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Os resultados obtidos na análise de drogas e metabolitos, em cabelo, podem ser influenciados por inúmeros factores, os quais têm de ser ponderados antes das diversas tomadas de decisão por parte do toxicologista. Salientam-se o modo de preparação, tratamento e análise da amostra, as variações interpessoais, a quantidade e as propriedades dos compostos consumidos, os tratamentos cosméticos dados ao cabelo, a radiação solar e os limites de positividade estabelecidos.

Relativamente ao modo de preparação e tratamento das amostras as opções são inúmeras. A colheita pode realizar-se cortando, o mais junto possível da raiz [193], ou puxando os pêlos/cabelos [24]. O arrancamento permite a inclusão do bulbo, porção que revela os consumos mais recentes, constituindo-se, deste modo, uma amostragem mais completa. Se a opção for a realização de uma análise segmentar, os segmentos mais afastados da superfície corporal correspondem aos consumos menos recentes. A descontaminação da amostra com vista à remoção de substâncias endógenas (via suor e sebo) e exógenas, não específicas, (tratamentos efectuados ao cabelo e contaminantes ambientais) adsorvidas no cabelo [333] tem gerado inúmeras reflexões. Tem-se demonstrado que um cabelo fortemente contaminado não é inteiramente descontaminado pelas lavagens. Além disso, na aplicação de lavagens mais extensivas podem remover-se compostos resultantes do consumo individual [333]. Se por um lado, críticos às análises ao cabelo defendem a impossibilidade de distinguir, adequadamente, entre o uso activo de drogas e a contaminação inadvertida [144], outros autores [206] baseados na ideia que as forças de ligação resultantes de uma exposição ambiental são mais fracas, que as existentes quando as drogas são consumidas, defendem que os contaminantes ambientais, na maioria das circunstâncias, podem ser removidos por lavagens apropriadas do cabelo [204]. Para uma selecção mais ajustada dos procedimentos de libertação e extracção dos compostos da matriz há que atender ao tipo de droga a analisar, à

método a usar subsequentemente para determinação qualitativa e/ou quantitativa [134]. Alguns compostos são quimicamente instáveis sofrendo degradação durante o processo extractivo, o que se reflectirá nos resultados da análise. As metodologias analíticas existentes são diversas, pelo que a opção terá de ser o mais ajustada possível de acordo com os analitos a pesquisar e o objectivo da análise, de forma a garantir a sensibilidade e selectividade necessárias.

A ocorrência de variações interpessoais relativamente ao valor da droga consumida/droga recuperada do cabelo, podem ser imputadas às diferenças na velocidade de crescimento dos pêlos, consequência da sua natureza e localização bem como, do sexo, idade e raça do indivíduo. Torna-se difícil estimar a quantidade de droga consumida em função da quantidade recuperada a partir do cabelo, uma vez que este valor é influenciado pelas características individuais [204]. As amostras alvo de análise poderão ser constituídas por pêlos recolhidos no couro cabeludo (cabelos), na região púbica (pêlos púbicos) [168], axilar (pêlos axilares) [168, 187, 246], facial (barba) [59, 266], ou noutro local da superfície corporal (pêlos do braço) [62]. Preferencialmente a colheita ocorre no couro cabeludo por se verificar uma maior velocidade de crescimento comparativamente a outros locais (Tabela 1.1). A região da coroa (ou vértice posterior), situada na cabeça, é o local mais apropriado para a colheita [24, 102, 167, 170] por possuir maior proporção de folículos em fase anagénica (85%), taxa de crescimento mais elevada [24, 102] e relativamente constante (1 cm/mês) [193] e, também, por ser a menos influenciada pelas variações sexuais e da idade [17]. Apesar das vantagens referidas, o cabelo possui elevada exposição a contaminações ambientais, sofre a influência dos tratamentos cosméticos aplicados, dos elementos climáticos, nomeadamente da luz ultravioleta (UV), bem como a acção das secreções glandulares sebáceas e sudoríparas. A realização de colorações, descolorações ondulações permanentes e desfrisamentos parecem ser responsáveis pela alteração da estabilidade das drogas e metabolitos aprisionados no cabelo, originando uma diminuição na concentração determinada [260]. A radiação UV é dos elementos climáticos mais destruidor, tendo sido observada, em consequência desta radiação, uma diminuição da concentração com o aumento da distância à raiz [255]. É particularmente importante a especificação da natureza do pêlo que se utiliza, uma vez que têm sido determinadas diferentes concentrações de drogas e metabolitos em pêlos púbicos, axilares ou cabelos, pertencentes ao mesmo indivíduo [168, 170]. A cor evidenciada pelo cabelo tem sido invocada para justificar diferentes concentrações de drogas, determinadas em cabelos mais

componentes das células do cabelo, nomeadamente à melanina [310, 324]. No entanto, nas situações de albinismo, a droga é igualmente incorporada no cabelo, ainda que em menor quantidade [310]. Estudos recentes têm evidenciado, para algumas drogas e metabolitos, a inexistência de uma relação significativa entre a concentração determinada e cor do cabelo [205].

Um outro aspecto gerador de alguma controvérsia refere-se à interpretação dos valores resultantes do consumo passivo e inadvertido da droga. Este uso pode produzir o mesmo resultado biológico qualitativo e o mesmo resultado metabólico do “uso com conhecimento”. Parte-se do pressuposto, já anteriormente referido, que o “uso” (a ingestão, inalação, troca de fluidos corporais como sémen ou suor) inadvertido e casual difere do uso activo, na dimensão quantitativa [204]. No uso inadvertido a exposição é em menor grau, salvo em raras excepções, por comparação com a utilização voluntária, normalmente caracterizada por um consumo em larga escala. Um dos problemas que se coloca nesta situação é a definição de um valor que ao ser ultrapassado, o resultado da análise seja rotulado como resultado de diagnóstico positivo. Este valor, vulgarmente designado por limite de positividade (cut-off), é distinto de um positivo técnico o qual é definido pelo limite de detecção da tecnologia analítica (LOD) [204]. Assim, um teste diagnóstico negativo pode resultar de uma amostra tecnicamente positiva. Isto significa que a amostra tem uma quantidade tecnicamente detectável mas inferior ao cut-off. Não há uma resposta técnica uniforme para definir o valor limiar do diagnóstico positivo, sendo controverso o estabelecimento do valor, a partir do qual normalmente se reconhece que as explicações da exposição inadvertida ou passiva são improváveis. Se o cut-off for muito baixo as quantidades detectadas podem corresponder a exposições ambientais; se for elevado podem não ser detectados os casos de consumo ligeiro [24].

A incorporação da droga no cabelo depende da concentração presente no sangue, a qual, por sua vez, é consequência da dose, frequência de consumo e via de administração [107]. No entanto, alguns resultados sugerem que as propriedades físico-químicas das várias substâncias têm igualmente influência na quantidade e taxa de incorporação [261]. A maioria das drogas são bases fracas ou ácidos que estão presentes no sangue em ambas as formas, ionizada e não ionizada. As membranas plasmáticas apresentam baixa permeabilidade a moléculas polares [261]. Assim, as moléculas ionizadas raramente são capazes de penetrar na membrana lipídica das células. São as moléculas livres não ionizadas e suficientemente

referido. Estas moléculas atravessam a membrana por difusão passiva devido à sua solubilidade e à interacção com o ambiente hidrofóbico da bicamada lipídica, sendo o processo directamente proporcional ao gradiente de concentração através da membrana e ao coeficiente de partição lípido/água da droga em causa. No interior da célula a molécula de

droga sem carga pode dissociar-se, dependendo do valor de pKa. Num meio ambiente em

particular, a dependência do pH na dissociação e na solubilidade da substância pode originar distribuição desigual da droga por compartimentos com valores de pH diferentes, favorecendo a acumulação das moléculas básicas indissociadas em compartimentos com elevada

concentração de H+. O ponto isoeléctrico das fibras queratinizadas de cabelo é próximo do

pH 6 e indica a natureza ácida do cabelo [261]. Está demonstrado que as drogas básicas tais

como a COC (pKa=8,6), MOR (pKa=8,1) e AP (pKa=9,9) são facilmente incorporadas a partir

do sangue (pH 7,4) para o cabelo (pH 5,5), por oposição aos compostos ácidos tais como o

∆9-THC-COOH com um baixo pK

a [53].

Regra geral, as drogas surgem no cabelo 4a 7 dias após o seu consumo ficando retidas

por forças iónicas [328]. Deste modo, as diferenças de carga da droga afectam a quantidade retida. Uma vez que o cabelo contém aminoácidos carregados negativamente, as espécies

aniónicas tais como o ∆9-THC-COOH são pouco retidas [328], enquanto que as substâncias

catiónicas tais como as tintas para cabelo e a maioria das drogas de abuso, podem ligar-se em elevadas concentrações [328]. Por vezes a baixa razão de incorporação das drogas ácidas é compensada pela elevada concentração sanguínea que pode ser centenas de vezes superior à das drogas básicas.

No cabelo abundam aminoácidos que formam ligações transversais S-S (ex. cistina) estabilizando o entrelaçado da fibra proteica. As drogas que se difundem para o cabelo podem ligar-se deste modo, no entanto este mecanismo é sobretudo mais favorecido para os catiões divalentes que podem formar rapidamente ligações covalentes directas, estáveis [107].

1.1.4 - Vantagens e desvantagens do uso do cabelo comparativamente ao