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4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER NO BRASIL: O

4.1 Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC)

4.1.6 Respeito à diversidade

O debate sobre diversidade transcorre pela percepção, reflexão e intervenção sobre a realidade que transforma as diferenças em desigualdades, indo de encontro ao exercício da cidadania, igualdade de condições e respeito. É óbvio que as pessoas não são iguais; cada uma traz suas marcas genéticas, mas também marcas construídas conforme sua cultura, os valores constituídos, sua história de vida. Sendo assim, como poderia um ser humano ser igual a outro? Como valorizar os sujeitos de forma individual sem segregá-lo no coletivo? São questões para se pensar perspectivando o respeito a essa diversidade, seja ela étnica, de cor, gênero, religiosa, orientação sexual, nacionalidade, classe sociais entre tantas outras.

Diante das questões acima, é possível afirmar que, na diversidade, existe a diferença na igualdade – deve ser respeitado o individualismo e as capacidades de cada sujeito, ideia essa que dá base ao conceito de diversidade. Como também a igualdade na diferença – valorização do homem em qualquer situação; por mais que sejam diferentes, devem ser vistos em pé de igualdade pelas políticas públicas, princípio esse que fundamenta a criação dos direitos humanos.

Como a própria Organização das Nações Unidas (ONU) afirma ao apresentar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em um de seus artigos, o direito à liberdade respeitando a diversidade:

Art. 2. Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça,

de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. (NAÇÕES UNIDAS, 1948, p. 2).

No senso comum, a diversidade relaciona-se com pluralidade, respeito, variedade e diferença, mas para os estudiosos das Ciências Sociais e Políticas Públicas, a diversidade recebe alguns sentidos e significados. Nas Ciências Sociais, utiliza-se a diversidade “para descrever a heterogeneidade de culturas que marcam a sociedade contemporânea, em oposição ao modelo de Estado-Nação moderno, liberal e ocidental” (MOEHLECKE, 2009, p. 463).

Apreendida na dimensão cultural, ela se encontra atrelada aos movimentos sociais de caráter identitário, por exemplo, o movimento negro; movimentos esses que se articulam na defesa das políticas de diferença (TAYLOR, 1994). Esses grupos são definidos na esfera pública como “subalternos” e “minoritários”, lutam para a formulação de políticas que atendam às suas necessidades.

Nas políticas públicas, o termo diversidade apropria-se do discurso de Hall (2003) sobre multiculturalismo60 e se baseia nesse entendimento para formular suas políticas. Como forma de exemplificar a elaboração de políticas públicas baseadas na lógica multicultural, o primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), que, ao propor acabar com a segregação entre os diferentes segmentos sociais, implementa as políticas afirmativas:

medidas especiais e temporárias que têm por objetivo eliminar desigualdade historicamente acumuladas, garantindo igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. (BRASIL, 1996, p. 10).

São exemplos de algumas ações afirmativas: a política de cota para ingresso de negros nas Universidades brasileiras, bolsas de estudo para alunos de escola pública ou da rede privada desde que tenha sido bolsista no ingresso em IES privadas no país – Programa Universidade para Todos (ProUni) –, dentre tantas outras que, na maioria, atingem as políticas educacionais. No entanto, a inserção dessas políticas desarticuladas com a “matriz” do problema torna-se frágil e alvo de críticas por diversos setores.

Nesse sentido seria importante dar atenção a essas políticas de modo que implantasse um trabalho intersetorial, articulado com um trabalho em rede, com vista a debater, refletir e

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“Termo substantivo que se refere às estratégias políticas adotadas para lidar com situações de diversidade geradas em sociedades plurais culturalmente.” (HALL, 2003, p. 53).

tomar decisões políticas para tratar desses assuntos de modo a vencer a discriminação que ainda é gritante, como também propor mudanças.

Outro sentido atribuído à diversidade para além das ações afirmativas e a política de diferenças é a perspectiva da inclusão social61. Nesse âmbito as políticas estão voltadas em defesa de ações de caráter universal e adotam “critérios como renda ou escolaridade para seleção daqueles que serão beneficiados pelos programas do governo” (MOEHLECKE, 2009, p. 479). O foco dessas políticas de inclusão perpassa no atendimento às populações mais desfavorecidas, que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Diferentemente das políticas de inclusão social, as políticas de ações afirmativas:

partem da compreensão de que a situação de pobreza e/ou desigualdade social em que se encontram determinados grupos sociais, como os negros, os índios e as mulheres, não pode ser atribuída apenas aos indivíduos isoladamente, e tampouco à exploração resultante do modo de produção capitalista. Considera-se que formas contemporâneas de discriminação, que veiculam imagens depreciativas de determinados grupos étnicos, raciais ou de gênero, também contribuem para as desigualdades de oportunidades no acesso a bens e serviços na sociedade. (MOEHLECKE, 2009, p. 480).

O entendimento da autora Sabrina Moehlecke revela que, a partir do momento em que implemento uma política voltada para um determinado grupo social, estou favorecendo a desigualdade, pois a inclusão somente existe em razão da exclusão, e esse par dialético não pode ser tratado de forma isolada, em separado. Nesse sentido, os formuladores de políticas devem estar atentos para não reforçar uma situação que estão propondo-se a combater, que é propiciar a igualdade de condições a todos os sujeitos, independentemente de onde eles estejam localizados.

O PELC é um programa que tem dentre seus princípios norteadores a ousadia de inverter o quadro de exclusão social por meio da prática do esporte recreativo e de lazer, e para tal propõe uma política de inclusão com equidade “que reconhece as diferenças, nos desafia a valorizar as necessidades específicas das pessoas e dos grupos, e a nos empenhar no sentido de contribuir com o desenvolvimento social e humano de todos” (BRASIL, 2014b, p. 35).

No próprio documento orientador do programa, por compreender que o trabalho na perspectiva da inclusão não deve ser uma ação isolada, mas compartilhada entre parceiros, há orientação de realização de ações com caráter intersetorial no sentido de atender às necessidades dos sujeitos nos seus diversos aspectos, e o esporte e o lazer não têm condição

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de inverter tal situação se estiverem isolados. “Nessa perspectiva, os projetos sociais podem e devem se configurar como espaços nos quais se respeite a diversidade dos sujeitos e se valorize cada um(a) a partir de suas diferenças pois ser diferente não significa ser desigual.” (GOELLNER et al., 2009, p. 2).

O respeito à diversidade, portanto, deve prezar pelo respeito aos diferentes de modo que zelem pela inclusão social, liberdade, com ações de caráter acolhedor e participativo, visando à superação dos altos índices de exclusão que se encontram postos no dia a dia dos sujeitos, bem como as desigualdades existentes nos contextos sociais históricos dos sujeitos.