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4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER NO BRASIL: O

4.1 Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC)

4.1.1 Trabalho coletivo

Dos materiais bibliográficos consultados para elaboração desta reflexão sobre o trabalho coletivo, praticamente todos retratam essa ação como um ato pedagógico desenvolvido no ambiente escolar. Nesse sentido faço um esforço em aproximar este debate educacional para o âmbito do esporte e lazer, por considerar que os pressupostos teóricos utilizados pelos autores consultados podem ser empregados em qualquer dinâmica pedagógica, seja ela formal, seja não formal.

Autores como Fiorentini (2004), Freire (1987), Guimarães (2007), Marx (1980) e Pistrak (1981) utilizam como pressupostos para refletir a respeito do trabalho coletivo: dialogicidade, cooperação, princípio democrático, participação, ação conjunta, troca. Esses elementos direcionarão nossa reflexão a seguir.

Recorro a Freire (1987, p. 68) para pensar o conceito de coletivo na seguinte expressão: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”. O que o autor afirma é que, à medida que o sujeito ensina, ele aprende utilizando-se do diálogo como elemento de mediação entre os sujeitos, o que possibilita a incorporação de um novo conhecimento que venha a agregar e enriquecer o que o sujeito já possui, iniciando, assim, a dialogicidade.

O diálogo é o mecanismo que move o ser humano na sua construção como ser histórico-social.

ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias. (FREIRE, 2004, p. 79).

O diálogo pressupõe respeito entre os sujeitos, o respeito às ideias, a convivência com as diferenças e individualidades, sabendo que os conflitos de ideias podem contribuir para formar vivências enriquecedoras no grupo, já que a força do coletivo está no reconhecimento das forças individuais e na constituição do sujeito como ser humano no coletivo (GUIMARÃES, 2007).

A dialogicidade é a marca da existência humana na qual os homens educam e são educados em um processo histórico coletivo, é a metodologia para o desenvolvimento do trabalho coletivo, que parte da análise da realidade dos sujeitos (ações e condições reais) com vista a modificar o resultado do processo de construção da própria existência.

O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas condições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação. (FREIRE, 1987, p. 86).

Essa sensibilização proposta por Freire (1987) requer um “olhar” diferente sobre a realidade. O autor considera que os sujeitos organizados coletivamente, ao perceberem as suas condições concretas, articulem os aspectos cognoscitivos mediante sua prática social (ação) na busca de transformar a realidade na qual se encontram inseridos.

Ao voltar o “olhar” para o PELC, percebe-se que ele tem como orientação metodológica os princípios da educação popular, que valorizam a apropriação dos dados da realidade desses sujeitos na perspectiva de modificá-la. Nesse sentido, as atividades desenvolvidas pelo programa devem ter como ponto de partida o reconhecimento da realidade dos sujeitos que nela se encontram inseridos, seja em relação ao conhecimento prévio de algum conteúdo/manifestação cultural específica, seja ainda em relação ao contexto sociocultural que faz parte do cotidiano desses sujeitos e de que forma esse contexto pode vir a influenciar nas atividades de esporte recreativo e de lazer oferecidos pelo PELC.

Esse processo de transformação da realidade passa a ser fortalecido quando os indivíduos têm a consciência de que, embora haja particularidades entre os sujeitos, o foco deve estar voltado para o bem comum. Nesse sentido, as individualidades dão lugar à coletividade, os interesses particulares dão lugar aos interesses comuns e a identidade do grupo passa a ser formada.

O movimento dialógico coletivo descreve a relação dialógica humana por meio do encontro dos sujeitos nas suas diversas relações, no ensinar uns aos outros, problematizando os conflitos, enfrentando as contradições do espaço/tempo e transformando suas realidades. Segundo Guimarães (2007, p. 7), “a dialogicidade propõe o diálogo sistematizado que poderá promover um consenso na dinâmica do trabalho coletivo pedagógico”. O trabalho coletivo, portanto, ocorre na dinâmica social, com seus conflitos e acordos.

Existe um reflexo histórico social no qual o sentido de coletivo é fragmentado, “tudo isso decorre do pensamento capitalista neoliberal que promoveu a construção de um homem individualista, competitivo e adepto ao consumismo” (GUIMARÃES, 2007, p. 8). Desse modo, o enfoque no trabalho coletivo vem perdendo-se, levando o sujeito a uma visão compartimentalizada, o que o impede de ver a realidade. Afinal de contas, o trabalho coletivo propõe uma ação conjunta.

Marx (1980) considera o trabalho coletivo como sinônimo de cooperação e conceitua por meio da quantidade de produção do trabalho humano, natureza essa apropriada pelo sistema capitalista na busca de obter a soma da produção dos trabalhadores. Conforme Marx (1980, p. 374), a cooperação é “a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processo de produção diferentes, mas conexos”. No entanto, o capital se apropria dessa força de trabalho, e por meio das relações de poder existentes, pontuada por Fiorentini (2004) como um dos eixos que diferenciam o sentido e o significado do trabalho coletivo, pode vir a coagir os sujeitos para produção de algo/alguma coisa; pois há aqueles que se organizam coletivamente mediante projetos governamentais ou projetos acadêmicos, e outros que se organizam coletivamente de forma voluntária em função de repensar seu trabalho individual dentro do grupo; compreendendo como voluntária a ação não forjada pelos sujeitos, sem coerção de líderes, espontânea, não obrigatória, tendência de toda e qualquer forma de vida cotidiana (VARANI, 2005).

Essa concepção marxista de cooperação também se refere à realização do trabalho de grupos que trocam ideias entre si, pois o trabalho coletivo não elimina a dimensão individual do trabalho de cada sujeito, mas um individual dentro do coletivo. O individualismo não se anula diante do coletivo, sua individualidade permanece, no entanto passa a existir relações entre os sujeitos, com vista a seguir um processo de construção e afirmação contínua do coletivo ao qual está inserido; como afirma Melucci (2001, p. 69), “a construção de uma identidade coletiva implica investimentos contínuos e ocorre como um processo”.

Não existe concorrência no trabalho coletivo, pelo contrário, há regime de colaboração entre os sujeitos que o fazem em uma ação comprometida com a mudança da realidade.

a produtividade específica da jornada de trabalho coletiva é a força produtiva social do trabalho ou a força produtiva do trabalho social. Ela tem sua origem na própria cooperação. Ao cooperar com outros de acordo com um plano, desfaz-se o trabalhador dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espécie. (MARX, 1980, p. 378).

Todos devem trabalhar em conjunto e se apoiar mutuamente, visando atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo no grupo, pois o trabalho coletivo subtende-se organizar e dirigir um grupo quando for necessário e obedecer quando for preciso. Tal exercício pode ser materializado, por exemplo, na organização de grupos culturais, esportivos e organização de eventos, em que todos assumam responsabilidades no interior da estrutura organizativa e cumpram suas tarefas.

No PELC, o agente social que está diretamente envolvido na organização das atividades cotidianas do programa precisa trabalhar na perspectiva de descentralização das responsabilidades e tarefas. Em uma organização de um evento temático, por exemplo, a formação de comissões de trabalho entre os participantes, considerando suas habilidades, é uma das estratégias que pode ser utilizada pelo programa na busca do fortalecimento do trabalho coletivo, considerando que todos passam a ser responsáveis pelo sucesso ou insucesso da ação.

A partir do momento em que os sujeitos colaboram entre si, tornam-se protagonistas da ação, sua participação é ativa e as responsabilidades deixam de ser centralizadas nos líderes e passam a ser de todos. Pensar em participação coletiva é pensar em democracia, pois o princípio democrático é notável no desenvolvimento do trabalho coletivo. É nesse momento que se exercita o hábito de ouvir, de respeitar a opinião do outro, de apresentar suas opiniões, de argumentar e defender suas ideias e discuti-las. É também a partilha de poder, a descentralização com todo o grupo, a igualdade nos processos de tomada de decisão e encaminhamento das ações.

Pistrak (1981) complementa que, para manter o coletivo, faz-se necessário manter a existência de objetivos, princípios e valores que os orientam; caso contrário há possibilidade de dispersão dos sujeitos. “Os sujeitos formam um coletivo quando estão unidos por determinados interesses, dos quais têm consciência e que lhes são próximos.” (PISTRAK, 1981, p. 137). Isso pressupõe que os sujeitos envolvidos no coletivo, a todo o tempo, precisam manter-se estimulados e focar a ação que pretendem desenvolver, contribuindo com o que lhe é orientado, pois a responsabilidade é de todo o coletivo para com um dos seus membros e de cada um dos membros para o todo coletivo.