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CAPÍTULO II – EPISTEMOLOGIA DA COMUNICAÇÃO

1. Os estudos de comunicação

1.2 Interdisciplinaridade

Quanto ao aspecto interdisciplinar, Martino também se manifesta. Para o autor, a partir da década de 1980, surge uma versão de interdisciplinaridade que passa a dominar a reflexão epistemológica da área, de forma que “o saber comunicacional passa a ser identificado com a interdisciplinaridade, a ponto de serem tomados como sinônimos” (2006, p. 43). Este marcaria o momento do declínio da preocupação com as questões epistemológicas, “aparentemente resolvidas por discursos cheios de argumentos incultos e despropositados contra a ciência,

deixando-se levar por análises muitas vezes superficiais sobre a novidade do mundo contemporâneo” (MARTINO, 2006, p. 43).

Braga recusa a explicação do campo da comunicação como interdisciplinar. Ele identifica três sentidos atribuídos ao termo. O primeiro deles seria a interdisciplinaridade como sinônimo de um campo de estudos que seja “atravessado por dados, conhecimentos, problemas e abordagens concebidos e desenvolvidos em outras disciplinas” (BRAGA, 2001, p. 12). O segundo significado que ele identifica para a interdisciplinaridade é de um espaço de interfaces, “em que um determinado âmbito de conhecimentos se faz na confluência de duas ou mais disciplinas estabelecidas” (BRAGA, 2001, p. 12).

Quanto à primeira acepção, ele responde que os campos de conhecimento não tem existência isolada, sendo todos interdisciplinares; por isso, tal debate seria ocioso e sem sentido. Em relação ao segundo aspecto, a confluência de disciplinas, o autor entende que sua validação se constitui uma tarefa difícil, pela necessidade de se estudar as disciplinas envolvidas, “sobretudo as vinculações e encadeamentos que fazem interagir estes fornecimentos” para somente depois tirar conclusões sobre a pertinência de tal abordagem (BRAGA, 2011, p. 63).

Mas há, ainda, um terceiro sentido, aquele advindo da metáfora de Schramm, da comunicação como “encruzilhada”, espaço atravessado por diversos saberes, mas sem uma adequada fundamentação de nenhuma parte. Em escritos mais recentes, entretanto, o autor acredita que a interdisciplinaridade já não tem se apresentado dessa forma, como uma maneira frouxa de explicar o campo e, da mesma forma, “já não se aceita que qualquer coisa possa ser alegada como um estudo de comunicação” (2011, p. 63). A partir daí, abre-se um espaço para discussão de interfaces, que ele entende ser um âmbito bastante relevante de estudos com potencialidade para produzir avanços do conhecimento sobre fenômenos comunicacionais, desde que não se perca de vista a necessidade de se identificar o que há de comunicacional nessas interfaces (ex: comunicação e política, comunicação e cultura etc.) (BRAGA, 2011, p. 63).

Martino também faz uma avaliação dos sentidos atribuídos à interdisciplinaridade, ao afirmar que

de um lado, emprega-se a interdisciplinaridade como 1) o concurso de várias disciplinas científicas que se debruçam sobre uma “matéria” comum e empírica (objeto empírico); e de outra parte, o termo se refere à 2) constituição de uma disciplina com objeto de estudo singular a partir de várias contribuições de outras disciplinas (MARTINO, 2001, p. 59)

A primeira definição ilustraria uma postura defensiva ou de prudência de alguns pesquisadores devido ao estágio (precário) da fundamentação da cientificidade da comunicação, mas que essa acepção equivale apenas a enunciar que determinado fenômeno humano pode ser tratado sob diferentes prismas – e que Braga afirma ser um debate ocioso.

O segundo sentido identificado por Martino para a interdisciplinaridade, por sua vez, diz respeito à dependência mútua entre certos saberes específicos, o que não significa a imediata redução de um determinado saber a outro. Como exemplo ele cita a Geologia, que se apoia em postulados da Física e da Química, sem que isso abale sua autonomia. E destaca que

o apoio que a disciplina Comunicação encontra em outros saberes (Psicologia, Sociologia...) não representa, por si só, argumento contra a autonomia dessa disciplina, mas apenas indica a necessidade de uma formulação, precisa, do que viria a ser este saber meta no caso de uma disciplina Comunicação (MARTINO, 2001, p. 62).

Maria Immacolata observa que uma das críticas feitas à interdisciplinaridade é a de que “não obstante reconhecer-se que se constituiu numa forma de abordagem criativa, não teria implicado uma frutuosa fertilização recíproca entre as disciplinas, condição única que faria a interdisciplinaridade merecedora de um maior aprofundamento e desenvolvimento” (LOPES, 2006, p. 21).

Observando tal fragilidade do conceito interdisciplinar e destacando a problematização da atual divisão das disciplinas constituídas (em que são considerados mais os aspectos de efeito prático ou institucional do que a coerência epistemológica) a autora destaca que o conceito de campo favorece uma abordagem menos “rígida” das estruturas disciplinares, ou seja,

os campos de estudo aparecem como um novo padrão emergente a que se pode chamar transdisciplinarização ou pós-disciplinarização, quer dizer, um

movimento para a superação dos limites entre especialidades fechadas e hierarquizadas, e o estabelecimento de um campo de discurso e práticas sociais cuja legitimidade acadêmica e social vai cada vez mais depender da profundidade, extensão, pertinência e solidez das explicações que produza, do que do prestígio institucional acumulado (LOPES, 2006, p. 22).

Tiago Quiroga reconhece um vigor embrionário cujo potencial poderia ser explorado na perspectiva da interdisciplinaridade, contudo condena a forma como ela tem sido praticada e entende que

na verdade, em detrimento de uma ciência interdisciplinar, o que teríamos, hoje, seria uma ampla aceitação da abordagem que legitima uma perspectiva instrumental da comunicação, em que ela aparece, quase sempre, como instrumento, utensílio, aporte de outras disciplinas, o que acaba por circunscreve-la como “lugar de passagem” (QUIROGA, 2010, p.147).

Ainda segundo este autor, “o problema diz respeito à ausência de ontologia própria que faz com que a comunicação, enquanto disciplina, permaneça como rebatedora de fundamentos teóricos de áreas distintas, circunscrita nesse caso à condição de instrumento metodológico” (Idem, 2013, p. 33).

A explicitação desses pontos de vista aponta os questionamentos básicos trazidos pela discussão de campo da Comunicação, tema que está intimamente ligado, em princípio, com o próprio questionamento sobre uma cientificidade possível de ser atribuída ao saber comunicacional.

E, apesar das dificuldades, para efeito do presente estudo, entendemos a comunicação como uma disciplina e acreditamos que há material suficiente nas teorias, discussões e pesquisas realizadas até aqui para seu embasamento. Procuraremos contribuir com o ponto que entendemos – como muitos dos teóricos da matéria – ser o ponto mais fraco: a organização das discussões.

Para Martino “tanto os problemas suscitados pela discussão da polissemia, como aqueles relativos à natureza interdisciplinar da comunicação, passando pela questão de sua cientificidade, todos convergem para o problema da definição de um objeto de estudo relativo a uma saber

específico” (MARTINO, 2001, p.63). A introdução do debate sobre a definição do objeto de estudo da Comunicação é precisamente o que pretendemos empreender a seguir.