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4 JURISPRUDÊNCIAS NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

No documento DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ACRE (páginas 77-82)

Paulo Michel São José Tainan Portela Madeiro

4 JURISPRUDÊNCIAS NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

É possível verificar, que a atuação do Judiciário perante os psicopatas não é, de nenhuma forma, unâni- me. Alguns juízes entendem que o indivíduo psicopata é semi-imputável, devendo ser aplicada alguma me- dida de segurança. Por sua vez, há que entenda, também, serem os psicopatas completamente imputáveis, merecendo rigorismo na pena por conta de sua personalidade.

Para a Justiça Brasileira, quando um indivíduo comete um crime, o que deve ser analisado, é se, no mo- mento do ato, ele tinha condições de entender o que estava fazendo. Os psicopatas normalmente, planejam o crime detalhadamente e não agem por impulso.

O atual Código Penal adotou a teoria biopsicológica, pela qual o praticante do crime deve ser portador de um transtorno mental tão grave que não compreende o caráter ilícito de sua ação. A teoria une o ele- mento biológico e o elemento psicológico que é a influência causada pela doença no momento em que o crime foi cometido.

A mera alegação de transtorno mental não auxilia na redução de pena. O juiz, antes do julgamento, de- terminará a instauração de um procedimento chamado Incidente de Insanidade Mental, onde o acusado será submetido a uma avaliação da Junta Médica do Poder Judiciário que fará uma série de exames para consta- tar se, ao tempo do crime, ele tinha habilidade de compreensão da ilicitude e capacidade de controlar seus impulsos. Se constatado que o sujeito agiu sob influência do transtorno, não haverá a pena, mas sim medida de segurança.

Não há nenhuma lei, decreto, portaria, regulamento ou congênere que mencione, mesmo que indireta- mente, a psicopatia. Isso apenas reforça e demonstra a incipiência do tema no Brasil, que aparece aos poucos e em casos isolados. A Lei de Execução Penal (Lei 7210/1984) menciona, em alguns pontos, a realização de exames criminológicos, por exemplo, a fim de individualização da execução (artigo 8º) e com vista a analisar o internado (artigos 100 e 175).

A nossa legislação penal brasileira não possui disposição específica para a figura do psicopata, possuindo apenas a prisão e a medida de segurança como a melhor alternativa para a ressocialização do indivíduo, porém, essa não se mostra adequada. O tratamento ambulatorial não deveria ser aplicado, uma vez que seria nulo, não havendo patologia a ser tratada.

Nos Estados Unidos alguns crimes são punidos através da pena de morte, o que diminui significativamen- te a criminalidade, não sendo para o Brasil a melhor solução, uma vez que, o pais não está preparado cultu- ralmente e não possui meios para apurar a culpabilidade de forma plenamente concreta, criando, a princípio, uma prisão especial para esses indivíduos, oferecendo todo o suporte médico e psicológico, amenizando a tendência a crueldade.

Discutir o instituto da culpabilidade aplicada ao psicopata se mostra uma análise extremamente específi- ca, que demanda não só o estudo doutrinário do tema, mas também como ele é entendido e aplicado pelos Tribunais pátrios, tendo em vista que a lei não regulamente concretamente como será entendida a respon- sabilidade penal de um criminoso portador de transtorno de personalidade antissocial.

Nesta senda, o trabalho buscou colher os entendimentos de todos os tribunais estaduais brasileiros, além dos Tribunais Superiores – STF e STJ – na tentativa de vislumbrar quão homogêneo, ou não, é a maneira como os aplicadores do direito resolvem problemáticas que figuram como réu um psicopata.

Foi observado, ainda, que em inúmeros casos a psicopatia do réu só vem à luz na análise do pedido de progressão de regime ou de liberdade provisória, momento em que se faz o exame criminológico. A conse- quência é a não libertação do reeducando, ou progressão de seu regime, de sua pena privativa de liberdade, aplicada ao réu imputável.

Em Habeas Corpus de n° 0000812-38.2010.8.03.0000 que analisava a ilegalidade de uma prisão preven- tiva, o Desembargador amapaense Constantino Brahuna aduziu a possibilidade do réu ser portador da psi- copatia, apontando como sanção adequada a medida de segurança. Observa-se, portanto, que a psicopatia, aqui, foi considerada requisito para a inimputabilidade.

Bom, o estupro é uma conduta que se insere no campo das doenças mentais, não em doença mental propriamente dita, mas psicopatia. Nos Estados Unidos da Amé- rica, na França, na Dinamarca, na Noruega, na Austrália o tratamento que se dá, como as psicopatias nunca progridem para a cura, tendem sim para o agravamen- to, mas nunca para a cura (...). Veja-se que chegou à conclusão que a psicopatia, ela não progride para a cura (...) isto é, pode levar para internamento, para subme- ter a qualquer outro tipo de tratamento. Paciente, na hora em que tiver liberdade, vai voltar a reincidir na mesma prática. (...)

Assemelha-se ao Habeas Corpus de n° 146026/2013, julgado pelo Tribunal de Justiça Mato-grossense, em que a possível psicopatia do réu seria analisada em autos de incidente de insanidade mental requerida pela própria defesa, soando como uma tentativa de declarar o acusado inimputável.

O Tribunal de Justiça do Piauí em Habeas Corpus de n° 201200010002643, na mesma senda, também decretou a inimputabilidade de réu portador de personalidade antissocial, mas neste caso, o estado clínico do acusado acrescia-se de outras doenças mentais que o tornavam por completo incapaz de perceber a ilicitude e autodeterminar-se, não deixando dúvidas acerca de sua culpabilidade.

HABEAS CORPUS. AMEAÇA E PORTE DE ARMA DE FOGO. INCIDENTE DE IN- SANIDADE MENTAL. PACIENTE SUBMETIDO A TRATAMENTO MÉDICO. PERI- CULOSIDADE CESSADA. MANUTENÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA DE SEGU- RANÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Na decisão que decretou a preventiva, foi determinada a realização de exame psiquiátrico, sendo diagnosticado que o paciente era inteiramente incapaz, razão pela qual foi expedido, em 06/10/09, mandado de internação compulsória. Assim, encontra-se o acusado com a sua liberdade restringida há mais de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, tendo cumprido mais da metade da pena máxima cominada em abstrato 2. O art. 97, § 1º, do CP, permite concluir que as medidas de segurança têm prazo indeterminado, perdurando enquanto não for atestada a cessação da peri- culosidade do agente. Na espécie, observo que estão presentes nos autos o lau- do que diagnostica “Transtorno de personalidade antissocial” (F 60.2 da CID – 10) acrescido de “psicóticos breves e transitórios esquizofreniformes” (F 23.1 da CID) às fls. 88/91, concluindo ser inimputável pleno, e, ofício às fls.101, do Hospital Areolino de Abreu, comunicando alta médica.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que reconheceu a personalidade psicopática atestada em exame psicológico, mas entendeu ser a condição incapaz de retirar do acusado a capacidade de perceber a ilicitude do ato, bem como a exigibilidade de conduta diversa.

O tribunal da citação supra, todavia, defendeu a diminuição da culpabilidade em virtude da psicopatia, assim como foi observado nos tribunais do Distrito Federal, Minas Gerais (neste, em apenas um acórdão).

Através de uma apelação julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi possível ter acesso ao trecho do Laudo de Exame Psicológico que atesta o transtorno de personalidade antissocial, que relata com- prometimento na autodeterminação oriunda de seu estado clínico.

É portador de perturbação da saúde mental (transtorno da personalidade antis- social ou dissocial), condição que à época do evento não comprometia sua ca- pacidade de entendimento, mas comprometia parcialmente sua capacidade de determinação. Necessita de tratamento psiquiátrico e psicológico, a princípio por tempo indeterminado, em local de onde não possa evadir-se. Requer também o acompanhamento do Serviço Social competente desse Tribunal. Tem periculosida- de elevada e vinculada ao seu transtorno mental.

Em Habeas Corpus de n° 70058132671 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também aplicou tal interpretação:

APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ABOR- TO PROVOCADO POR TERCEIRO. LATROCÍNIO TENTADO. IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA. TRANSTORNO ANTI-SOCIAL DE PERSONALIDADE. REDUÇÃO OBRIGATÓRIA DA PENA. NÃO INCIDÊNCIA DA PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA. 1. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. DELITO DE LATROCÍNIO TENTADO. NÃO RECONHECIMENTO. (...) 2. TRANSTORNO ANTI- -SOCIAL DE PERSONALIDADE. IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA.REDUÇÃO OBRIGATÓRIA DA PENA. 2.1. As modernas classificações internacionais conside- ram as psicopatias como transtornos da personalidade e as definem como alterações da forma de viver, de ser e relacionar-se com o ambiente, que apresentam desvios extremamente significativos do modo em que o indivíduo normal de uma cultura determinada percebe, pensa, sente e particularmente se relaciona com os demais. O transtorno antissocial de personalidade coincide com o que tradicionalmente se denomina psicopatia. As personalidades psicopáticas se enquadram no rol das per- turbações da saúde mental, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, regulando-se conforme o disposto no parágrafo único do art. 22, do Có- digo Penal. 2.2. Comprovado pelo laudo psiquiátrico que o réu ao tempo do crime padecia de transtorno antissocial de personalidade, a redução de pena é obrigatória, o que é facultativo é o quantum maior ou menor (1/3 a 2/3) dessa diminuição de pena. 2.3. A consequência legal da capacidade relativa de culpabilidade por pertur- bação da saúde mental ou por outros estados patológicos, é a redução obrigatória da pena, pois se a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, então a redu- ção da capacidade de culpabilidade determina, necessariamente, a redução da pena. Argumentos contrários à redução da pena no sentido do cumprimento integral da pena são circulares, inconvincentes e desumanos porque o mesmo fator determina- ria, simultaneamente, a redução da culpabilidade (psicopatias ou debilidades mentais explicariam a culpabilidade) e a agravação da culpabilidade (a crueldade do psicopa- ta ou débil mental como fator de agravação da pena). Não incidência na medida em que o legislador não atuou de maneira deficiente, mas sim ponderada.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO. UN NIME.

Ressalta-se que o entendimento adotado nestes julgados segue a doutrina majoritária – como pode ser lido na ementa supra -, que defende a aplicação do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal ao criminoso psicopata, atendo-se à tese de que embora tenha potencial consciência da ilicitude do fato, não é possível exigir-lhe conduta diversa. A consequência seria a redução da pena, neste caso.

Dos 34 acórdãos encontrados no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, nenhum versou sobre a psicopatia na seara criminal. Os dois julgados que analisaram a questão com maior profundidade eram pe- didos de interdição, providos no sentido de incapacitar civilmente o criminoso de personalidade antissocial, levando a crer que em caso de análise de culpabilidade, o STJ consideraria o acusado inimputável.

copatia”, utilizados atecnicamente no sentido de doente mental, como se observou, também, em tribunais estaduais.

A pesquisa realizada sobre o posicionamento adotado na jurisprudência pátria detectou que os Tribunais tradicionalmente entendem da mesma forma, classificando como semi-imputável o agente criminoso porta- dor do Transtorno de Personalidade Antissocial.

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