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4 METODO E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

5.5 INTERPRETAÇÃO DAS RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS

5.5.2 Interações

5.5.2.6 Interações de área 6 – Interações entre Indústria e Universidade

Esta interação é a mais fraca da produção do setor audiovisual. A maioria dos entrevistados criticou a falta de interação entre estas esferas. Uma análise comparativa da teoria da Hélice Tripla evidencia que esta relação é característica do modelo laissez-faire, onde a esfera da universidade está separada e interagindo de forma modesta conforme visto na Figura 8. Apesar disso, foram identificadas as seguintes interações: palestras tanto de profissionais como de professores, aulas e participação em banca por professores e profissionais de mercado, avaliação dos trabalhos dos alunos por profissionais do mercado, troca e captação de profissionais e estagiários, divulgação de eventos, produção de conteúdo e livros publicados por pesquisadores sobre o Núcleo de Especiais da RBS TV.

Segundo o entrevistado H, a interação acontece através de iniciativas pessoais, como, por exemplo, palestras nas universidades oferecidas pelos gerentes de produção das TVs ou a

produção de conhecimento através dos livros. Mas é uma interação pontual e raramente sistemática.

O entrevistado J, produtor, cita que pouco se relaciona com as universidades, pois suas interações acontecem com maior frequência entre as empresas da própria esfera e com o Governo através de financiamentos.

Não há, por exemplo, interação de universidades com produtoras. Isso eu nunca vi, sabe, nunca vi. Vi, claro, professor da PUC tem uma produtora, sabe, leva os alunos conhecer, ou então, esse aluno é legal, convida ele pra fazer um estágio na empresa, mas nunca vi assim, uma interatividade entre a academia e as produtoras independentes. Nem nos próprios canais de TV universitários. Nunca vi também. São fechados. Não vejo uma forma como isso possa ocorrer. O mercado em si é hermético hoje.

As causas para esta separação ou falta de afinidade entre a Indústria e a Universidade, segundo o entrevistado, é o modelo de negócios diferente entre as duas esferas, pois cada uma delas está mais preocupada em sobreviver do que buscar novas formas de interação.

Acontece que os interesses comerciais que eu preciso ter pra viabilizar este programa são conflitantes muitas vezes com os interesses comerciais que a TV da universidade tem pra exibir este programa. Então essa aproximação é difícil. É extremamente difícil. Eles têm custos e vão dizer: ok, eu preciso pra exibir este teu programa [...] que tu me pague 10 mil reais por mês, por edição do programa, [...]. E ao mesmo tempo vou dizer: não, peraí, eu vou tá dando programação pra tua TV e eu preciso pra produzir este programa uns 20 mil reais [...]. Quem é que vai dividir esta conta, quem é que vai...? Então, peraí, deixa que eu fico na minha aqui, fazendo os meus trabalhos, a TV da universidade fica lá na deles fazendo o trabalho deles e acabou. Acabou a relação, entendeu? Então essas coisas que são complicadas. Não vejo isso de forma muito natural.

O entrevistado I ainda cita outro problema pertinente ao sistema de inovação: a relação com o empreendedorismo da Universidade. Segundo ele, a Universidade precisa assumir um novo papel neste setor e cita:

[...] tem um problema que é a falta do elemento empreendedorismo aqui dentro, a Universidade sendo uma indutora da formação profissional do novo produtor de audiovisual ou então a falta de oferta de curso de gestores culturais [...]. É o cara que conecta a arte ao público. O gestor cultural é uma das formas de tu pensar o empreendedorismo pro setor cultural de artes como um todo. Mas eu já escutei vários relatos de gente falando assim, que na Universidade ainda ensina-se cinema simplesmente arte, sem tu pensar que existe um outro lado por trás disso, que existe uma outra opção por trás disso. É uma questão de opção. É que quando tu enxerga empreendedorismo, tu tem que pensar em cadeia inteira, não pode pensar em um só elo.

O entrevistado J também reforça essa carência na formação e na qualidade da Universidade em relação à preparação da mão-de-obra.

E a grande dificuldade é que as possibilidades de formação continuam tão difíceis quanto eram há 20 anos atrás quando entrei na faculdade. Apesar de tu ter a Ulbra, a UNISINOS com cursos voltados pra produção audiovisual, são cursos extremamente teóricos, introdutórios, que tu não tira profissionais qualificados pra entrar no mercado de trabalho. Profissional qualificado tem que se qualificar. Ou autodidata ou trabalhando mesmo como aprendiz em birô ou com outro profissional da área até ir ganhando experiência e vivência na área passando aí a, quem sabe, criar sua própria estética e virar mais um fornecedor no mercado. Mas é completamente autodidata.

Além da falta do caráter empreendedor, o entrevistado I comenta sobre a falta de mão- de-obra com capacidade técnica para trabalhar na produção. Segundo o entrevistado:

[...] não tem noção a dificuldade que é achar um eletricista altamente qualificado que fale inglês. Tu não acha. Tem cinco no Brasil. E ele tava falando sério. E disse o nome dos cinco. Então, cadê a nossa formação técnica?

A carência é confirmada por outros entrevistados. O entrevistado J afirma: “Tenho bastante dificuldade de contratar profissionais da área técnica, mão-de-obra. Muito raro encontrar profissionais aqui. A gente tem aqui uma filosofia que é a seguinte: formação. A gente acaba pegando gente jovem e formando, criando aqui dentro”.

O entrevistado G comenta que a Universidade oferece dois tipos de recursos às outras duas esferas: uma concreta, relacionada à mão-de-obra especificamente e outra imaterial, referindo-se às competências proporcionadas pelo ensino. Assim, o entrevistado cita:

[...] acho que ela gera uma interferência nas outras esferas que não é só concreta, mas também imaterial na medida que novas práticas, novos processos, novos entendimentos vão aparecendo aqui, e aí vai mudando o todo por essa questão subjetiva. Enfim, acho que várias dessas universidades fazem uma interação concreta que é assim, chamar o profissional pra vir aqui dentro, ou ser professor, ou dar uma palestra, ou participar de uma banca, ou ver o trabalho dos alunos.

O entrevistado H cita uma falta de interação maior com a Universidade em função de modelos de negócios diferenciados entre as duas esferas e de alguns problemas de relacionamento entre os profissionais. Segundo ele, há uma “concorrência cognitiva”, ou seja, uma espécie de aversão da Universidade em relação às emissoras de televisão. O entrevistado H, diretor de produção de TV, cita:

Os professores, por exemplo, a gente cansa de dizer pras pessoas virem aqui, participar de coisas. A gente já tentou fazer um programa na TV [...], que mostrasse assim que as pessoas que vissem todos os curtas produzidos nas universidades, eu dou carta branca pra todo mundo, [...] nada acontece. Já fui em todas as universidades, nada acontece.

É importante destacar que o espaço está aberto pela TV, conforme o entrevistado H sugere, porém subaproveitado. Ele destaca que poderia ser uma ótima oportunidade para a promoção do audiovisual gaúcho, além de um estímulo à produção e uma excelente vitrine para os cursos destas universidades.

[...] a gente compra curtas de mercado. Então, uma das coisas que a gente tem é exibição especial, se eu achar bacana um curta lá em Gramado, eu vou lá e compro aquele curta e ponho no ar. Pra mim ele pode ser da PUC, da Ulbra, da UNISINOS, da UCS, de Pelotas. Assim, se ele tiver as características que é classificação etária livre, audiência, se ele tiver potencial de audiência, se ele tiver qualidade técnica boa, ele vai passar na [...] TV.

Neste caso, o problema reside na construção do produto, fato que, teoricamente, deveria ser simples de eliminar, com amplos benefícios para ambos os lados. O entrevistado H explica:

Quando eu compro um produto, ele tem que estar livre, entre aspas, de impostos e de direitos. As universidades não pensam nisso porque elas pensam em coisas autorais. E os alunos, como pagam muito caro por uma faculdade de cinema, eles impõem aos professores e diretores daquela faculdade que o trabalho é meu, eu tô pagando, eu faço o que eu quiser. [...] Aí a gente mostrou como a gente fazia, assim, pegamos o nosso jurídico, fizemos uma reunião, é só fazer um contrato assim... ah, dá trabalho, né! Isso aqui não é uma empresa, isso aqui é uma universidade. Só que aí é uma universidade que não tem a visão que a sua marca pode ser exibida num veículo.

Segundo o entrevistado H, a burocracia e a falta de interação em relação à produção entre empresas de TV, produtoras e universidades poderiam ser eliminadas com um pouco de boa vontade entre as partes. E ele ainda reforça dizendo: “[...] a gente consegue fazer convênio com universidade de Washington, mas não consegue fazer com as daqui”. E conclui:

É um afastamento dessas esferas. A Universidade, penso, ela ainda está retrógrada à indústria criativa, ela acha que tem indústria criativa. Eu nunca recebi um projeto de universidade aqui. Nunca. Eu sempre busquei, dou palestras, dou cartãozinho, mas não acontece nada. Então ela faz questão de ficar longe.

Além disso, a emissora na qual o entrevistado H está vinculado promove a produção e é parceira em projetos de filmes produzidos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A emissora oferece mídia gratuita para filmes rodados nestes cenários, além de obrigatoriamente exigir uma característica regional em suas produções como utilizar elenco gaúcho, por exemplo. A proposta da emissora é de promoção cultural tanto para filme, teatro ou cinema, pois ela entende que é através da formação de plateia que se pode movimentar a indústria audiovisual.

O Governo reconhece a falta de relacionamento mais próximo em relação à esfera da Universidade. Em seu Programa Setorial voltado para a indústria criativa, o Governo reconhece que:

[...] quando analisamos as atividades de P&D&I (pesquisa, desenvolvimento e inovação) dentro do Rio Grande do Sul, verificamos uma forte desarticulação entre o setor privado e a academia. Em grande parte devido ao afastamento das universidades durante a ditadura militar, a capacidade de gerar colóquio efetivo entre as duas partes foi minguando. O panorama atual aponta para um cenário onde se produz muita pesquisa, no entanto, vemos pouquíssimos casos de desenvolvimento prático deste corpo de conhecimento básico. Em paralelo, observamos uma grande dificuldade de efetivamente implementar inovação dentro das indústrias (AGDI, 2011, p. 20).

Importante destacar que este afastamento da Universidade não acontece de forma isolada. Outros setores da economia também não mantém relacionamento com a Universidade.