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Mediação processual

No documento ESTUDO DAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS (páginas 57-61)

PARTE I – Delimitação e contextualização do tema

2. Atividades de intermediação na lei portuguesa e modelos contratuais que as

2.10 Mediação processual

Nos últimos vinte e cinco anos, o termo mediação tem sido utilizado em Portugal, e cada vez com maior insistência, para designar uma modalidade dos meios alternativos

de resolução de litígios e tem assento, com esse sentido, em variadíssimos diplomas legais.

Na definição da Lei 29/2013, de 19 de abril, que estabelece os princípios aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública, mediação é a «forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através da qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos»; este, por seu turno, é definido como «um terceiro, imparcial e independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio» (art. 2.º). A mediação é sempre voluntária, passando pela assinatura por ambas as partes e pelo mediador de um protocolo de mediação (arts. 4.º e 16). O mediador é remunerado nos termos acordados entre ele e as partes, responsáveis pelo seu pagamento, sendo a remuneração fixada no protocolo, sem prejuízo do estabelecido para os sistemas públicos de mediação (arts. 29 e 42).

Os princípios e as regras positivados no referido diploma dão continuidade à anterior regulação sobre vários sistemas de mediação, clarificando situações, suprindo omissões, e permitindo uma visão globalizada do instituto.

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Podemos afirmar que, enquanto meio de resolução de litígios, alternativo ao sistema judicial, a mediação atravessou, no nosso país, dois grandes períodos. Um primeiro, situado sobretudo na década de 1990, em que foi principalmente aplicada no âmbito dos conflitos de consumo. Foi uma fase marcada pelo despontar de centros de mediação de consumo, a culminar com o enquadramento legislativo fornecido pelo DL 146/99, de 4 de maio, que criou o sistema de registo voluntário de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos de consumo. Num segundo período, iniciado na primeira década do presente século e ainda em curso, assistimos à proliferação da regulação da mediação para resolver conflitos em vários domínios, alargando-se o instituto a praticamente todas as áreas de conflituosidade.

Esta expansão foi significativamente impulsionada pela Lei 78/2001, de 13 de julho (entretanto alterada pele Lei 54/2013, de 31 de julho), sobre a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz, que estabeleceu o serviço de mediação com duas vertentes: como serviço complementar prestado no âmbito de um processo instaurado num julgado de paz; e como serviço autónomo para quaisquer litígios, ainda que excluídos da competência daqueles, com exceção dos que tenham por objeto direitos indisponíveis. Com a Lei 29/2013, que estabeleceu, como aludido, os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública, e com as alterações introduzidas pela Lei 54/2013 na Lei 78/2001, a mediação externa a processos (tramitados em julgado de paz ou noutros tribunais), passou a ser regulada pela Lei 29/2013.

Entre a Lei 78/2001, que pela primeira vez previu a mediação aplicável a quaisquer litígios sobre direitos disponíveis, e a Lei 29/2013, foram criados sistemas de mediação penal70, familiar71, laboral – seja para dirimir conflitos emergentes de contrato individual de trabalho72, seja para a resolução de conflitos coletivos73 –, civil e comercial74.

70 Lei 21/2007, de 12 de junho.

71 Despacho 18778/2007, de 22 de agosto, do GSEJ.

72 Por protocolo entre o Ministério da Justiça e a CAP, a CCP, a CGTP-IN, a CIP, a CTP e a UGT,

em 5 de maio de 2006.

73 Arts. 526 a 528 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro; antes arts.

587 a 589 do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de agosto.

74 Arts. 249-A a 249-C do CPC, introduzidos pela Lei 29/2009, de 29 de junho, que procedeu à

transposição da Diretiva 2008/52/CE, do Parlamento e do Conselho, de 21 de março, e agora revogados pela Lei 29/2013.

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A mediação vem descrita nos vários diplomas a ela atinentes, ainda que por diferentes palavras, como um processo em que um terceiro imparcial, o mediador, promove a aproximação das partes com o objetivo de que as mesmas cheguem a um

acordo que ponha fim ao conflito que as separa75. Também assim nas várias definições encontradas na doutrina76.

Os serviços do mediador são sempre retribuídos e a remuneração é devida mesmo que as partes não cheguem a entender-se, podendo ser paga pelo Estado a parcela devida pela parte que beneficie de apoio judiciário77.

Esta perfunctória incursão na mediação de conflitos serve-nos de base à aferição das eventuais semelhanças e diferenças relativamente ao objeto da dissertação.

Parece-me sugestivo designar (e não serei a primeira a fazê-lo) a mediação de conflitos por processual, assim a distinguindo da mediação contratual, ainda que as expressões enfatizem aspetos diferentes das duas atividades: na primeira, o conjunto de atos ou o procedimento que conduz ao objetivo de resolução de um litígio; e na segunda, o objetivo em si, a celebração de um contrato.

Ambas as atividades de mediação (processual e contratual) têm na sua origem, por regra78, um contrato, pese embora esse aspeto seja, quase sempre, esquecido no caso da mediação como meio alternativo de resolução de litígios79. Importa-nos, então, em particular, perceber se os contratos que dão vida a estas duas formas de mediação são do mesmo tipo, se de tipos diferentes.

75 Art. 4.º, n.º 1, da Lei 21/2007, de 12 de junho; art. 7.º, n.º 1, do Despacho 18778/2007, de 22 de

agosto, do GSEJ; art. 3.º, a), da Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008 – «processo estruturado (…) através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de um mediador»; art. 2.º da Lei 29/2013.

76 V.g., ANA SOARES DA COSTA, Julgados de paz e mediação, p. 116; MARIANA FRANÇA GOUVEIA,

«Meios de resolução alternativa de litígios: negociação, mediação e julgados de paz», p. 737; JOÃO SEVIVAS, Julgados de paz e o direito, p. 120; LÚCIA DIAS VARGAS, Julgados de paz e mediação, p. 55; JOSÉ VASCONCELOS-SOUSA, Mediação, pp. 14 e 19; DÁRIO MOURA VICENTE, «Mediação comercial internacional», p. 1082.

77 Art. 13 da Lei 21/2007 e Despacho 2168-A/2008, de 22 de janeiro, do GSEJ; art. 6.º, n.º 2, do

Despacho 18778/2007; cláusula 4.ª do Protocolo de Mediação Laboral; Port. 10/2008, de 3 de Janeiro; arts. 25, b), 29 e 42 da Lei 29/2013.

78 Em Portugal, a mediação processual ou é iniciada por solicitação dos desavindos ou, quando é

sugerida por autoridade judicial ou administrativa, implica sempre o assentimento dos interessados (arts. 49, n.º 1, e 16, n.º 1, da Lei 78/2001, art. 3.º, n.ºs 2, 5 e 7, da Lei 21/2007, art. 6.º, n.º 1, do Despacho 18778/2007 do GSEJ, art. 279-A do CPC, art. 4.º da Lei 29/2013). A mediação contratual tem origem no contrato de mediação, mas não se elimina a hipótese do seu início por uma espécie de gestão de negócios, o que justifica, também aqui, a expressão em regra.

79 Assim como também não se nega que ambas as atividades se consubstanciam num

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Existem aspetos fundamentais que são comuns a ambos: o acordo que se estabelece entre as duas partes da relação tem de um dos lados o mediador, pessoa com especiais qualidades; o compromisso do mediador a desenvolver uma atividade orientada para um objetivo de aproximação de posições; a não participação do mediador no resultado visado pela sua atividade; o direito do mediador à remuneração.

Todavia, existem entre os dois contratos duas diferenças necessárias e essenciais. Uma provém de serem diferentes as situações sociais que os motivam: num caso, a existência de um conflito que se pretende dirimir e, no outro, a vontade de celebrar um contrato para o qual não se encontrou ainda contraparte. Em consequência, a função económico-social dos dois contratos é distinta: num caso pôr termo a um conflito por acordo entre os desavindos, e noutro celebrar um contrato (diferente de uma transação)80.

A segunda diferença fundamental resulta de, na mediação processual, o mediador ser retribuído apenas pela sua atividade, independentemente de os mediados virem a entender-se ou não, pelo que o contrato se reconduz a uma simples prestação de serviço. Já na mediação contratual, o direito à remuneração só nasce com a celebração do contrato visado pelo contrato de mediação.

Podem, ainda, nomear-se outras diferenças que são, no entanto, apenas tendenciais: na mediação processual, o contrato é normalmente celebrado entre as duas partes desavindas e o mediador, mas nada impede que seja celebrado apenas por uma delas, com o assentimento posterior da outra em sujeitar-se à atividade; na mediação contratual, por seu turno, o contrato é normalmente celebrado com apenas um dos futuros contratantes, mas nada impede que sejam celebrados contratos de mediação com o mesmo mediador, sobre o mesmo objeto, pelos dois futuros contraentes.

De acrescentar que o mediador processual é equidistante das partes, sendo pressuposto da sua atividade uma atitude imparcial; o mediador contratual, por seu turno, age por conta e no interesse do seu cliente (ainda que esta última afirmação, como veremos em vários momentos, não mereça a concordância de todos).

80 Sobre a relevância da causa enquanto função económico-social do contrato, RUI PINTO DUARTE,

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