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4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER NO BRASIL: O

4.1 Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC)

4.1.4 Intergeracionalidade

A intergeracionalidade diz respeito às interações sociais dos indivíduos de fases distintas (criança, jovem, adulto e idoso). Esse nível de interação precisa ser ampliado para o

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Esses últimos exemplos utilizados pelo autor para descrever os fatores condicionantes são específicos da área da Saúde, já que ele se debruça em suas pesquisas nessa área. Contudo, é possível tomar alguns desses elementos como referências na atuação com políticas intersetoriais em outros setores, por exemplo, no esporte e lazer.

cotidiano desses indivíduos, e não se restringir a atividades pontuais, por considerar que essas experiências podem vir a contribuir na formação humana. A memória de uma sociedade não se faz “somente através de depoimentos de seus idosos, mas nos parece ser uma construção dinâmica, intra e intergeracional, espaço de troca de informações, experiências e vivências, de sujeitos históricos, individuais e coletivos de todas as faixas etárias” (NIGRI, 2002, p. 2). A intergeracionalidade é um viés de mão dupla, que necessita da reciprocidade entre as diferentes gerações, pois será por meio dela que os grupos serão fortalecidos.

O trato com as pessoas de diferentes gerações, por vezes, pode ser complicada e difícil, pois ainda existe certo “pré-conceito” de jovens em relação ao idoso e vice-versa. Os jovens no sentido de desconsiderar os ensinamentos dos mais experientes, já que, na sociedade em que vivem, o ritmo e a forma de vida que têm é bem diferente dos mais velhos. “O estereótipo que constroem da geração dos pais aponta para um padrão conservador, ‘careta’ e autoritário. Quanto aos mais velhos são vistos como repetitivos, chatos e ultrapassados.” (NIGRI, 2002, p. 6). No caso dos idosos, por acharem que os jovens são imediatistas e não têm acumulado experiências suficientes para contribuir com eles na velhice. “Alegam que são vítimas de preconceitos, principalmente dos adolescentes e por isso buscam atividades e amizades dentro de suas próprias faixas etárias.” (NIGRI, 2002, p. 6).

Esses preconceitos são observados no seio familiar e se estendem para além deles, na comunidade, na cidade, na vila, no Estado e no país. Em razão das transformações que a sociedade vem acumulando ao longo de anos, em especial nos aspectos de ordem técnica e informacional, as relações sociais vêm sofrendo consequências como a fragmentação, imediatismo e individualismo. Diante disso, as pessoas passam a ocupar a sociedade de forma segredada, muitas vezes determinadas pela faixa etária, deixando de lado os elementos que se expressam, em conjunto, com a idade: as tradições, os rituais, os saberes; e assim, essas pessoas se fecham para o contato com outras gerações.

Os conteúdos geracionais mediados pelos fenômenos culturais próprios podem identificar a que geração o indivíduo pertence. Havendo modificação desse conteúdo, consequentemente haverá migração do indivíduo de uma geração a outra. De acordo com Nigri (2002, p. 1):

Mesmo que cada geração tenha características e marcas próprias, compartilhadas por toda a sociedade, deve-se observar que as gerações não se apresentam sob a determinação de um único grupo, mas sim como referência aos grupos que formam o conjunto social. Essa síntese seria justamente o conteúdo geracional, ou melhor, através do conteúdo geracional determinados fenômenos culturais acabam simbolizando diferentes grupos etários e, como conseqüência, uma geração inteira.

O conteúdo geracional contempla questões como: solidariedade, amizade, união, esperança e rebeldia, que se remetem a um forte símbolo intergeracional.

Nos aspectos levantados por Nigri (2002), como questões a serem suscitadas por meio dos conteúdos geracionais, a exemplo da solidariedade e união, é possível com a ruptura da sociedade neoliberal e individualista, rompendo ainda com as barreiras do preconceito e discriminação que ocorrem nas relações geracionais. Fato esse destacado por Carvalho (2007, p. 55) ao definir atividades intergeracionais como “espaço em que as diferentes gerações, respeitando as suas diferenças, criam uma história comum, a partir das sabedorias de cada integrante do grupo, respeitando as diversidades e o conhecimento de cada um”.

Importa destacar o conceito de geração trazido por Attias-Donfut (2000) por considerar que ele vai balizar o debate sobre o fator intergeracional. Segundo esse autor, a geração é composta por meio de cinco sentidos:

1. representação de pessoas mediante momentos históricos vividos, ou seja, ocorre por coortes sociais;

2. relações familiares estabelecidas, relacionando a cada posição ocupada por um membro da família;

3. relação cronológica, medida de tempo;

4. geração relacionada com a mudança social, sendo esta determinada pelas mudanças sociais vivenciadas por um coletivo de pessoas desenvolvendo, assim, uma consciência e identidade própria;

5. gerações vistas pelas políticas implementadas às diferentes idades articuladas com as experiências do indivíduo como estudante, trabalhador e aposentado.

Segundo Attias-Donfut (2000), as gerações estão envolvidas continuamente, uma ação que independe do momento histórico em que os sujeitos se encontram, bem como da grandeza dos acontecimentos. Nesse sentido, pode-se afirmar que geração relaciona-se com o lugar que o indivíduo ocupa, a relação deste com o contexto social articulado com o processo histórico. Os indivíduos que se encontram na mesma geração compartilham experiências similares, situações de vida e de oportunidades de trabalho. Existe uma organização, mesmo que não seja instituída por alguém ou órgão, mas pela afinidade de localização social (FORACCHI, 1972).

Na atualidade, é possível constatar que existe um distanciamento entre as gerações, que podem ser causadas pela distância afetiva e a falta de convivência entre as pessoas, a falta de atenção e distanciamento físico entre pais e filhos. Hannah Arendt (2003) destaca que a sociedade de massas é responsável por esse distanciamento entre as pessoas, sem mantê-las

juntas, relacionando-se, considerando a exigência da vida moderna na sociedade de consumo, que exige mais tempo dedicado ao trabalho a fim de obter recursos para consumir produtos, bem como poder zelar por sua sobrevivência/consumos básicos.

Diante do exposto, é possível afirmar que a intergeracionalidade é muito mais do que as relações entre as pessoas de diferentes faixas etárias; ela se relaciona com a troca de experiências e saberes que cada geração traz, troca essa que favorece o repensar dos modos de ser, de agir e de sentir, podendo, ainda, renovar sua visão de mundo e dos sujeitos. Requer diálogo, permite a transformação e reconstrução mútua e recíproca da tradição nos grupos sociais de que faz parte. Por vezes, essas trocas podem contribuir na construção do pacto intergeracional. A intergeracionalidade, conforme Magalhães (2000, p. 41), é o estudo e a “prática das relações espontâneas entre as gerações e da indução e institucionalização de relações intergeracionais, utilizando campos de ação próprios, com métodos e técnicas utilizados por agentes sociais, facilitadores e catalisadores das aproximações e interligações”. Nos programas que desenvolvem ações intergeracionais, é necessário trabalhar com uma metodologia própria, que tenha como orientação inicial uma concepção de grupo como espaço de discussão, reflexão e assimilação de novas atitudes, favorecendo, assim, o respeito à diferença e ao compartilhamento dos saberes em meio à relação interpessoal criada.

Esses programas intergeracionais devem estar preocupados em realizar ações sistemáticas que envolvam diferentes gerações, utilizando como estratégia de aproximação entre os membros do grupo, a discussão e reflexão mediante temáticas de interesse do próprio; pois, ao “estabelecer o diálogo, inicia-se uma proposta de troca de experiências que pode ser muito rica e que pode alcançar resultados relacionados ao resgate da cidadania e à valorização do indivíduo” (CARVALHO, 2007, p. 57).

No caso do PELC, materializar essa diretriz intergeracional é transpor alguns estereótipos criados na vida moderna, de que o idoso não tem mais condição de produzir e apenas ele tem a condição de ensinar aos mais jovens. Quando, na verdade, o idoso mesmo que não esteja mais em uma idade produtiva para o mundo do trabalho, é sujeito e produto da cultura, portanto tem a condição de ensinar e aprender com os mais jovens.

Diante dessa realidade social apontada, é possível apresentar algumas possibilidades de vivenciar a intergeracionalidade no PELC. Nas oficinas cujo interesse seja de diferentes grupos etários, o agente social realiza adaptações às atividades para que todos possam participar; na condução de oficinas temáticas nos eventos do PELC, em que um grupo etário coordene as atividades para outro grupo etário; e ainda em ações pontuais de visitas de um grupo de convivência a outro grupo, com o objetivo de vivenciar outra atividade para além

das que eles já fazem. Essas ações devem estar balizadas no princípio da contemporaneidade, ou seja, estabelecer relação entre o moderno e o tradicional na construção do “novo”; como também na preservação da memória cultural, que está atrelada a uma herança simbólica constituída mediante as experiências vividas pelo sujeito ao longo de sua trajetória.

Como forma de detalhar os passos metodológicos que devem ser seguidos, Ferrigno (2009) sistematiza a sequência de ações que devem ser desenvolvidas pelos agentes sociais nos programas intergeracionais, com vista à sua execução. Inicia com a divisão do espaço por pessoas de diversas gerações, seja para assistir a uma peça de teatro, um filme, etc., tendo em vista que “breves e superficiais trocas de informação sobre a atividade comum ou mesmo um bate papo no intervalo para o café podem ensejar o início de um convívio” (FERRIGNO, 2009, p. 195).

Em um segundo momento, busca-se proporcionar atividades que chamem a atenção das diferentes gerações envolvidas. No caso dos idosos, por exemplo, eles preferem atividades coletivas a individuais; principalmente porque eles buscam interação social, amizade, círculos de convivência. “A companhia e a sociabilidade são essenciais para definir sua ausência ou presença no programa” (MELO; VOTRE, 2013, p. 1.138).

Após essas fases anteriores, será possível realizar ações de intervenção entre os sujeitos de gerações distintas, seja por meio de oficinas, seja por cursos nos quais os sujeitos possam em algum momento ser protagonista da ação no sentido de coordená-la em relação aos demais membros; isso tanto serve para os mais velhos quanto para os mais jovens. Como forma de exemplificação, na oficina de leitura ou “contação” de histórias, os idosos seriam os mediadores, e no caso de uma oficina de informática, os mediadores seriam os mais jovens.

No entanto, existem casos em que os idosos não realizam ações de ordem intergeracional. Segundo Melo e Votre (2013), alguns fatores podem explicar tal posicionamento: o primeiro relaciona-se com a criação dada aos idosos quando criança de que os mais velhos são superiores aos mais jovens, e estes lhes devem obediência; o segundo fator relaciona-se com a diferença dos níveis motores e físicos dos idosos em comparação com o jovem. O idoso, ao se sentir inferior no que concerne ao nível físico ou motor em relação ao jovem, sente vergonha e evita participar da atividade, pois, para o idoso, ele é a pessoa que deve dar exemplo e estar em superioridade.

Esses programas que se propõem a trabalhar com diferentes gerações geralmente se encontram relacionados com a educação não formal e/ou educação informal. A educação não formal compreende-se como todo programa ou atividade que esteja fora do sistema regular de ensino, uma educação que não se detenha em promover a progressão dos sujeitos a níveis

mais elevados de graus e títulos, como ocorre na escola. Contudo, a educação não formal é sistemática e planejada, podendo ocorrer dentro e fora das instituições de ensino, possibilitando o encontro entre gerações na perspectiva de expandir “o universo cognitivo de todos os envolvidos nesses processos” (FERRIGNO, 2009, p. 167).

A educação informal ocorre no cotidiano das pessoas sem a necessidade de uma instituição/órgão que a promova. Sueli Caro (2003, p. 26), em sua tese, apresenta a seguinte definição de educação informal:

1. Processo de aprendizagem contínuo e incidental que se realiza fora do esquema formal e não-formal de ensino. 2. Tipo de educação que recebe cada indivíduo durante toda sua vida ao adotar atitudes, aceitar valores e adquirir conhecimentos e habilidades da vida diária e das influências do meio que o rodeia, como a família, a vizinhança, o trabalho, os esportes, a biblioteca, os jornais, a rua, o rádio, etc. Também é um processo educativo assistemático que ocorre em meio à família, a o ambiente de trabalho, a partir da mídia, em espaços de lazer, entre outros. Abrange todas as possibilidades educativas, no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo permanente e não organizado.

Mediante essas conceituações de educação não formal e informal, no caso do objeto de estudo deste trabalho – PELC –, caracteriza-se como uma educação não formal; por considerar que esse programa do governo federal é executado em parceria do Ministério do Esporte com municípios e Instituições de Ensino Superior (IES) espalhados no Brasil, com o objetivo de democratizar o acesso a essas práticas de esporte recreativo e do lazer, tendo como mediadores dessa educação os agentes sociais de esporte e lazer, atendendo a diversas gerações.

Essas pessoas pertencentes ao programa formam círculos de convivência social inicialmente nas oficinas de que elas participam, mas com o intuito de se relacionarem para além dessas atividades, em grupos em que se sintam “pertencendo a uma determinada geração [...]. Os interesses e as experiências comuns que caracterizam a noção de geração explicam essa necessidade” (FERRIGNO, 2009, p. 72).

Ao pesquisar e escrever sobre essa temática, pude observar que pouco é explorada no Brasil, muitas das pesquisas estão voltadas ao público idoso, mas não correspondem à expectativa em debater e refletir as relações que são estabelecidas entre esse público com as demais gerações e faixas etárias, seja no âmbito teórico, seja nas políticas sociais implementadas nessa perspectiva. Nesse sentido, ampliar o debate acerca da investigação de um projeto social de esporte e lazer, por exemplo, pode vir a contribuir com a produção do conhecimento nessa área.