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5.2 Profissionais de saúde

5.2.3 Interdisciplinaridade no trabalho

Segundo as informações coletadas nas entrevistas, o intercâmbio das informações dos pacientes se dá na forma de encaminhamentos dentro da própria Policlínica. Um aspecto importante, notado na análise das entrevistas, é que quando o usuário faz parte de um grupo de atendimento com profissionais de diferentes especialidades, essa troca também se torna mais fácil.

Uma profissional relatou que se o profissional buscar ter esse intercâmbio, ele consegue a troca de informações, mas se percebe também que às vezes dentro do próprio setor de reabilitação falta esse feedback, como pode ser percebido nas falas a seguir:

Quando a gente busca a gente consegue” (Iris). Não tem feedback, ela faz o dela e eu faço o meu” “o trabalho fica meio assim.., individual, vamos dizer, uniprofissional. A gente encaminha com facilidade um por outro, agora o contato mesmo do profissional um com o outro é mais raro (Rosa).

Foi possível perceber também que as profissionais que trabalham há menos tempo no setor tendem a ter mais dificuldades de realizar esse intercâmbio, porque às vezes elas nem conhecem a profissional que trabalha na sala ao lado.

Normalmente não, a gente não tem feito, a gente até sente falta disso, de um trabalho mais de equipe, a gente pensa, já conversamos sobre isso, mas no momento a gente não tem feito (Violeta).

A PNH prevê em sua cartilha o projeto terapêutico singular (PTS), que é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar. Trata-se de uma reunião de toda a equipe para definição de propostas e ações. Esse projeto busca a singularidade como eixo central para suas ações, e pode ser feito para grupos ou famílias e não apenas de modo individualizado (BRASIL, 2008)

A proposta do PTS é que sejam escolhidos indivíduos ou famílias em situações mais graves ou difíceis. Nesse contexto, é muito importante o vínculo dos profissionais com o usuário e com a família, pois a partir daí, da intensidade e qualidade desse vínculo é possível assumir mais responsabilidade na condução do PTS. O PTS se daria em quatro momentos: o diagnóstico, definição de metas, divisão de responsabilidades e a reavaliação. Essa proposta já é realizada nos NASFs, mas na área de reabilitação ainda não é uma prática, embora esteja prevista na PNH.

No discurso das profissionais, a maioria revela que executa um trabalho individualizado, onde o intercâmbio das informações do paciente entre os profissionais é difícil. No serviço não existe uma rotina de encontros para discussão de casos clínicos e quando os horários das profissionais não coincidem, essa troca fica ainda mais difícil.

É possível sentir nos discursos que as profissionais reconhecem a importância desse tipo de trabalho e que as mesmas sentem a necessidade de realiza-lo. A criação de um prontuário único para cada paciente e a rotina de reuniões para discussão de casos poderia facilitar o intercâmbio das informações.

Um dos princípios norteadores da PNH se refere justamente ao fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional e o estímulo à transdisciplinaridade (BRASIL, 2004). O baixo investimento nesses aspectos diminuem as possibilidades de um trabalho mais crítico e comprometido com as necessidades dos usuários.

Em um estudo desenvolvido por Castro e Campos (2014) com uma equipe de profissionais de saúde de uma unidade básica do SUS de Campinas, eles também reconheceram a importância do trabalho em equipe, mas relataram que na prática existem dificuldades para a implantação dessa diretriz, tais como a rotina intensa e problemas graves de saúde.

Ao realizar a entrevista, percebeu-se que foi possível abrir um espaço para reflexão sobre a necessidade do trabalho em equipe, fazendo com que os profissionais avaliassem o seu processo de trabalho e dessa forma pudessem refletir sobre os modos de superarem esse impasse. Uma vez que a rotina de trabalho e as dificuldades enfrentadas no cotidiano do serviço muitas vezes dificultam essa análise mais reflexiva e propositiva.

Nesse sentido, foram apontadas dificuldades tanto relacionadas a aspectos internos, referentes ao funcionamento da equipe, quanto externos que passam pela gestão do serviço. Os aspectos internos dizem respeito à falta de discussão dos casos e dos processos de trabalho decididos em equipe, e a falta de contra-referência em relação aos encaminhamentos, pois os mesmos relataram facilidade de realizar encaminhamentos dentro do serviço. No entanto, a resposta dessas solicitações nem sempre chega para o profissional. Os externos dizem respeito à apresentação da rede de serviços e da equipe dos profissionais que trabalham na Policlínica.

Apesar de não ser uma rotina do serviço, os profissionais relataram que há alguns meses tiveram reunião com a equipe de regulação da Prefeitura de Recife e a gerente da Policlínica para discussão do processo de trabalho adotado atualmente e a mudança para um sistema de marcação de atendimentos intermediado pela regulação.

Essa discussão vem se dando ao longo do tempo, sempre com a possibilidade de participação dos trabalhadores na formulação de estratégias para superar a dificuldade do acesso ao serviço, o que demonstra uma relação horizontalizada com a valorização do ponto de vista do trabalhador que é quem fica na ponta do serviço e melhor conhece as dificuldades. Nessa discussão poderia ter-se incluído também a participação do usuário que é o beneficiário final desse processo.

A percepção da gerente do serviço em relação ao trabalho em equipe mostra uma visão distinta da equipe técnica. Segundo a mesma, existe um trabalho em equipe na Policlínica, pois há uma ligação entre os diversos profissionais e setores do serviço que trabalham integrados, procurando alternativas para solucionar os problemas dos usuários. Essas alternativas, segundo a gerente, se dão por meio de encaminhamentos por escrito, justificando o motivo, e também o profissional busca a gerência quando tem dificuldades de saber para onde encaminhar o paciente. A gerente afirma que tanto os profissionais médicos quanto não médicos têm essa preocupação e que ela está sempre em comunicação com todos, apesar do tamanho e complexidade do serviço. Como pode ser demonstrado na fala abaixo:

Muitas vezes os profissionais mesmo da reabilitação, eles entram em contato com a psicologia, com a fono, que entra em contato com a psiquiatria, que entra em contato com a geriatria e assim sucessivamente. Está realmente em rede interligados (Jade).

A gerente expôs em sua entrevista que pretende retomar as reuniões de equipe que eram realizadas com os diversos seguimentos das especialidades, pois nesse momento é que se discutiam as abordagens das dificuldades encontradas no serviço e também era apresentada como está composta a rede de atendimentos. Essa estratégia é fundamental para fortalecer um trabalho em equipe.

O trabalho com vários profissionais atuando em rede é sempre necessário para superar os problemas que surgem no cotidiano dos serviços, e assim poder intervir no universo das necessidades dos usuários. Essas redes constituídas da micropolítica do trabalho em saúde se estruturam a partir dos saberes, práticas e subjetividades, realizando múltiplas conexões e operando por meio de uma tecnologia relacional (FRANCO, 2006).

Para Lima et al.(2012, p.39), “ o atendimento em grupo é um importante recurso terapêutico para otimização dos espaços e equipamentos, para trocas e construção coletiva”. Esses autores chamam a atenção para que os atendimentos em reabilitação podem demorar longos períodos de tempo, sendo assim, os atendimentos em grupo podem constituir uma estratégia que possibilita a ampliação da cobertura.

Nesse sentido, foi relatada por uma profissional a parceria desenvolvida entre o setor de reabilitação e a Academia da Cidade. A mesma relata que essa parceria trouxe benefícios, pois possibilitou direcionar os pacientes com dores crônicas e quadro estável motoramente, que tinham dificuldades de aceitar a alta. Esse novo tipo de atendimento é realizado em grupo, com os educadores físicos da Academia da Cidade, duas vezes por semana, dentro da sala da fisioterapia. Essa parceria contribuiu para diminuir a demanda dos pacientes, possibilitando a alta da fisioterapia dos pacientes mais antigos.

Veio a coordenadora da Academia da Cidade, sentou com a gente, explicou e a gente pôde falar um pouco a respeito da nossa demanda e o que a gente sugeria em termos de grupo. Foram várias reuniões, aí depois disso tudo, vieram os educadores físicos para terem o primeiro contato conosco. Conversamos sobre o grupo, fomos trocando e organizando (Íris).

Outros tipos de parcerias também foram relatadas por Lima et al. (2012), que em seu estudo encontrou que alguns gestores consideram que a atuação do NASF poderia reforçar o programa de reabilitação das pessoas com deficiência, baseado na atuação na comunidade, com o apoio de profissionais de saúde e seus familiares. Essa pesquisa traz também que alguns gestores de municípios de Pernambuco já consideram o NASF como responsável pelo desafogamento e apoio real a algumas unidades de reabilitação.

Para que essas parcerias possam acontecer são necessárias mudanças que passam pela formação dos profissionais de saúde. As concepções que fundamentam o modelo biomédico, enraizadas nas escolas de formação de vários cursos de saúde dificultam uma posição ativa e crítica, na busca de uma nova prática que valorize o cuidado em saúde (GOULART; CHIARI, 2010).

Novas diretrizes curriculares se fazem necessárias para a construção de perfis profissionais mais inseridos na dinâmica do sistema, sensibilizados com o trabalho em equipe e contextualizados com a realidade social, na busca de uma prática profissional contra- hegemônica e calcada em relações humanizadas.

Na perspectiva dessa prática transformadora, ganha importância a relação entre os profissionais de saúde e a gestão. Nesse contexto foi investigado como se dão as relações entre as profissionais de saúde e a gestão. O discurso das profissionais demonstra uma boa relação com a gerente do serviço. Foi consenso entre as profissionais quanto ao interesse, a disponibilidade de ouvir as queixas, e dar uma resposta aos problemas por parte da gerente. Segundo as entrevistadas o papel da gerente do serviço seria o de ouvir, acolher, agrupar e unir a equipe, fazendo reuniões. Além disso, foi apontada também a necessidade de uma

coordenação técnica, pois o trabalho é muito concentrado na pessoa da gerente da unidade de saúde.

Olha a gestão da diretoria com a gente tem uma boa relação, acho que o papel seria mais de união, de poder realmente agrupar e a gente ter mais conhecimento, fazer reuniões que a gente se conhecesse mais, que a gente pudesse ter acesso a todos (Margarida). Eu acho que acompanhar, fazer o acompanhamento de tudo que tá acontecendo e poder estar sempre conversando com a gente, reavaliando os procedimentos, vendo de perto o que a gente tá precisando, desde que eu cheguei eu sempre vejo isso aqui no setor (Íris). A gerente está sempre em contato com todos, está sempre interessada no trabalho, pergunta como está o atendimento, é interessada (Gardênia). Atualmente eu não tenho uma chefia imediata para cuidar da parte técnica, então a gerente da policlínica é quem tem que ver a parte técnica, a parte administrativa, tem que ver tudo isso (Rosa).

O papel da coordenação técnica consiste em promover debates e encontros técnicos com o intuito de selecionar as melhores linhas de ação, visando definir protocolos clínicos e processos de trabalho condizentes com a humanização do trabalho e a qualidade do atendimento no âmbito do SUS.

Ayres (2004) chama atenção em seu trabalho que quando se discute sobre a humanização, cuidado e integralidade, enfatiza-se a importância das relações interpessoais na prática assistencial em saúde, no entanto, não se pode separar o plano individual do social e coletivo, uma vez que o adoecer também é histórico e socialmente construído. Nesse sentido, o autor destaca a importância de refletir mais sobre as raízes e significados sociais do adoecimento, para que dessa forma, possa ocorrer uma aproximação entre os cuidados individuais e um planejamento sócio-sanitário.

Para alcançar esse objetivo, o autor supracitado defende que mudanças estruturais sejam feitas por meio da intersetorialidade e interdisciplinaridade, podendo assim unir os projetos de vida individuais e a organização dos serviços de saúde com base em um horizonte coletivo ou social.

Para Campos (1997), uma das estratégias para assegurar a qualidade em saúde é a combinação de autonomia profissional, combinada com uma definição de responsabilidade para os trabalhadores. Nessa relação busca-se um equilíbrio nos modos de gerenciar de forma que nem prive o trabalhador da sua liberdade, nem deixe as instituições totalmente a mercê das corporações profissionais.

Segundo a gerente do serviço, a mesma reconhece que existe uma alta demanda para o setor de reabilitação e mostrou-se otimista quanto ao processo de regulação que está para ser implantado nesse serviço. A mesma demonstrou conhecer o processo de trabalho dos profissionais, descrevendo-os durante a entrevista.

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