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8 INTERPRETAÇÃO DO SENTIDO ATRIBUÍDO À ATES À LUZ DAS DIRETRIZES OFICIAIS

QUADRO 8: O QUE OS AGRICULTORES ESPERAVAM DOS SERVIÇOS DE ATES

8 INTERPRETAÇÃO DO SENTIDO ATRIBUÍDO À ATES À LUZ DAS DIRETRIZES OFICIAIS

Diante da análise e discussão dos depoimentos, faz-se necessária uma síntese comparativa do sentido atribuído ao serviço de ATES por agricultores, técnicos e coordenadores da Copserviços e representante do INCRA, em relação às proposições oficiais do programa de assessoria.

Agricultores e técnicos percebem que o serviço de ATES está relacionado, de alguma forma, ao atendimento a direitos, havendo reconhecimento do empenho e do papel educativo, informativo e mediador dos profissionais.

A falta de capacitação dos técnicos foi questionada por ambos e os técnicos são conscientes de que a sua formação acadêmica não oferece preparo para lidar com a complexa dinâmica da agricultura familiar. Nesse ponto, deve-se discutir a formação do extensionista, diante da grande expectativa que se tem em torno da ação destes profissionais nas políticas de intervenção no meio rural elaboradas pelo MDA. A eles se atribui um papel para com os agricultores, um papel de medição entre as comunidades e as políticas públicas, papel de organização social dos assentamentos, além de se envolverem nas questões técnicas, sociais e ambientais referentes ao cotidiano dos PAs. Contudo, segundo CAPORAL & RAMOS (2006), os cursos de formação de profissionais para atuação no meio rural continuam reproduzindo o modelo de transferência de tecnologia oriundos da Revolução Verde.

“As instituições de ensino deveriam repensar o processo de formação, as grades curriculares e as metodologias de ensino, de modo que os profissionais possam estar preparados para os desafios da nova realidade” (p. 6).

A exigência oficial de no mínimo um técnico para 100 famílias também foi questionada por todos os grupos, devendo-se discutir as possibilidades de flexibilização das normativas diante de especificidades regionais.

Todos os grupos pesquisados identificaram as dificuldades em se prestar um serviço de melhor qualidade devido às questões financeiras. Os problemas de repasse de recursos à cooperativa foram apontados como entrave para a realização dos serviços. Mesmo que um dos coordenadores da cooperativa e o representante do INCRA tenham ressaltado que o programa de ATES é muito interessante, este problema constitui-se limitação profunda, dentre todas as outras já inerentes ao contexto político, estrutural e social encontrado nos assentamentos.

Percebe-se também que agricultores sem crédito Pronaf são pouco assessorados em relação aos que acessaram os créditos, demonstrando ter menos conhecimento a respeito das

funções dos extensionistas. Levanta-se então a questão de como as prestadoras podem tornar os serviços igualmente acessíveis a todos os beneficiados.

Foi reivindicado pelos agricultores e técnicos de campo melhor infra-estrutura e maior participação dos governos nos assentamentos para se obter melhores resultados com a ATES. A precariedade estrutural torna-se expressivo obstáculo para a atuação dos assessores nos assentamentos, além de trazer uma série de limitações, que vão desde a geração de renda até a adoção dos princípios agroecológicos nos processos de intervenção junto às famílias, como sugerido em uma das hipóteses desta pesquisa. A agroecologia é proposta pelo MDA como a base de um novo paradigma tecnológico para os processos de intervenção no campo e para o desenvolvimento rural brasileiro. Entretanto, no contexto aqui pesquisado, é algo novo. Por parte dos técnicos não há domínio suficiente para repassar ou trabalhar a agroecologia junto aos agricultores. Além disso, a falta e as más condições das estradas são outro aspecto da precariedade estrutural mencionada e que afeta a conversão agroecológica. O interesse dos agricultores em desenvolver atividades como a bovinocultura de corte intensifica-se - mesmo causando maior degradação ambiental - pelo rápido retorno econômico e maior facilidade de escoamento e comercialização da produção. Essa situação compromete as iniciativas e a tentativa de diversificação de atividades produtivas da agricultura familiar, fazendo com que alguns lotes tendam à monocultura de gado. Há, também, necessidade de maiores prazos para se atingir o retorno econômico em atividades de cunho “mais” agroecológicos, como cultivo de açaí, cupuaçu, criação de galinha caipira, por exemplo. Soma-se a esses limites a pressão de empresas com interesses em monoculturas vegetais em áreas de assentamento. A relação dos agricultores com as florestas é outro condicionante da perspectiva agroecológica, pois não trazem de seus lugares de origem a cultura de exploração sustentável das matas. Por isso, a prática produtiva comum é desmatar para plantar as lavouras de subsistência. Tudo isso vem constituindo-se em grave empecilho para que a agroecologia se torne uma realidade no sudeste paraense.

A postura autoritária do extensionista para com os agricultores foi evidenciada em alguns depoimentos, o que demonstra que ainda há um perfil autoritário na ação de alguns técnicos, mesmo havendo consciência da função social, educativa, ambiental e cultural como aspectos importantes da parte deles. Esta postura se distancia daquilo que se espera destes profissionais, pela concepção de intervenção do MDA e mesmo, pelo Movimento Sindical.

Agricultores e técnicos e coordenadores da Copserviços esperam que o serviço de ATES resulte para as famílias em melhoria de vida, de renda, em resolução de problemas das comunidades e demonstram preocupação com demandas ambientais e sociais. Nesse sentido,

é atribuída aos técnicos grande responsabilidade para que ocorram as mudanças esperadas. Os agentes de ATES destacam a ausência do Estado, mas atribuem a si mesmos a maior parte das responsabilidades para a melhoria dos serviços, exigindo maior capacitação e empenho de si.

Da parte dos agricultores, há expectativa de que ocorra melhoria da capacitação dos técnicos e há percepção de que o serviço é importante, pois traz benefícios e melhorou a situação dos PAs depois da chegada dos assessores. Por outro lado, percebe-se a reivindicação por mais ações governamentais e maior penetração do Estado, devendo haver ação de “forças maiores” para que se alcancem os benefícios esperados.

As relações de confiança e amizade que envolvem os extensionistas e os trabalhadores rurais puderam ser evidenciadas, demonstrando que esse tipo de interação entre ambos é relevante para a realização desse tipo de trabalho e que, para muitos técnicos, essas interações são o que mais valorizam em sua atuação profissional.

A junção do conhecimento acadêmico com o conhecimento prático dos trabalhadores rurais foi apontada como algo importante na realização dos trabalhos.

Ambos não dominam as diretrizes oficiais dos serviços, mas pela prática, os objetivos se concentram de alguma forma em garantia de direitos e benefícios para as famílias. Nesse sentido, ressalta-se os fatores ideológicos que influenciam os trabalhos, por ser um serviço vinculado a um movimento social. Há congruência da atuação da cooperativa com a proposta do MDA no que se refere ao compromisso com o fortalecimento da agricultura familiar, mesmo em meio a dificuldades e adversidades. A boa relação entre técnicos e agricultores, além do reconhecimento do esforço dos assessores, podem ser vistos como potencialidades.

Considerando as diretrizes oficiais da ATES, pode-se afirmar que não está sendo possível assegurar às famílias assentadas o acesso a um serviço de qualidade e em quantidade suficiente, como prevista na diretriz básica. A qualidade está sendo comprometida por uma série de fatores, dos quais destacam-se a precariedade estrutural nas áreas assessoradas, a capacitação profissional dos técnicos, as dificuldades com as questões ambientais já mencionadas, os problemas de repasse de verbas do Governo Federal. Também a quantidade não está sendo suficiente, pois a relação de no mínimo um técnico para 100 famílias não permite que o profissional garanta o assessoramento a todas, o que ficou evidente na opinião de todos os entrevistados.

“... promover a viabilidade econômica, a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental das áreas de assentamento, tendo em vista a efetivação dos direitos fundamentais do trabalhador rural...” (BRASIL, 2004, p. 7).

Apesar do documento não discutir o conceito de “sustentabilidade ambiental” a que se refere, pode-se perceber, pelos depoimentos analisados, que esta sustentabilidade não está sendo atingida, por vários motivos. Dentre eles, destacam-se: o avanço da pecuária dentro dos assentamentos; a ação de empresas descomprometidas com a diversificação produtiva da agricultura familiar, propondo às famílias assentadas projetos aparentemente interessantes economicamente à custa de formação de monocultura de eucalipto nos lotes; ao desmatamento de áreas de mata pelos agricultores para garantirem a sua própria “segurança alimentar” - segurança que deve ser promovida, segundo a própria diretriz - mas que está sendo mantida às custas da derrubada de matas para formação de roças de subsistência.

A viabilidade econômica também não está sendo alcançada, em decorrência da precariedade das condições estruturais dos PAs e pelas condições das famílias. A falta de estradas já foi apontada como um entrave para a comercialização dos produtos, além de que muitos agricultores ainda não acessaram linhas de crédito que possibilitem desenvolver atividades para geração de renda.

Partindo para a discussão da “efetivação dos direitos fundamentais do trabalhador rural”, os depoimentos demonstram que, se forem observadas as condições de educação, de saúde, de moradia, de eletrificação rural e das estradas nos assentamentos, além da violência que envolve a realização dos trabalhos, a efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores rurais, na prática, está muito aquém do que se espera pela proposta oficial.

O que se percebe, quando se compara o sentido atribuído pelos agricultores e técnicos com algumas diretrizes oficiais do Serviço, é uma distância entre o que é proposto e o que ocorre na prática de sua implementação.

A ação de todos os que estão envolvidos neste processo deve ser discutida, com ênfase para a ação do Estado que, ao propor políticas públicas com vistas em tantas mudanças, não pode se manter tão ausente em um contexto regional marcado por tantas desigualdades e conflitos.

Pode-se dizer que a realização do serviço de ATES na região é um trabalho complexo, pelas condições materiais, pelas condições em que ocorre a ação no campo, pelo contexto político envolvido por trás destas ações. O convívio com a violência é constante e tanto a segurança, como a estabilidade profissional dos técnicos, são limitadas por essas condições e também por problemas institucionais entre Estado e entidade não-estatal.

Com este trabalho, ficou claro que a forma com que se estabelece a parceria entre o INCRA e a Copserviços para a execução da ATES, por meio de convênios temporários, apresenta implicações que limitam a efetividade de implementação deste serviço.

No sudeste paraense, o projeto de desenvolvimento rural apoiado no fortalecimento da agricultura familiar com diversificação produtiva e na execução da reforma agrária disputa espaço com pelo menos outros quatro projetos antagônicos, apoiados em monoculturas extensivas, tais quais a pecuária bovina de corte, a exploração de madeira nativa (realizada legalmente e, também, ilegalmente), a monocultura de eucalipto para produção de carvão destinada às empresas siderúrgicas e o avanço da monocultura de soja.

Vários obstáculos ao desenvolvimento da agricultura familiar são inerentes a esse ambiente de disputas sócio-políticas, econômicas e ambientais. Além disso, os problemas de repasse de recursos federais à prestadora vêm sendo o principal entrave para o alcance dos objetivos e melhoria dos serviços de ATES na visão dos assessores, dos coordenadores da cooperativa e do técnico do INCRA. O que ocorre na prática é atraso no repasse das parcelas dos convênios, atrasos que chegam até a oito meses, situação que causa, dentre outros, transtorno em todo o planejamento de trabalho, prejudicando as questões administrativas da prestadora, a manutenção do quadro profissional e os trabalhos junto aos agricultores. Essa situação contribui significativamente para que os serviços sejam prestados de forma bastante precária, o que prejudica os agricultores que deveriam ser os principais beneficiários.

Os coordenadores da Copserviços são cientes das vantagens da parceria para a cooperativa e para o Movimento Sindical, da importância de sua participação na gestão social no âmbito de uma política pública. Também são cientes das vantagens para o Estado em terceirizar suas ações e absorver para dentro do programa a experiência profissional construída em parte pelo Movimento Sindical.

Mas é importante salientar que ao Estado cabe cumprir com várias obrigações que não vêm sendo cumpridas. Ao terceirizar o serviço de assessoria para assentamentos rurais, o Estado se isenta de qualquer obrigação trabalhista com os agentes de ATES, ficando a cargo da instituição contratada responder por essas obrigações. Mas sua isenção, no contexto aqui pesquisado, está muito além disso. A ausência do Estado se faz notória na precariedade de infra-estrutura nos PAs, na falta de garantia de direitos e de segurança a agricultores e lideranças sindicais ameaçados de morte, bem como na impunidade aos mandantes de assassinatos de trabalhadores rurais ao longo dos anos. E também, mais diretamente relacionado ao Serviço de Assessoria à Reforma Agrária, o Estado brasileiro não vem cumprindo com o provimento de recursos nos processos de descentralização.

A descentralização das políticas públicas é uma iniciativa que pode ser interpretada como um reflexo de maior democratização do país. Porém, o descumprimento de normas estabelecidas para ocorrer este processo reduz as possibilidades de êxito destas políticas.

A descontinuidade no repasse de verbas por parte do INCRA, além das dificuldades em renovar os convênios vêm, há anos, se constituindo no principal entrave para que uma instituição não-estatal, como a Copserviços, possa assegurar o cumprimento de seu plano de trabalho, possa assegurar a manutenção de seu quadro profissional e possa assegurar a prestação do serviço de assessoria às famílias assentadas, que deve ser o foco maior de todo o processo de parceria.

A ATES na Copserviços não caracteriza a efetivação de uma proposta de privatização de um serviço público, porque essa instituição não é voltada para fins lucrativos, em razão de seu envolvimento e compromisso político e ético com uma rede de entidades articuladas no Movimento Sindical.

No entanto, poderá ocorrer uma proposta de privatização de um serviço público, quando uma prestadora de serviço for uma instituição caracteristicamente privada, cuja principal objetivo seja o lucro e a acumulação de capital. Nesse caso, essa prestação de serviços seria uma gestão capitalista dos recursos públicos. Esse tipo de orientação não caracteriza a gestão da Copserviços, mas caracteriza a gestão de outras instituições cadastradas para prestarem serviço de ATES na região.

Estando na condição de um serviço regulado na forma de contratos temporários, podendo ser prestado ou não, a ATES vem sendo executada por instituições que apresentam distintas orientações, princípios e objetivos entre si. Isso faz com que não haja, necessariamente, por parte de várias dessas entidades voltadas para o lucro, um compromisso com a sustentabilidade e com a melhoria das condições de vida nas comunidades atendidas. Mas quando uma ação pública definir-se como um direito voltado pra a sustentabilidade e garantia de cidadania aos beneficiários, os critérios para participação no arranjo institucional Estado-instituição não-estatal deverão contemplar esse compromisso, de forma que as instituições envolvidas no processo tenham maior responsabilidade com as conseqüência de suas ações de intervenção a longo prazo.