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A interpretação dos tribunais pátrios acerca da temática: análise de casos jurisprudenciais

2 A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 11.719/2008 NA JUSTIÇA MILITAR

2.4 A interpretação dos tribunais pátrios acerca da temática: análise de casos jurisprudenciais

Analisando-se a jurisprudência dos tribunais nacionais e estaduais brasileiros trazidos a seguir, fica evidente que as discussões e os debates são antigos e ficaram ainda mais acirrados com as inovações da Lei nº 11.719/08 com relação à

aplicabilidade da inversão do interrogatório do acusado na justiça castrense. Foram diversas decisões divergentes sobre o tema proposto, tanto pelos juízes militares e de direito em primeiro grau de jurisdição, dos Tribunais Militares, do Superior Tribunal Militar, do Superior Tribunal de Justiça, bem como no competente Supremo Tribunal Federal.

De forma resumida, vê-se que o interrogatório do acusado na justiça militar castrense na maioria dos casos ainda permanece como o primeiro ato da instrução criminal em razão de previsão expressa no Código de Processo Penal Militar (BRASIL, 1969), para tanto, se colaciona a ementa a seguir, no julgamento do Habeas Corpus nº 00001108420157000000 MS, pelo Superior Tribunal Militar:

HABEAS CORPUS. INVERSÃO DO INTERROGATÓRIO. FINAL DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PLEITO ANCORADO EM RITO ESTABELECIDO PELA LEI Nº 11.719/2008, QUE ALTEROU O ART. 400 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PRIMAZIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE, CONSAGRANDO A PREVALÊNCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL MILITAR - ART. 302. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. DECISÃO MAJORITÁRIA. É vedada a aplicação subsidiária da legislação

processual penal comum perante a Justiça Castrense quando houver previsão expressa sobre a matéria no Ordenamento Jurídico Militar, disciplinada de forma diversa, por força do princípio da especialidade. O próprio CPP, nas alterações que resultaram na mudança do interrogatório pelo art. 400, pontificou, no art. 394, § 2º, que o procedimento comum, previsto naquele Código, torna-se aplicável, "salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial". No caso, há peculiar sistemática estabelecida no CPPM, a partir do art. 302, a qual, dando notoriedade a esse regramento específico, consolida seus aspectos diferenciais. Assim, o Processo Penal Militar não comporta, isoladamente, a realização do interrogatório tão somente ao final da instrução criminal, nos moldes do vigente art. 400 do CPP, sem que subverta ou comprometa o concatenamento dos atos processuais estatuídos no CPPM. A adoção das disposições da Lei nº 11.719/2008 na JMU transmutaria toda a sistemática estabelecida no CPPM, criando, sem respaldo, instrução criminal anômala e desajustada à índole do Processo Penal Militar o que, como consequência, fragilizaria o referencial acerca do devido processo legal. A jurisprudência desta Corte Castrense firmou o

entendimento de que a alteração do art. 400 do CPP, trazida pela Lei nº 11.719/2008, não se aplica à JMU (Súmula 15/STM). Para que o ato judicial seja declarado nulo, a demonstração do efetivo prejuízo causado às partes é indispensável (art. 499 do CPPM). (BRASIL, 2015, grifo nosso).

Adverte-se que os julgados ora vistos, que negam a aplicabilidade da lei nº 11.719/08 na justiça castrense, trazem à baila em favor da especialidade o desajuste ou a afronta à índole do processo penal militar como justificativa para tal, içando assim, curiosidade sobre o que seria esta índole.

O Promotor da Justiça Militar da União de Santa Maria, RS, Jorge Cesar de Assis (2009, p. 23 e 24, grifo nosso), a descreve assim:

Deve ser considerado que a chamada índole do processo penal militar está diretamente ligada àqueles valores, prerrogativas, deveres e obrigações, que sendo inerente aos membros das Forças Armadas, devem ser observados no decorrer do processo, enquanto o acusado mantiver o posto ou graduação correspondente. Fazem parte da índole do processo penal militar as prerrogativas dos militares, constituídas pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus militares e cargos [...] No entanto, razoável supor que não ofendem a índole do processo penal militar o fato das partes poderem pedir esclarecimentos ao réu quando do interrogatório; nem

mesmo a inversão da ordem para a oitiva do réu [...]

Percebe-se assim, que para o promotor e doutrinador Jorge Cesar de Assis, a inversão do interrogatório do réu não ofende a índole do processo penal militar, no sentido de que é razoável a aplicação trazida pela lei nº 11.719/08 ao art. 400 do Código de Processo Penal Comum para o Código de Processo Penal Militar.

No entanto, cabe lembrar que, na prática, permanece a prevalência do princípio da especialidade da justiça castrense em detrimento da comum, senão vejamos um recente julgado do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CRIME. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. ART. 535 DO CPC. INTERROGATÓRIO. MOMENTO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. Não havendo omissão, obscuridade ou contradição, não há que se acolherem os embargos de declaração, nos termos do art. 535 do CPC. O acórdão deste Tribunal de Justiça Militar teceu considerações acerca de todas as teses defensivas deduzidas na apelação, inclusive dando provimento parcial ao recurso defensivo para absolver os acusados do crime de falsidade ideológica com fulcro no art. 439, “e”, do CPPM. Destaca-se que a defesa inova quanto à tese do momento do interrogatório, porquanto não tratou do assunto na sessão de julgamento nem tampouco nas razões do recurso de apelação, fazendo-o somente agora, nos lindes dos embargos declaratórios. De qualquer modo, com relação à

alteração da redação do art. 400 do CPP comum, determinada pela Lei nº 11.719/08, transferindo o interrogatório do réu para o final da instrução processual, deve prevalecer o princípio da especialidade em face do comum, vale dizer, não há nulidade processual na espécie, porquanto o Código de Processo Penal Militar prevê, especificamente, o momento para a realização do interrogatório do réu. Precedentes. Embargos rejeitados. Unânime.

Também participaram da sessão de julgamento os Juízes, Cel. Antônio Carlos Maciel Rodrigues, Cel. Paulo Roberto Mendes Rodrigues, Cel. Fábio Duarte Fernandes, Dr. Amilcar Fagundes Freitas Macedo e a Dra. Maria Emília Moura da Silva. Foi presente a Procuradora de Justiça Dra. Maria Ignez Franco Santos. Sala das Sessões do Tribunal de Justiça Militar do Estado, em Porto Alegre, Julgamento em 08/07/2015. (RS, 2015, grifo nosso).

Destarte, sobre este mesmo entendimento acerca da especialidade da justiça castrense por pura e expressa previsão legal na legislação processual penal, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo julgou o Habeas Corpus nº 002429/2014, in verbis:

“Habeas Corpus”. Pedido liminar. Anulação do Interrogatório dos Acusados. Aplicação subsidiária do art. 400, do CPP. Denegada. Ausência de “fumus boni iuris” e “periculum in mora”. Decretação “ex officio” do sobrestamento do feito criminal de fundo. Princípio da economia processual. Mérito. Interrogatório como 1º ato da instrução processual. Devido Processo Legal. Inteligência dos arts. 3º e 302, do CPPM. Vigente o art. 302 do CPPM, não cabe a aplicação da

sistemática processual penal comum, nos termos da legislação aplicável, consoante a remansosa jurisprudência das Cortes Especializadas. Órgão Julgador: 2ª Câmara. Relator: Paulo Prazak.

Decisão Unânime. Julgamento em 06/02/2014. (SP, 2014, grifo nosso).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais igualmente se posiciona em relação à questão do momento do interrogatório no processo penal militar, considerando a sua especialidade, conforme se observa na Correição Parcial nº 74 a seguir:

CORREIÇÃO PARCIAL – APLICAÇÃO DA LEI 11.719/08 NA