• Nenhum resultado encontrado

Intermediação financeira

No documento ESTUDO DAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS (páginas 40-44)

PARTE I – Delimitação e contextualização do tema

2. Atividades de intermediação na lei portuguesa e modelos contratuais que as

2.3 Intermediação financeira

O Código dos Valores Mobiliários (CVM)46 dispõe de um Título VI (artigos 289 a 351) no qual regula a intermediação financeira, assim designando as atividades e os serviços de investimento em instrumentos financeiros, os serviços auxiliares daquelas atividades e serviços, e a gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições (art. 289, n.º 1).

As atividades de intermediação financeira (ainda que com exceções que a lei prevê) só podem ser exercidas, a título profissional, por intermediários financeiros (art. 289, n.ºs 2 e 3)47. O art. 293 elenca as subcategorias desses intermediários. Entre os registados na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários avultam os bancos e as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário, seguidos das sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário, das sociedades gestoras de patrimónios, das sociedades corretoras, das sociedades financeiras de corretagem, entre outras sem expressão48.

O desenvolvimento da atividade faz-se com base em várias figuras contratuais que o Código prevê e regula nos Capítulos II e III (do Título VI). O Capítulo II, intitulado «Contratos de intermediação», prevê e regula os contratos de execução das ordens, gestão de carteira, assistência, colocação, tomada firme, colocação com garantia,

45 Referem-no expressamente, os Acórdãos do STJ de 09/12/93, proc. 083924, BMJ 432, p. 332;

de 17/01/1995, proc. 85913, CJASTJ 1995, I, 25; de 15/11/2007, proc. 07B3569, acessível em

www.dgsi.pt (neste sítio encontram-se também todos os acórdãos dos tribunais portugueses futuramente citados sem indicação de outra fonte). Na doutrina assim acontece, por exemplo, com ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito comercial, p. 682 (também em «Do contrato de mediação», pp. 517-54); MIGUEL CÔRTE-REAL e MARIA MENDES DA CUNHA, A actividade de mediação imobiliária, p. 30; RUI PINTO DUARTE, Tipicidade…, p. 25, nota 34.

46 Aprovado pelo DL 486/99, de 13 de novembro, alterado por vários diplomas até à sua 23.ª

versão produzida pelo DL 18/2013, de 6 de fevereiro. Todos os artigos indicados nesta parte sem indicação de outra proveniência são do CVM.

47 Sobre a validade dos contratos de conteúdo similar aos de intermediação financeira, mas em que

a atividade não é prestada por um intermediário financeiro, e sobre as consequências da ausência de tal qualidade sobre a recondutibilidade ao tipo, v. RUI PINTO DUARTE, «Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários», p. 359.

48 A lista dos intermediários financeiros registados pode ser consultada em http://web3.cmvm.pt/sdi2004/ifs/app/pesquisa_nome.cfm?nome.

41

recolha de intenções de investimento, registo e depósito. O Capítulo III intitula-se «Negociação por conta própria» e trata de contratos financeiros em que o intermediário atua como contraparte do seu cliente, usando a sua própria carteira para executar a ordem do cliente (art. 346), de contratos para fomento de mercado (art. 348), de contratos para estabilização de preços (art. 349) e de contratos de empréstimo de valores mobiliários (art. 350). A distância entre os contratos do Capítulo III e o contrato de mediação não carece de justificação, pelo que vou ater-me a uma breve análise dos do Capítulo II.

A receção, a transmissão e a execução de ordens são serviços prestados por conta de outrem (arts. 290, n.º 1, a) e b), e 325 a 334 do CVM) ao abrigo de um negócio de cobertura, pelo qual o cliente concede ao intermediário os poderes necessários a receber, ou transmitir as ordens com vista à celebração dos negócios de execução que têm por objeto instrumentos financeiros. O negócio jurídico de cobertura é normalmente um contrato de mandato sem representação, podendo constituir também um mandato representativo49. O negócio de execução em que a ordem se integra é, portanto, celebrado por conta, eventualmente também em representação, do cliente, em cumprimento da obrigação assumida no negócio de cobertura.

A gestão de carteira é o «contrato celebrado entre um intermediário financeiro

(gestor) e um investidor (cliente) através do qual o último, mediante retribuição, confia ao primeiro a administração de um património financeiro de que é titular com vista a incrementar a respetiva rentabilidade»50– arts. 290, n.º 1, c), 335 e 336 do CVM.

49 CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, «As transações de conta alheia no âmbito da intermediação no

mercado de valores mobiliários», p. 296 – «Os negócios jurídicos de cobertura podem conferir ou não ao intermediário financeiro poderes de representação. Geralmente ele age em nome próprio, mesmo quando realiza transações de conta alheia, uma vez que, por regra, não pode revelar à outra parte o nome dos seus clientes»; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, p. 581 – o negócio de cobertura «constituirá usualmente um contrato de comissão»; PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores

mobiliários, p. 443 – «A ordem (…) não só se dirige à celebração de contrato transmissivo, como também é resultado de um contrato de mandato, que a enquadra»; FÁTIMA GOMES, «Contratos de intermediação financeira…», pp. 582-3 – «Quanto ao negócio de cobertura, a doutrina entende tratar-se de um mandato, normalmente sem representação, sujeito às prescrições da lei civil sobre o mandato (…) e comercial sobre a comissão (…)»; MENEZES LEITÃO, «Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros», pp. 134-5 – «Em qualquer dos casos [refere-se quer ao negócio que permite a receção, transmissão e execução das ordens, quer ao contrato de gestão de carteira], o negócio de cobertura assim formado institui uma obrigação de o intermediário financeiro praticar atos jurídicos por conta doutrem, sendo por isso um contrato de mandato, que o Código de 1991 determinava que era normalmente exercido sem representação (…), embora pudesse haver atribuição de representação (…). O atual Código não contém um regime tão explícito. Em relação às ordens, a revelação do nome do ordenador fica dependente das condições por ele estabelecidas».

42

Reconduz-se, habitualmente, a um contrato de mandato, que pode ser conferido com ou sem representação, mediante o qual o cliente confere ao intermediário poderes para gerir, por sua conta, uma carteira de ativos financeiros de que é titular51.

A assistência consiste numa mera prestação de serviços auxiliares de caráter técnico, económico e/ou financeiro necessários à preparação, lançamento e execução de uma oferta pública relativa a valores mobiliários – arts. 291, e), e 337 do CVM52.

Os contratos de colocação são «celebrados entre um ou vários intermediários

financeiros e um emitente, pelo qual aquele ou aqueles se obrigam, mediante remuneração, a colocar determinados instrumentos financeiros (“maxime”, valores mobiliários) no âmbito de uma oferta pública de distribuição»53.

Subdividem-se em três modalidades: a) colocação simples, pela qual o intermediário financeiro se obriga «a desenvolver os melhores esforços em ordem à distribuição dos valores mobiliários objeto da oferta pública, incluindo a receção das ordens de subscrição ou de aquisição» (art. 338 do CVM); b) colocação com garantia, pela qual o intermediário financeiro se obriga, ainda, a «adquirir, no todo ou em parte, para si ou para outrem, os valores mobiliários que não tenham sido subscritos ou adquiridos pelos destinatários da oferta» (art. 340 do CVM); c) colocação com tomada firme, pela qual «o intermediário financeiro adquire os valores mobiliários que são objeto de oferta pública de distribuição e obriga-se a colocá-los por sua conta e risco» (art. 339 do CVM).

Em nenhum destes contratos se encaixa o de mediação. Na colocação simples o intermediário compromete-se a prestar serviços, incluindo a eventual prática de atos jurídicos – a receção das ordens que existam. Será, portanto, um misto de prestação de serviço e mandato, este condicionado pela existência futura e incerta de ordens. Na colocação com garantia, acresce a este quadro uma obrigação de aquisição

51 ANA AFONSO, «O contrato de gestão de carteira, deveres e responsabilidade do intermediário

financeiro», p. 57, bem como a doutrina aí referida na nota 4; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos

contratos comerciais, p. 588; MENEZES LEITÃO, «Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros», pp. 134-5. Admitindo a possibilidade de a gestão de carteira não se conformar sempre como mero mandato, nos casos em que as obrigações contratuais assumidas pelo gestor ultrapassam a prática de atos jurídicos, RUI PINTO DUARTE, «Contratos de intermediação…», p. 367.

52 PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, p. 447; FÁTIMA GOMES, «Contratos

de intermediação financeira…», pp. 589-90.

43

condicional54. E a tomada firme consiste numa compra a que se cumulam determinados serviços, nomeadamente de promoção de ulteriores vendas55.

O registo e o depósito constituem contratos auxiliares de prestação de serviço (arts. 291, n.º a) e 343 do CVM)56.

O CVM prevê, ainda, que os intermediários financeiros prestem outros serviços auxiliares, como, por exemplo, elaboração de estudos de investimento, recomendações e consultoria (art. 291, c) e d) do CVM), sem qualquer similitude com a mediação.

No entanto, os contratos de intermediação financeira previstos no CVM não esgotam os possíveis, na medida em que a lei não impôs um regime de taxatividade ou

numerus clausus destes contratos, sendo possíveis outros além dos legalmente previstos57.

Consequentemente, nada impede que um investidor solicite a um intermediário financeiro que lhe encontre contraparte para uma dada transação a ser efetivada diretamente entre o investidor e o terceiro angariado. Esta possibilidade parece estar mesmo prevista no n.º 2 do art. 290 do CVM, quando refere que «a receção e transmissão de ordens por conta de outrem inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação»58 (sem que, no entanto, esta ou outras normas confiram um regime a tal contrato). Nesta situação, o intermediário financeiro atua, a solicitação do seu cliente, como mero mediador.

Todavia, o intermediário financeiro só poderá assumir esse papel em transações

fora de mercado, vulgo OTC (over the counter), porquanto, quando a ordem deva ser executada em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral, o intermediário financeiro responde inevitavelmente pela execução da transação visada, em especial, pela entrega dos instrumentos financeiros adquiridos, pelo pagamento do preço dos alienados, e mesmo pela autenticidade, validade, regularidade e desoneração dos instrumentos financeiros adquiridos (art. 334 do CVM). Estas obrigações, a que não

54 RUI PINTO DUARTE, «Contratos de intermediação…», p. 370.

55 Sobre a natureza mista destes contratos, RUI PINTO DUARTE, «Contratos de intermediação…», p.

370.

56 FÁTIMA GOMES, «Contratos de intermediação financeira…», p. 595; MENEZES LEITÃO,

«Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros», p. 138.

57 RUI PINTO DUARTE, «Contratos de intermediação…», p. 373; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito

dos contratos comerciais, p. 598 (a respeito dos contratos de investimento), p. 614 (a respeito dos contratos auxiliares) e p. 674 (sobre os derivados).

58 Neste sentido JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, p. 582, ao dizer que

a receção e transmissão de ordens por conta alheia «pode também assumir a forma de um contrato de mediação, já que, nos termos do n.º 2 do art. 290 do CVM, tal atividade “inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores, com vista à realização de uma operação”».

44

pode contratualmente escusar-se quando opera em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral (art. 334, n.º 2, do CVM), são incompatíveis com um mero contrato de mediação, na sequência do qual as partes no futuro contrato contratam por elas.

Ainda que não existisse esta obrigação del credere, o próprio «acesso aos mercados e sistemas de negociação multilateral é necessariamente intermediado (art. 206.º, n.º 1), o mesmo sucedendo com o acesso aos sistemas de liquidação (art. 267.º): a transmissão de ordem relativa a instrumentos financeiros faz-se, assim, perante intermediário financeiro habilitado à sua receção e/ou execução (arts. 290.º, n.º 1 a) e 325.º, n.º 1)»59.

Importam-nos duas conclusões: a) à parte a possibilidade de, fora de mercado, transações sobre instrumentos financeiros poderem efetivar-se diretamente entre alienante e adquirente, e como tal poderem estes ter sido aproximados por um mediador, os contratos de intermediação financeira não são contratos de mediação; b) aos eventuais contratos de mediação que tenham por objeto transações sobre instrumentos financeiros não corresponde um regime legal específico.

No documento ESTUDO DAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS (páginas 40-44)