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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.8 INTERDISCIPLINARIDADE: NECESSIDADE DE UM NOVO

Hoje, a interdisciplinaridade não é um conceito unívoco. Este termo é usado, atualmente, em muitos eventos culturais e/ou científicos, sem uma base comum e, além disso, partindo de demandas de diferentes naturezas, situando-se a partir de diferentes visões de mundo, de homem e de conhecimento.

Também as análises sobre o interdisciplinar se diferenciam muito entre si, envolvendo tanto a questão das naturezas das falas quanto às visões dos sujeitos que falam. Desse modo, são apresentadas, nesta seção, algumas compreensões acerca do tema.

A origem da fragmentação do conhecimento é citada frequentemente na literatura como sendo proveniente do Paradigma Cartesiano. Embora não haja consenso sobre essa origem.

Faz-se necessário esclarecer que o conceito de paradigma utilizado nesta investigação, remete-se a Kuhn (1997), que, na perspectiva histórica daquilo que denominou criticamente “revoluções científicas” considerou os paradigmas, em seus clássicos escritos em 1962, como sendo: “[...] as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, forneceram problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1997, p. 13). Dessa maneira, paradigma refere-se a modelo, padrões compartilhados que permitem a explicação de certos aspectos da realidade.

Segundo Morin (2000, p. 26), é o Paradigma Cartesiano que determina e prescreve a disjunção em relação à visão de mundo, com as oposições clássicas:

sujeito/objeto alma/corpo espírito/matéria sentimento/razão liberdade/determinismo existência/essência qualidade/quantidade finalidade/causalidade

Se a disjunção é resultado do paradigma construído no ocidente, em termos de modernidade, e que se denomina de Cartesiano, em razão de ter sido Descartes um dos seus maiores expoentes, é necessário que o questionemos, hoje, na busca

de um novo paradigma que nos auxilie a reaprender a rejuntar a parte e o todo, o texto e o contexto, o global e o planetário (MORIN, 2000).

Esse novo paradigma, deve estar alicerçado em princípios que oportunizem a construção de um pensamento integrado/interdisciplinar, que, segundo Morin (2001, p. 88):

- Reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar, de maneira mutiladora, cada uma e compreenda que o conhecimento das partes depende das suas dimensões;

- Reconheça e trace as realidades que são, concomitantemente solidárias e conflituosas (como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo regula-os);

- Respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade.

Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade precisa ser pensada a partir de uma totalidade histórica, uma vez que o processo de fragmentação do conhecimento caminha lado a lado com o processo de fragmentação do trabalho, quer seja o taylorismo (a ciência da divisão do trabalho) quer seja o fordismo (a ciência da produção em série), entre os séculos XIX e XX. Esses modos de viver o trabalho influenciaram o interior dos sistemas educacionais, contribuindo para que nem professores nem alunos pudessem participar dos processos de reflexão crítica sobre a realidade (SANTOMÉ, 1998). Além disso, naquele momento histórico:

Os conteúdos culturais que formavam o currículo escolar com excessiva frequência eram descontextualizados, distantes do mundo experiencial de alunos e alunas. As disciplinas escolares eram trabalhadas de forma isolada e, assim, não se propiciava a construção e a compreensão de nexos que permitissem sua estruturação com base na realidade (SANTOMÉ, 1998, p. 14).

Essa herança histórica de fragmentação da cultura escolar continua presente até os dias atuais, pois o conhecimento na sociedade corrente é produzido, na maioria das vezes, em âmbitos especializados, ou seja, por um ensino classificado em disciplinas ou matérias.

Nessa ótica, é urgente buscar uma alternativa a essa prática curricular dominante na cultura e sociedade modernas, ou seja, é necessário um novo paradigma que almeje a integração dos conhecimentos por meio da interdisciplinaridade.

Moraes (1998), ao destacar o paradigma educacional emergente, ressalta um modelo que dá ênfase à totalidade indivisa, ao pensamento sistêmico, apoiando-se na compreensão de que o todo só pode ser entendido com base em suas partes, em suas conexões e em suas relações, por meio da complexidade existente entre os fenômenos que regem a natureza.

Sob esse prisma, Morin (2000) aponta a Teoria da Complexidade, segundo a qual um sistema não é apenas um todo constituído de partes, mas é algo que tem qualidades próprias que somente emergem quando o sistema constitui-se. Nesse sentido, para o autor, a fragmentação do conhecimento em disciplinas ou subáreas estanques impede frequentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto.

Seguindo nessa busca por compreensões que permeiam a temática da interdisciplinaridade, Japiassu (1976) caracteriza-a pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto. Além disso, ele destaca:

[...] do ponto de vista integrador, a interdisciplinaridade requer equilíbrio entre amplitude, profundidade e síntese. A amplitude assegura uma larga base de conhecimento e informação. A profundidade assegura o requisito disciplinar e/ou conhecimento e informação interdisciplinar para a tarefa a ser executada. A síntese assegura o processo integrador (JAPIASSU, 1976, p. 65-66).

Desse modo, a orientação para o enfoque interdisciplinar na prática pedagógica pretende a mediação entre conhecimentos e a articulação de saberes. Para tal, como adverte Luck (2001, p. 68), é necessário romper hábitos e acomodações, buscar algo novo e desconhecido, o que é certamente um grande desafio.

Já para Fazenda (1992), a interdisciplinaridade implica uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atividade diferente a ser assumida diante do conhecimento, ou seja:

Passa-se de uma relação pedagógica baseada na transmissão do saber de uma disciplina ou matéria, que se estabelece segundo um modelo hierárquico linear, a uma relação pedagógica dialógica na qual a posição de um é a posição de todos. Nesses termos, o professor passa a ser o atuante, o crítico, o animador por excelência (FAZENDA, 1992, p. 48).

Ainda, segundo Freire (1987), todo conhecimento está em processo de construção e reconstrução, de criação e recriação. Nesse sentido, para este autor, a interdisciplinaridade se expressa pela constituição de equipes interdisciplinares, por meio de uma metodologia problematizadora e dialógica, que engloba o processo de escolha dos temas geradores.

Além disso, esse processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade e com a sua cultura busca compreender a interdisciplinaridade pela caracterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma integrada.

Nesse panorama, a interdisciplinaridade pode ser caracterizada por uma metodologia de organização da escola e do ensino que busca superar o isolamento e a falta de comunicação entre os professores e os conteúdos escolares, favorecendo a integração de aprendizagens e de saberes, bem como a busca de saberes úteis para lidar com questões e problemas da realidade.

Ressalta-se, dessa forma, a correlação e articulação, tanto desta seção com a anterior, na análise dos dados do capítulo de “Resultados e discussão” desta investigação.