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5.2 DA INTERPRETAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO COMO MEDIDA EXCEPCIO NAL

No documento DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ACRE (páginas 130-133)

Luis Gustavo Medeiros de Andrade

5.2 DA INTERPRETAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO COMO MEDIDA EXCEPCIO NAL

Um posicionamento bastante moderno é aquele esposado pelo doutrinador Fernando Galvão, o qual en- tende que o artigo 4º, da Lei da Reforma Antimanicomial revogou tacitamente o artigo 97 do Código Penal. Ora, se a internação deverá ser considerada como a medida excepcional para a Lei n. 10.216/01, então, na aplicação das medidas de segurança, a medida de segurança de internação deverá, também, ser a exceção. Assim, a medida de segurança de tratamento ambulatorial deverá ser considerada como a regra das medidas de segurança. Nesses termos, GALVÃO (p. 902):

No caso das medidas de segurança, o mesmo raciocínio aplica-se. Não será admis- sível a internação hospitalar quando baixar o tratamento ambulatorial. A medida de segurança não é instrumento de vingança, mas de recuperação do indivíduo (artigo 99 do CP). Principalmente após a Constituição Federal de 1988, que traz ex- presso o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamental para a nossa sociedade, a interpretação dos dispositivos constitucionais deve ser outra: o trata- mento ambulatorial, quando o suficiente, prevalece sobre a internação hospitalar. Se o crime praticado for punível com pena de reclusão, a internação hospitalar deverá manter-se apenas quando constatada a sua necessidade. Não havendo ne- cessidade, a internação afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e por

isso deve ser considerada inconstitucional. Nesse sentido, o art. 4º, da Lei 10216/01 promoveu a inversão da regra instituída pelo Código Penal, revogando o disposto em seu artigo 97: a regra é o tratamento ambulatorial, devendo a internação hos- pitalar ser reservada apenas aos casos de comprovada necessidade, quando os recursos extra-hospitalares forem insuficientes.

Merece destaque que Lei n. 10.216/01 possui status de lei ordinária, tal como o Código Penal. Logo, tam- bém está correta a interpretação temporal de que a Lei da Reforma Psiquiátrica teria derrogado o art. 97 do Código Penal, tendo em vista de que é lei ordinária posterior ao Estatuto Penal Repressivo. No mais, o referi- do entendimento se coaduna com tudo o que foi defendido neste artigo científico, diante do meta-princípio de que qualquer internação deverá ser medida excepcional.

5.3 DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO APENAS PARA CASOS ENVOL- VENDO CRIMES VIOLENTOS

Um posicionamento mais moderado é defendido pelo doutrinador Juarez Cirino dos Santos, que enten- de que a medida de segurança de internação não deve ser adequada para todos os crimes puníveis com re- clusão, devendo os casos de internação ser reservados apenas para a imposição em casos de injustos penais praticados com violência ou grave ameaça. Nesse sentido, vejamos o que diz SANTOS (p. 615):

(...) a medida de segurança estacionária de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico deve ser fundar em prognóstico de fatos puníveis com violência grave ou ameaça de violência: é insuficiente a cominação de pena de reclusão do tipo de injusto realizado, porque o prognóstico de crimes de bagatela ou de crimes patrimoniais como furto e estelionato, por exemplo, não justifica a aplicação de medida de segurança estacionária, na linha da melhor doutrina con- temporânea. (...)

Com efeito, o referido entendimento encontra isonomia com os mais modernos dispositivos legais que tratam sobre alternativas penais, que preveem, em geral, um tratamento penal mais brando para crimes sem o envolvimento de violência ou grave ameaça.

Ademais, se o artigo 14, item 2, da Convenção da ONU Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência de- termina a adaptação razoável da legislação de modo a garantir a igualdade de oportunidade dos deficientes com as demais pessoas, é forçoso reconhecer que o referido dispositivo convencional deve determinar a aplicação de medida de segurança de tratamento ambulatorial para os injustos penais praticados sem violên- cia ou grave ameaça, da mesma forma que seria aplicado se o agente fosse plenamente imputável.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Reforma Psiquiátrica, principalmente com o advento da Lei n. 10.216/01, importou em grande inovação para os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e tem ampla aplicabilidade para as pessoas submetidas às medidas de segurança.

Deve ser entendido que os artigos 96 a 99 do Código Penal fazem parte de um microssistema que trata das pessoas portadoras de transtornos mentais. Nesse sentido, se aplicam às pessoas submetidas as medidas de segurança todos os direitos básicos constantes no artigo 2., da Lei n. 10.216/01.

Ademais, o artigo 4., da Lei n. 10.216/01 claramente se aplica às pessoas submetidas às medidas de se- gurança devendo a medida de internação ser excepcional. Ademais, o ordenamento jurídico deve permitir uma progressão da medida de internação para o tratamento ambulatorial, tendo em vista que tal dinâmica se coaduna com sistema progressivo do Código Penal, da LEP e do princípio constitucional da individualização da pena, além de permitir o retorno gradual da pessoa portadora de transtorno mental ao convívio social.

Pessoa com Deficiência, que é norma hierarquicamente superior ao Código Penal, determina a adaptação razoável da legislação, determinando que o juiz criminal aplique a medida de segurança de tratamento am- bulatorial para os injustos penais praticados sem violência ou grave ameaça, da mesma forma que seria apli- cado se o agente fosse plenamente imputável.

Entretanto, em razão da Lei n. 10.216/01 não ter aplicabilidade direta no Direito Penal, a referida lei ainda é pouco conhecida pelos operadores do Direito Penal, de modo que sequer é mencionada por muitas obras do assunto. Assim, ainda que os posicionamentos doutrinários citados neste artigo possuam alguns anos de publicação, a carência de publicação específica acerca do assunto os torna “doutrina minoritária”, podendo ser facilmente ignorados por um juiz criminal. Na prática, os operadores do direito que atuam na execução penal costumam utilizar unicamente a redação do Código Penal, no que diz respeito às medidas de seguran- ça, prejudicando demasiadamente os direitos do internado, bem como seu rápido retorno ao convívio social. Dessa forma, é de extrema importância para as pessoas submetidas às medidas de segurança que os operadores do direito que atuam junto à execução penal conheçam bem os dispositivos legais da Lei n. 10.216/01, e todo o aparato de direitos que a referida lei assegura ao internado na medida de segurança.

Por fim, cumpre salientar que este trabalho representa apenas o início da investigação científica, de modo que é relevante o incremento da pesquisa sobre o tema com a tendência de posicionamentos jurispruden- ciais que tenham aplicado as soluções ora apresentadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERLINK, Manoel Tosta; MAGTAZ, Ana Cecília; TEIXEIRA, Mônica. A reforma psiquiátrica brasileira: perspectivas e problemas. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 11, n. 1, p. 21-27, 2008.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 24.ed. São Paulo, Saraiva, 2018.

CUNHA, Rogério Sanchez. Manual de direito penal: parte geral. 5.ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica. 5.ed. São Paulo: Atlas,

2014.

GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e psicologia criminal. 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais,

2013.

No documento DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ACRE (páginas 130-133)