metáforas, uma vez que a identificação de suas partes como pertencentes a frames distintos nem sempre é ponto pacífico.

Reforcemos a argumentação com mais um exemplo. Dessa vez, da fala de Darien, da transcrição EA1, linha 19. O participante declarou o seguinte:

“Eu pelo menos tive... comecei a ter inglês no colégio na terceira série.”

Como no exemplo anterior, (de EA1, linha 23, sobre a “escola fraca”), a metáfora que examinamos agora se realiza interagindo com uma metonímia. Mas há uma diferença: no exemplo anterior, a metáfora se construiu na relação atributo-valor, no eixo vertical do frame; agora, a metáfora se dará na estrutura invariante, ou seja, no eixo horizontal – a dimensão do frame onde a conceitualização pode irradiar sobre vários atributos do frame de aprendizagem. Tratemos primeiro da questão da metáfora no eixo horizontal; em seguida, da interação metáfora-metonímia nesse exemplo.

Em “comecei a ter inglês no colégio”, a metáfora se realiza linguisticamente através do verbo “ter”. O significado de “ter”, como discutido em outros exemplos, associa-se à ideia de posse, e relaciona duas entidades físicas: um ser possuidor e um objeto possuído. A noção simbolizada por esse verbo constitui-se numa categoria relacional, ou seja, estabelece relação entre duas ou mais categorias. A ideia do verbo “ter” não fica restrito ao seu sujeito. O verbo simboliza a noção de posse, o que envolve um sujeito – possuidor, e um objeto – possuído; no frame sob análise, o sujeito e o objeto da posse são, respectivamente, o aprendiz e o inglês, dois atributos do frame de aprendizagem. Desse modo, na condição de verbo relacional instanciador da metáfora, o verbo (ter) produzirá efeitos metafóricos em todos os elementos com os quais estabelece relação. É exatamente o que acontece: em “comecei a ter inglês”, o verbo “ter” conceitualiza metaforicamente o inglês com um objeto de posse e o aprendiz como um possuidor desse objeto; se o objeto possuído é metafórico, compreendemos que o possuidor também o é. A seguir, discutiremos o aspecto metonímico, que interage com a metáfora. Na sequência, apresentamos uma figura ilustrando os dois fenômenos discutidos.

Nessa discussão, argumentamos que o verbo “ter” metaforiza a noção simbolizada por “inglês”. Se o aprendiz “começou a ter inglês”, metaforicamente inglês seria um objeto de posse. Um olhar mais atento, contudo, revelará que “inglês” não representa, com precisão, a noção conceitualizada metaforicamente. A que o participante se refere ao dizer que começou a “ter inglês no colégio na terceira série”? A referência se faz às aulas de inglês. O uso da metonímia se mostra evidente: o participante se referiu à disciplina pela aula. Pode-se entender essa relação metonímica como a parte pelo todo. No frame de aula, a disciplina é um dos atributos, juntamente com aprendiz e professor. A aula é o evento que reúne todos

esses elementos. Isso nos leva à conclusão de que a metáfora conceitualiza a aula com um objeto de posse do aprendiz, não o (conhecimento do) inglês (conceitualização identificada em outros exemplos dos dados). Esse é mais um exemplo de interação entre metáfora e metonímia ocorrida no frame de aprendizagem de ILE: o mapeamento metafórico se projeta no alvo não de forma direta, mas mediado por uma estrutura metonímica, como ilustra a figura abaixo.

Figura 25 – Mapeamento metafórico no eixo horizontal do frame interagindo com estrutura metonímica, baseado no exemplo “comecei a ter inglês no colégio na terceira série.”

Fonte: elaborada pelo autor.

Em síntese, a Figura 25 ilustra a interação metáfora-metonímia no frame de aprendizagem, conforme identificado no exemplo EA1, linha 19. A metáfora, no eixo horizontal, se constrói pela noção de posse, simbolizado pelo verbo “ter”; o conceito de ter exerce a função de estrutura invariante no frame, estabelecendo relação entre dois atributos, o aprendiz e a aula – o primeiro é conceitualizado (por ter) como possuidor, o segundo, como possuído. A metonímia, no eixo vertical, realiza-se porque a conceitualização instanciada por “ter” não mapeia aula diretamente. Em sua fala, o participante se refere a “inglês”, ou seja,

inglês pela aula (de inglês). Essa metonímia pode ser compreendida como instância da estrutura todo pela parte, o evento (aula) pelo objeto do evento (inglês).

Sobre a metáfora, cabe mais uma observação. Por se realizar através da estrutura invariante, o movimento conceitual se dá no eixo horizontal duplamente: primeiro porque o conceito representado pelo verbo “ter” se origina em outro frame, o de POSSE; segundo porque, ao se projetar no frame de aprendizagem, o conceito de posse (realizado por “ter”) mapeia concomitantemente dois atributos paralelos do frame alvo, aprendiz e aula. Em síntese, o mapeamento metafórico se projeta no eixo horizontal de uma fonte externa (o frame fonte) e irradia internamente no frame alvo também na dimensão horizontal, conceitualizando dois atributos do frame.

Na seção anterior argumentamos que as categorias entidades e categorias relacionais se vinculam, respectivamente, ao eixo vertical e horizontal dos frames. Quanto às metáforas e às metonímias faz-se necessário uma observação. Não parece contestável a afirmação de que a metonímia se realiza no eixo vertical do frame. Sobre a metáfora, contudo, a relação entre os conceitos se dá no eixo horizontal, mas entre frames distintos, o que talvez torne o termo dimensão horizontal mais adequada do que eixo horizontal.

Por fim, reforçamos a ideia de que as metáforas instanciadas na linguagem nem sempre se farão diretamente entre os conceitos do mapeamento metafórico. Na interação linguística, a metonímia é um fenômeno ubíquo (LITTLEMORE, 2015), de forma a se interpor com frequência nos mapeamentos metafóricos, como ilustra a Figura 24 acima. Defendemos que o modelo de frame de Barsalou (1992b) – compreendido como uma estrutura recursiva de atributos-valores e estruturas invariantes – apresenta-se como uma ferramenta teórico-metodológica adequada para explicitação das relações conceituais metafóricas e metonímicas.