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3. APLICANDO A INTERFACE PARA ANÁLISE DOS DADOS

3.1. Metodologia

3.1.3. Procedimentos para a identificação dos frames construídos no discurso

Apresentamos agora como procedemos para identificar os elementos dos frames a partir do corpus da pesquisa. Essa etapa foi de extrema importância para a análise pelo seguinte: primeiro, a identificação dos frames nos deu uma visão de como os participantes compreendem aspectos de suas experiências de aprendizagem da língua; segundo, essa compreensão foi o ponto de partida para chegarmos às metáforas utilizadas pelos informantes, afinal, os frames e as metáforas mantêm uma relação de via dupla: as metáforas surgem a partir de mapeamentos entre frames; ao mesmo tempo, os conceitos metafóricos construídos por esses mapeamentos integram os frames, que também trazem conceitos metafóricos em suas constituições. Os frames são compostos não apenas de conceitos não metafóricos, mas também de conceitos metafóricos. Os elementos do corpus que nos interessa nesta pesquisa são aqueles que estruturam os frames relacionados a aprendizagem de ILE. Portanto, nosso foco repousa sobre as estruturas linguísticas associadas aos conceitos de aprendizagem de língua inglesa.

Para a identificação das metáforas no material linguístico, elegemos como unidade de análise as estruturas simbólicas como explanamos na seção 2.5. Tal escolha contrasta com os estudos sobre metáforas, em que os pesquisadores geralmente consideram como unidades de análise as unidades lexicais ou expressões dicionarizadas (CAMERON, 2010; STEEN, 2010; PRAGGLEJAZ, 2007) . Reforçamos a justificativa de nossa opção por considerarmos mais adequada aos objetivos deste trabalho, pelos motivos já expostos na seção anterior. O principal desses motivos é a flexibilidade que as estruturas simbólicas proporcionam para que o analista foque na estrutura que atende às idiossincrasias de sua pesquisa. Como expusemos acima, a extensão da estrutura simbólica a ser analisada pode ser tão pequena quanto a de um morfema ou tão ampla quanto a de um discurso inteiro. Cabe ao pesquisador definir a extensão do segmento linguístico que simboliza a unidade conceitual que interessa à sua análise. As estruturas simbólicas contribuem com o rigor metodológico, uma vez que permitem ao pesquisador definir a extensão da estrutura linguística pertinente aos objetivos de sua pesquisa.

Os procedimentos buscaram identificar os conceitos que estruturam os frames, classificando-os como atributos e valores, bem como definindo sua relação com os demais componentes dos frames. Consideramos também os conceitos metafóricos, ou seja, aqueles que estruturam o frame de aprendizagem, mas tem sua origem em outro frame. O processo se fez a partir dos dados linguísticos, ou seja, das estruturas simbólicas. Detalhamos, a seguir, os procedimentos metodológicos adotados.

I. Identificamos as estruturas simbólicas relacionadas aos atributos do frame APRENDIZAGEM DE ILE (o frame conceitualizado). São estruturas linguísticas relacionadas ao frame de APRENDIZAGEM DE ILE como “professor”, “estudar”, “falar”, “aprender”, “ouvir música”, “assistir a filmes”, dentre outras. Esses elementos nem sempre estão explícitos nos dados: podem se associar a elementos dêiticos, pronomes, elipses, ou outras formas de inferências construídas discursivamente. Foram explicitados na análise sempre que suas identificações se mostraram inequívocas pelo contexto e úteis às discussões.

II. O segundo passo consistiu em identificar as estruturas simbólicas representantes dos valores dos atributos, ou seja, os conceitos caracterizadores dos (e subordinados aos) atributos do frame identificados na etapa anterior. A

extensão da unidade analítica, que representa o valor linguisticamente, é todo o agrupamento simbólico (symbolic assembly) cujo polo semântico represente uma unidade conceitual do frame sob estudo. Somente considerando os agrupamentos simbólicos em sua totalidade, chegamos a conceitualizações mais refinadas sobre a aprendizagem de ILE.

III. O terceiro passo consistiu em alocar os componentes dos frames em seus respectivos atributos (ou subframes). À proporção que identificávamos os conceitos dos frames, os dados apontavam para a necessidade de os agruparmos em atributos mais abrangentes. Definimos esses atributos em três categorias, gerais o suficiente para abrigar os conceitos revelados nos dados. Os subframes, ou atributos do frame objeto desse estudo (APRENDIZAGEM DE ILE) foram ATOS DE ENSINO, ATOS DE APRENDIZAGEM e RESULTADOS.

Para a identificação dos elementos metafóricos do frame – realizada na segunda etapa descrita acima –, o procedimento consistiu na análise das relações internas entre os componentes das estruturas simbólicas. Vimos em Langacker (2008, p. 170) que a relação entre o esquema construcional e os elementos que o instanciam pode ser de elaboração ou de extensão. No primeiro caso, os elementos se conformam ao esquema; no segundo, há conflito entre eles. A partir do esquema construcional inerente a cada construção simbólica, verificamos se os componentes se conformam ao esquema. Quando havia conflito na relação semântica dos componentes que realizavam o esquema construcional, consideramos a construção como candidata a metáfora. A confirmação se fez a partir das relações paradigmáticas verificáveis no esquema.

Pela perspectiva da teoria de frames, conforme discutimos acima, a metáfora se realizará caso um componente do esquema construcional seja representado por um elemento conceitual (atributo/valor) de outro frame. Ilustremos com um exemplo acessado no google28.

“Eu quase ‘perdi’ meu inglês, e isso teria acontecido se eu não tivesse voltado para o Canadá durante 2 meses.” (grifo nosso)

Para fins de ilustração, interessa-nos o agrupamento simbólico “perdi meu inglês”. Subjaz a essa estrutura simbólica um esquema construcional que poderia ser realizado por outras

28 Frase extraída de https://englishnowted.com/2015/04/16/o-que-e-mais-importante-falar-compreender-ingles/.

unidades linguísticas. Só para citar algumas possibilidades seria possível: ao invés de “perdi” (meu inglês), poderíamos ter “esqueci” (meu inglês), “desaprendi” (meu inglês), dentre outros. Do mesmo modo, complementando o “perdi”, ao invés de “meu inglês”, o esquema poderia se realizar com (perdi) “meu francês”. Ao flexibilizarmos o esquema construcional para contextos diversos daquele do exemplo, essas possibilidades se multiplicam. O esquema construcional poderia se instanciar por “perdi meu dinheiro”, “perdi meu livro”, “perdi minha chave”, dentre muitos outros.

No momento em que se escolhe um dos componentes do esquema construcional para formar a estrutura simbólica, as possibilidades para os demais componentes se restringem. Quando, por exemplo, optamos pelo verbo “perdi”, o que vem a seguir será naturalmente uma estrutura cujo polo semântico se relacione a ideia de objeto, pois a noção de perder geralmente se associa a de objetos físicos (perdi meu relógio, perdi minha carteira, perdi uma caneta, perdi meus óculos, dentre outros). No caso de “perdi meu inglês”, o esquema construcional não se realiza por elaboração (LANGACKER, 2008), mas por extensão, no caso uma extensão metafórica, pois “meu inglês” não simboliza literalmente a noção de objeto físico (ver seção 2.5). Considerando o frame para aprendizagem de língua, essa exemplificação baseada em “perdi meu inglês”, apontaria para inglês como um atributo (da aprendizagem), e objeto como valor do atributo, um valor metafórico. A depender da composição da estrutura simbólica considerada, podemos chegar a duas metáforas: INGLÊS É OBJETO FÍSICO, evidenciado por “perdi”, e INGLÊS É UM BEM QUE SE POSSUI, evidenciado por “meu”.

Para aprofundarmos as discussões das análises – uma demanda relacionada ao objetivo principal desta pesquisa (p. 13)29 – utilizamos exemplos extraídos de pesquisa no

google e no webcorp, uma ferramenta de linguística de corpus disponível online (webcorp.co.uk). São dados complementares, cuja análise visa corroborar os argumentos desenvolvidos a partir dos dados dos grupos focais.

29O objetivo deste trabalho foi registrado textualmente da seguinte forma: verificar a viabilidade da interface

teórico-metodológica do modelo de frame de Barsalou (1992b) com a teoria da metáfora lakoffiana (LAKOFF; JOHNSON, 1980, 1999).