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A linguagem digital proporcionada pelas tecnologias da informação e comunicação, caracterizadas principalmente pela plasticidade, flexibilidade e rapidez dos bits, possibilita maior interatividade nos processos comunicacionais, o que muda consideravelmente as práticas docentes no ciberespaço. Esta se constitui num dos fundamentos da cibercultura − a possibilidade de intervenção e participação na mensagem.

Assim, a interatividade é a palavra de ordem na sociedade, onde tudo é comercializado como interativo, desde o tênis até os aparelhos eletrodomésticos. Essa banalização do termo interatividade está pautada na promessa, por parte do usuário, de algum tipo de intervenção ou participação nos acontecimentos. Sfez (1994, apud PRIMO, 2007) afirma que a banalização do termo interatividade extrapola o âmbito econômico e invade o mercado teórico, desde os discursos pautados no cenário da engenharia dos sistemas, até mesmo no âmbito da sociologia, seduzidos pelo encantamento das tecnologias da informação e comunicação. Entretanto, apesar de toda essa banalização, a questão da interatividade está diretamente associada ao modelo de comunicação que emerge na década de 70, com a popularização da informática e a transição da lógica da distribuição, para a lógica da comunicação (SILVA, 2002).

A internet se destaca como a grande matriz desse cenário, por apresentar o canal de comunicação aberto e possibilitar uma efetiva participação na mensagem, seja através dos jogos eletrônicos, mensageiros instantâneos, televisão interativa, cursos à distância etc. Esse potencial interativo da rede vem contribuindo com inúmeras propostas de educação à distância e desafiando os docentes a pensarem em diferentes estratégias de trabalho na formação de professores.

Entretanto, existem várias concepções do termo interatividade, desde abordagens centradas nos fluxos de emissão e recebimento, passando pela ação dialógica homem- máquina, relação mensagem-meio, até uma visão mais ampliada que remete à fusão emissão- recepção que extrapola o meio digital.

Lemos (2002) atrela o conceito de interatividade aos meios digitais, ao afirmar que, diferentemente dos meios analógicos caracterizados pelos media tradicionais, a interação técnica se diferencia pelo seu cunho eletrônico digital. Dessa forma, o autor centra a discussão na relação dialógica entre o homem e os artefatos tecnológicos. Portanto, a interação homem- técnica é uma atividade tecno-social que sempre esteve presente na civilização humana.

A tecnologia é, e sempre foi, inerente ao social. Utilizada no seu sentido mais amplo, ela é constitutiva do homem e de toda vida em sociedade. Interação homem-tecnologia é uma atividade tecno-social presente em todas as etapas da civilização. O que vemos hoje com as tecnologias do digital, não é a criação da interatividade propriamente dita, mas de processos baseados em manipulação de informações binárias. (LEMOS, 2002, p. 112).

Os diversos níveis de interação técnica são apresentados por Lemos (2002, p.113- 114), no percurso tecnológico da televisão, procurando demonstrar a evolução do suporte técnico analógico-mecânico ao eletrônico-digital.

Nível 0 – estágio em que a televisão expõe imagens em preto e branco, dispõe de um ou dois canais e se restringe à ação de ligar e desligar o aparelho;

Nível 1 – com a utilização do controle remoto possibilita ao telespectador zappear, isto é, navegar por diversos canais; percebe-se uma maior autonomia na escolha dos programas;

Nível 2 – a possibilidade de utilização de equipamentos como o vídeo, câmeras portáteis, permite ao telespectador a apropriação do objeto TV e certa liberdade, na medida em que ele pode gravar e assistir o programa de acordo com a sua necessidade. Este aspecto é fundamental, pois institui uma temporalidade própria, independente da disponibilização da mesma.

Nível 3 – com os sinais da interatividade de caráter digital, o usuário tem a possibilidade de interferir no conteúdo da mensagem. O telespectador pode então interferir no conteúdo, a partir do telefone (como no programa Você Decide), por fax ou correio eletrônico.

Nível 4 – destaca-se o desafio da TV interativa, potencializando a participação via internet, ao conteúdo informativo das emissões em tempo real.

Dessa forma, percebemos que a interatividade potencializada pelo nível eletrônico- digital amplia a possibilidade de o usuário interagir com a informação, passando de um modelo um-todos, de caráter transmissionista, para outro modelo todos-todos, descentralizado e universal, em que a informação circula livremente.

No caso da TV digital, abrem-se novas possibilidades de espaços de aprendizagem abertos e plurais, onde o usuário terá acesso a uma participação mais efetiva na mensagem. É por isso que Silva (2002) afirma que o desafio digital da interatividade requer outra perspectiva de comunicação.

Supõe uma modalidade comunicacional absolutamente diferente daquela que caracteriza a imagem estática irradiada pela tela da TV. A primeira define-se como campo de possibilidades diante da intervenção do usuário; a segunda é estática (mesmo sendo móvel, fragmentária) e apresenta-se como transmissão que separa emissão e recepção. Portanto, é a comunicação interativa que destaco quando repito com Lévy: devemos aprender como movimento contemporâneo da esfera tecnológica (SILVA, 2002, p.69).

Contribuindo com o debate sobre interatividade no contexto comunicacional, Lévy (1999) afirma que o destinatário de uma informação nunca está passivo, pois ele decodifica, interpreta, participa, enfim, interage com a informação. Ainda, segundo o autor, “a interatividade assinala muito mais um problema, a necessidade de um novo trabalho de observação, de concepção e de avaliação dos modos de comunicação do que uma característica simples e unívoca atribuível a um sistema específico”, (LÉVY, 1999, p.82) não se limitando, portanto, às tecnologias digitais.

Lévy apresenta ainda diferentes graus de interatividade, a depender do dispositivo de comunicação e da relação com a mensagem. Temos, por exemplo, mensagens lineares que não podem ser alteradas em tempo real, como no caso da imprensa, rádio, televisão e cinema, gerando uma difusão unilateral da mesma, até as dinâmicas com trocas de mensagens entre os participantes facultadas pelo correio eletrônico e pelas redes de correspondências.

Nesta perspectiva de intervenção em tempo real, Primo (2007) toma os integrantes como foco principal dos processos comunicacionais, e apresenta a interação mútua e a interação reativa. O enfoque relativo à interação mútua traz consigo a visão de que é na relação mantida entre os participantes que deve ser o foco principal de estudo nas interações via computador, superando-se o foco ora no emissor, ora no receptor. Rompe-se então com a idéia de que a soma de ações individuais de cada integrante é responsável pelo processo de interação, e acredita-se na análise a partir das relações mantidas entre os participantes. Percebe-se neste enfoque a superação de uma visão de transmissão e destaca-se a concepção recursiva para a qual o comportamento de cada pessoa é afetado e afeta o de seus pares. Em

relação à interação reativa, o que se observa é a predominância de certa estabilidade e a total ausência de negociação entre os participantes. “É a abertura ao contestar, ao discordar, que diferencia a interação mútua das interações reativas, onde o debate não tem lugar, pois esbarra em informações e trocas derradeiras” (PRIMO, 2007, p.132).

Sendo assim, a discussão sobre a interação mediada por computador não pode ser reduzida simplesmente ao potencial técnico das máquinas, esquecendo-se das complexas relações entre os sujeitos envolvidos no processo. Na educação à distância, por exemplo, essa visão é reducionista, por desconsiderar as trocas interativas entre os participantes e reduzir a relação a um processo mecânico de envio e recebimento de mensagens.

Ainda sobre a interatividade, a análise proposta por Silva (2002) abarca esse fenômeno de forma mais ampla, extrapolando também a relação dispositivo/mensagem, e desafiando-nos a pensar em um “mais comunicacional de modo expressivamente complexo, ao mesmo tempo atentando para as interações existentes e promovendo mais e melhores interações – seja entre usuário e tecnologias digitais ou analógicas, seja nas relações presenciais ou virtuais entre os seres humanos” (SILVA, 2002, p.20). Para a educação, tanto presencial quanto à distância, esse conceito é de suma importância, pois requer a abertura para uma maior intervenção dos sujeitos na dinâmica comunicacional, modificando as ações dos docentes e discentes nos diferentes espaços de aprendizagem.

Essa nova lógica, potencializada pelo meio digital, onde a emissão separada da recepção vai perdendo paulatinamente a sua força no contexto da cibercultura, remete a uma comunicação muito mais interativa. Silva (2002) elenca três fatores históricos que demonstram a emergência da interatividade: o aspecto tecnológico, mercadológico e social. No aspecto tecnológico o computador destaca-se como espaço de manipulação e de adentramento, possibilitando ao usuário interferências no conteúdo da tela, diferentemente de uma lógica onde apenas poderíamos acessar a informação. As múltiplas conexões e janelas móveis abrem espaço para uma comunicação mais interativa na cibercultura. Vale ressaltar que todo esse potencial proporcionado pelas tecnologias é fruto também da disposição social do usuário no desejo de interferir na informação. Logo, a imbricação entre desenvolvimento técnico e sociedade precisa ser compreendida de forma recursiva, pois ao mesmo tempo em que a tecnologia se incorpora no social, o social se inscreve na técnica. Em relação à esfera mercadológica, teríamos uma maior interatividade entre o consumidor e produto com a utilização das tecnologias, configurando-se assim outra concepção de marketing que busca estratégias dialógicas entre cliente-produto-produtor. O consumidor, no contexto da telemática, não permanece mais passivo como na lógica das mídias de massa, pois é

convidado a adentrar e modificar o conteúdo. E, por último, teríamos o fator social com o controle remoto, do joystick do videogame e o mouse contribuindo para a emergência de um espectador que deseja adentrar na mensagem.

Esses fatores históricos apresentados pelo autor deixam clara a importância da superação do esquema clássico de comunicação no qual a emissão-mensagem-recepção encontra-se organizada de forma unilateral, e abre a possibilidade de pensarmos em outro arranjo comunicacional baseado na ligação bidirecional emissor-mensagem-receptor. Dessa forma, o emissor passa a oferecer um leque de elementos para a manipulação do receptor, que se coloca agora como um produtor da mensagem, a qual é ressignificada sob sua intervenção. É importante ressaltar que a superação desse esquema clássico de comunicação só foi possível em virtude do desenvolvimento dos processos analíticos que possibilitaram o processamento da imagem e, por conseguinte, novas dinâmicas de trabalho nesse contexto, alterando as formas de recepção.

Nessa perspectiva, a mensagem é compreendida como um universo aberto a constantes solicitações dos sujeitos. Do ponto de vista da sala de aula no meio digital, a configuração desse esquema de comunicação traz implicações importantes para a docência no contexto da cibercultura, pois desafia o professor a superar a linearidade e a dicotomia emissão-recepção. Cabe aqui ressaltar que essa nova lógica comunicativa requer dos professores um rompimento com um modelo de “educação bancária” que centraliza a ação comunicativa na figura do professor, mantendo o educando numa mera posição de consumidor de informação.

Figura 6 - Sala de aula unidirecional (modelo um-todos) Fonte: Marco Silva

Figura 7 - Sala de aula interativa (modelo todos-todos) Fonte: Marco Silva

A superação da lógica da comunicação pautada na unidirecionalidade, onde há um emissor e um receptor passivo é criticada por Silva (2002) que propõe uma configuração comunicacional, onde a participação ativa do sujeito é apresentada através da tríade comunicacional emissão-recepção-mensagem, demonstrada no Quadro 2 que traz a comparação entre as modalidades de comunicação unidirecional e interativa:

Quadro 2 - Comparação entre as modalidades de comunicação.

A COMUNICAÇÃO

MODALIDADE UNIDIRECIONAL MODALIDADE INTERATIVA

MENSAGEM: fechada, imutável, linear, seqüencial.

MENSAGEM: modificável, em mutação, na medida em que responde às solicitações daqueles que a manipulam.

EMISSOR: “contador de histórias”, narrador, que atrai o receptor (de maneira mais ou menos sedutora e/ou por imposição) para o seu universo mental, seu imaginário, sua récita.

EMISSOR: “designer de software”, constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto intrincado (labirinto) de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências, a modificações.

RECEPTOR: assimilador passivo. RECEPTOR: “usuário”, manipula a mensagem como co-autor, co-criador, verdadeiro conceptor. Fonte: Silva (2002, p. 73).

Nesse sentido, a comunicação no meio digital precisa estar em sintonia com os fundamentos da interatividade e pautada nos binômios apresentados por Silva (2002): participação-intervenção, bidirecionalidade-hibridação e potencialidade-permutabilidade.

O primeiro define a possibilidade que o sujeito tem de alterar percursos através do desafio de se converterem em gestores dos meios de comunicação, de tal modo que a perspectiva tecnológica abre um leque de possibilidades para os sujeitos envolvidos no

processo poderem intervir no processo de comunicação. Dessa forma, temos acesso a um jornal e entramos em contato com a redação, no mesmo instante da leitura da vinculação da notícia, em virtude na instantaneidade proporcionada pelas tecnologias digitais, que rompem com barreiras de espaço e tempo. A perspectiva comunicacional apontada nesse binômio abre novos horizontes de aprendizagem, de forma mais dialógica, polissêmica, através da utilização de chats, blogs, fóruns de discussão etc. Isso não garante, no entanto, que a participação-intervenção vai sempre ocorrer. A definição desse binômio se dará através da autoria do sujeito mobilizado (SILVA, 2002).

O binômio bidirecionalidade-hibridação critica uma comunicação unidirecional que separa emissor de receptor, posicionando-se numa perspectiva de que não há mais emissor nem receptor, pois todo emissor é um receptor e vive-versa. Couchot (1993) destaca a hibridização como um aspecto essencial na alteração do estatuto do autor, espectador e obra ao analisar a arte digital. A imagem circular retrata a fusão do autor, espectador e obra, diferentemente da estrutura apresentada em formato triangular, com posição estanque e definida. Ainda para o autor, esse processo foi potencializado em virtude da ordem numérica que permitiu uma imagem sempre em processo, tornando-se suscetíveis de modificação. As discussões nos chats exemplificam a hibridização entre os participantes, pois a dinâmica comunicacional potencializada pelas tecnologias digitais permite que todos sejam emissores e receptores ao mesmo tempo.

Em minha caminhada como aluna online, venho percebendo uma subutilização dos pressupostos desse binômio, pois a maioria dos cursos oferecidos na internet ainda está centrada numa perspectiva unidirecional, tanto em relação à disposição dos conteúdos, através da disposição de telas lineares e listas intermináveis de exercícios, como também na manutenção de uma concepção de docência assumida pelos professores como os detentores do saber e que não permitem processos de co-autoria com seus alunos.

Figura 8 – Metáfora da Hibridização apresentada por Couchot

O terceiro e último binômio: permutabilidade-potencialidade destaca a possibilidade de o usuário buscar informações de forma não seqüencial na rede. O sistema digital, com sua infinita capacidade de armazenamento e de combinações, dá condições aos usuários não só de navegar com liberdade, mas também de construir narrativas e percursos em sintonia com sua necessidade de navegação. À medida que se vai navegando e construindo novos percursos, outras possibilidades de combinações vão surgindo, exatamente pela estrutura hipertextual da rede.

Todo esse potencial proporcionado pelo meio digital só tem sentido se o sujeito apropriar-se dos artefatos tecnológicos na perspectiva de intervenção e participação na mensagem. Em ambientes virtuais de aprendizagem, o papel do professor é fundamental nessa dinâmica, pois ele é o responsável pela mediação e disponibilização de uma estrutura hipertextual que busque transformar imagem, som e texto em algo essencialmente navegável e manipulável.