• Nenhum resultado encontrado

5.2 Profissionais de saúde

5.2.1 Percepção dos profissionais

A percepção das profissionais sobre o acolhimento mostra que essas levam em consideração a escuta qualificada, o receber o usuário de forma humanizada, valorizando a importância da análise do contexto social e comunitário que o paciente está inserido e buscando dar uma resposta a seu problema. Algumas declarações evidenciam essa preocupação:

Eu acho que o acolhimento começa na hora de ver a necessidade do outro e ver dentro do sistema para onde encaminhá-lo. É escutar e dar aquela resposta, só escutar não resolve” (Rosa); “Tirar as dúvidas da pessoa, procurar resolver o que estiver ao meu alcance (Margarida).

Othero e Ayres (2012) destacam a importância em ouvir o outro com um interesse autêntico e chamam a atenção que para esta capacidade de escuta e diálogo, o acolhimento se apresenta como um dispositivo tecnológico muito importante nas propostas de humanização e cuidado em saúde.

Além desse entendimento, foi relatado também que o acolhimento seria a forma de organização do serviço para melhor receber o usuário. No discurso das profissionais foi possível perceber que as questões do acolhimento estavam entrelaçadas com a humanização, sendo este aspecto valorizado pelas profissionais, como pode ser percebido na seguinte fala: “O acolhimento seria receber o paciente de uma maneira humanizada” (Gardênia).

No processo de análise dos dados colhidos foi relatado por algumas profissionais que o usuário geralmente chega ao serviço de reabilitação com o encaminhamento médico, sem ter conseguido realizar o atendimento em vários outros locais. Segundo os relatos, o paciente chega angustiado e com medo de ser novamente recusado. O discurso dessa profissional revela esse fato: “O acolhimento de início é muito sofrido, já recebi muitos usuários chorando pra conseguir uma vaga e iniciar um tratamento” (Íris).

Diante das inúmeras dificuldades que os usuários encontram no acesso aos serviços de reabilitação, é necessário que se pense de forma a contemplar a humanização das ações desde a concepção e planejamento das ações, até as rotinas dos serviços de saúde. Buscar formas efetivas para humanizar a prática em saúde implica em aproximação com processos de trabalho mais resolutivos (GOULART; CHIARI, 2010).

Em relação a esse ponto, foi feita uma investigação no serviço em que procurou-se descrever e refletir sobre a organização do processo de trabalho em relação ao acolhimento, para tanto serão respondidas as seguintes indagações: ao chegar a unidade a quem o usuário se dirige? Quem o recebe e de que modo? O processo de trabalho está organizado de forma a possibilitar o acolhimento? O serviço adota critérios de prioridade e classificação de risco?

Por meio da observação da rotina do serviço e das entrevistas realizadas foi possível perceber que ao chegar à unidade o usuário se dirige a recepção central, onde vai buscar informações sobre marcação com os profissionais da reabilitação. Como a forma de marcação atual é diretamente com o setor, as pessoas são orientadas a se dirigirem ao setor amarelo, sinalizado por intermédio de setas. A profissional que dá as informações não sabe informar quais os dias e horários do atendimento de cada profissional do setor.

Ao procurar o local indicado, o usuário bate à porta da sala do profissional, procurando a vaga, o que muitas vezes atrapalha o profissional que está em atendimento, e que muitas vezes não dispõe da vaga naquele momento, tendo que pegar o nome do usuário e inscrevê-lo em uma fila de espera ou pedir para ele retornar outro dia. Não existe uma pessoa encarregada de receber esse usuário e dar as informações com maior clareza, observa-se que cada profissional tem a sua forma própria de agir e conseguir soluções. Algumas vezes, conta com uma auxiliar administrativo, no entanto, como essa auxiliar não é exclusiva daquele setor, nem sempre a mesma está disponível.

Percebe-se uma fragilidade nesse setor ao constatar que falta uma melhor organização do serviço para receber o usuário e prestar os esclarecimentos necessários, essa carência pode estar relacionada à falta de funcionário treinado que se encarregue de receber esses usuários e

prestar um apoio aos profissionais e também à falta de uma estratégia de recepção e acolhimento decidido em equipe.

Nesse contexto, o processo de trabalho pautado nas tecnologias relacionais, classificadas por Mehry como tecnologia leve, encontra entraves na sua efetivação. A dinâmica atual do serviço não favorece a escuta e o acolhimento, faz-se necessário portanto, a construção de uma nova proposta, em que seja revista a relação usuário-serviço no mecanismo de recepção do mesmo.

Nesse sentido, Coelho e Jorge (2009) afirmam que a humanização do atendimento, campo da tecnologia leve, é uma forma de gerenciamento do trabalho, para que, por meio do acolhimento, possam ser estabelecidas estratégias de atendimento que envolvam trabalhadores, gestores e usuários.

Até pouco tempo antes do início da coleta dos dados do estudo, o mecanismo de organização adotado pelo serviço era por meio de agendamento prévio dos atendimentos, onde era feita uma lista de espera, o que tinha uma boa aceitação da comunidade, uma vez que o usuário era contactado por telefone quando surgia a vaga, o que de certa forma humaniza a assistência, já que o mesmo não necessita chegar cedo ao serviço para pegar ficha. No entanto, no momento da realização do estudo, os usuários estavam sendo orientados a retornar ao serviço no mês seguinte para marcação dos atendimentos por meio de vagas disponibilizadas por intermédio de um sistema de informática.

Segundo a cartilha da PNH (Brasil, 2004a, p.25) “tradicionalmente os serviços de saúde organizaram seu processo de trabalho baseando-se no saber das profissões e categorias e não em objetivos em comum”. Nesse tipo de organização não se pode garantir que as práticas dos trabalhadores se complementem, nem que as ações sejam eficazes no sentido de garantir um atendimento respeitoso com acolhimento, qualidade e vínculo.

De acordo com a gerente do serviço, o processo de trabalho é formado por propostas feitas pela equipe, segundo as particularidades de cada grupo, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, os quais trazem ideias que dependendo da governabilidade da gerente, elas são postas em prática, ou quando são necessários recursos que extrapolam a capacidade daquele nível, são encaminhados para um nível hierárquico superior, então todo o processo de trabalho passa pela ciência da gerente.

Goulart e Chiari (2010) chamam atenção para uma reflexão sobre os processos de trabalho mecanizados, que muitas vezes os trabalhadores da saúde estão inseridos e que os limitam de realizar um trabalho mais crítico e sensível, além da fragilidade que muitas vezes se encontram pelo contato contínuo com a dor, o sofrimento e a miséria. Esses aspectos

poderiam ser melhor enfrentados se houvesse um trabalho em equipe dos profissionais, com reuniões regulares para que os profissionais pudessem compartilhar suas angústias e aflições e a partir daí receberem ajuda para o enfrentamento dos problemas vivenciados.

Outro aspecto também importante é sobre a realização profissional e financeira dos trabalhadores da saúde. Nesse sentido foram colocadas algumas críticas por parte de uma profissional, que levantou questões como:

O que a Secretaria de Saúde está fazendo para facilitar meu trabalho e me valorizar como profissional? A humanização para o Ministério da Saúde é só daqui pra lá? Então é só eu te escuto, te assisto, te encaminho? Não estão valorizando o profissional, tanto em níveis financeiros, como no dia a dia mesmo, os processos de trabalho estão fragmentados e a valorização profissional está muito baixa, e o lado da humanização com o profissional, onde é que ficou? Perdida no caminho? Valorizar o profissional também no momento que a gente está precisando de um material para trabalhar (Rosa)

Um dos eixos de ação da PNH, o da gestão do trabalho, propõe o fortalecimento e valorização dos trabalhadores, sua motivação, desenvolvimento e crescimento profissional, pois considera-se esses como co-gestores da produção do cuidado (BRASIL, 2008)

Indagamos à gerente do serviço o que deve compor um serviço que presta assistência especializada em reabilitação. A mesma relatou que além da fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, seria importante também um serviço social e a psicologia, para que dessa forma possa ser dada uma assistência integral, tanto na parte física quanto mental. Foi enfatizado ainda por essa profissional, que o setor de reabilitação não trabalha isoladamente, uma vez que os pacientes já vêm encaminhados, estando, portanto, interligado com um complexo de especialidades, o que faz com que dessa forma se trabalhe em rede.

Para Franco (2006) todo processo de trabalho em saúde opera em rede, sejam nas unidades básicas de saúde, nos serviços de especialidades ou na rede hospitalar, estas se comunicam mutuamente e podem se organizar de diferentes maneiras, operando como uma forma de trabalho vivo em ato. Dessa forma, as redes são inerentes ao modo de produção do cuidado e necessárias para a integralidade das ações de saúde.

Nessa perspectiva de trabalho em rede, o relatório da OMS discute que a reabilitação nos países em desenvolvimento, com recursos limitados e grande número de traumas, podem se beneficiar de estratégias básicas de reabilitação para reduzir as complicações secundárias, tais como: escaras e deformidades articulares (OMS, 2011).

Essa estratégia permite integrar a reabilitação em ambiente de assistência primária, melhorando a acessibilidade e viabilidade econômica. A coordenação entre os diferentes níveis de atenção à saúde com mecanismos para encaminhamento, tratamento e

acompanhamento poderia ajudar a garantir o acesso, a continuidade do tratamento e ajudar a coordenar a oferta dos serviços de reabilitação (OMS, 2011).

Na organização do serviço não foi verificado a existência de protocolos de atendimento, nem de trabalho em equipe, nem a articulação com a atenção básica. A sugestão de uma profissional mostrou-se pertinente, no momento que a mesma sugeriu a adoção de um fluxograma que estivesse acessível, para ajudar tanto os profissionais, quanto os usuários na organização do fluxo dos atendimentos.

Eu acho que se teria que ver o fluxograma, pra gente vê como está o fluxo tanto daquela pessoa que vem procurar o serviço, como de nós mesmos aqui dentro, ver toda a inter-relação e como o organograma poderia facilitar o nosso trabalho e o acesso das pessoas para o serviço (Rosa).

Documentos relacionados