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O interrogatório do réu no procedimento especial dos crimes militares e os princípios do contraditório e da ampla defesa

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Academic year: 2021

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NEUCIR MARTINS

O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO PROCEDIMENTO ESPECIAL DOS CRIMES MILITARES E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Santa Rosa (RS) 2017

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NEUCIR MARTINS

O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO PROCEDIMENTO ESPECIAL DOS CRIMES MILITARES E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Patrícia Borges Moura

Santa Rosa (RS) 2017

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Dedico este trabalho à minha família, principalmente à minha esposa, pelo apoio, incentivo e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

À minha esposa, Fabiane, que sempre esteve presente, me incentivou, apoiou e que está ao meu lado em todas as batalhas da vida, pessoa cоm quem аmо partilhar а vida. Cоm você tenho mе sentido mais vivo dе verdade. Obrigado pelo carinho, а paciência е pоr sua capacidade dе me trazer pаz nа correria dе cada semestre.

À minha filha Bianca e ao meu filho Felipe, pequenos anjos de luz que Deus mandou para iluminar momentos obscuros e fonte de inspiração na busca de melhores conhecimentos, e pеlаs alegrias, tristezas е dores compartilhadas. Cоm vocês, as pausas entre υm parágrafo е outro dе produção melhora tudo о qυе tenho produzido nа vida.

À minha orientadora, MSc. Patrícia Borges Moura, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, me conduzindo pelos caminhos do conhecimento. Obrigada pela paciência na orientação segura e inteligente.

Aos Professores, que com toda a sua dedicação, conseguiram cumprir seu papel de educadores, tentando, a partir do conhecimento, fazer desse mundo um mundo melhor e nos transformar em profissionais respeitáveis e íntegros.

Aos meus irmãos, que sempre estiveram presentes na minha vida e que de alguma forma me auxiliaram nessa fase, muitas vezes trazendo incentivo e animação aos momentos difíceis.

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“Quem não luta pelos seus direitos não é digno deles”. Rui Barbosa

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma abordagem sobre o tema da aplicabilidade da Lei nº 11.719, de 20 de Junho de 2008, analisando se ela foi ou não recepcionada pela legislação castrense, com a inversão do interrogatório do réu para o final da instrução do processo à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, usando o método hipotético dedutivo de pesquisa a partir de análise doutrinárias e jurisprudenciais. O mesmo analisa o histórico-normativo juntamente com a evolução do entendimento jurisprudencial, conceituando a ampla defesa, com especial enfoque à defesa pessoal, exercida por meio do contraditório judicial. Além disso, há uma análise da eficácia temporal da referida lei, sua aplicabilidade aos processos em curso quando da sua entrada em vigor e a necessidade de realização de novo interrogatório, segundo a jurisprudência pátria. Já ao final da pesquisa, faz-se um estudo do histórico, da composição e da competência da Justiça Militar, de acordo com o previsto na Constituição Brasileira de 1988, além de avaliar se o interrogatório deve ser o último ato da instrução criminal na justiça castrense, bem como verificar a interpretação dos tribunais pátrios acerca da temática.

Palavras Chaves: Justiça Militar Estadual. Interrogatório do réu. Contraditório. Ampla Defesa.

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ABSTRACT

The present work of conclusion of course approaches the subject of the applicability of Law 11,719 of June 20, 2008, analyzing whether or not it was approved by the military legislation, with the inversion of the defendant's interrogation to the end of the instruction Of the process in the light of the constitutional principles of the contradictory and ample defense, using the hypothetical deductive method of research based on doctrinal and jurisprudential analysis. The same analyzes the normative-normative along with the evolution of the jurisprudential understanding, conceptualizing the ample defense, with special focus to the personal defense, exercised through the judicial contradictory. In addition, there is an analysis of the temporal efficacy of said law, its applicability to the proceedings in progress at the time of its entry into force and the need for a new interrogation, according to the jurisprudence of the country. At the end of the research, a study is made of the history, composition and competence of the Military Justice, according to the Brazilian Constitution of 1988, as well as assessing whether the interrogation should be the last act of criminal investigation in justice As well as to verify the interpretation of the courts on the subject.

Key Words: State Military Justice. Interrogation of the defendant. Contradictory. Wide Defense.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 09

1 O INTERROGATÓRIO JUDICIAL E O SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS... 11 1.1 O sistema acusatório de garantias e a Constituição Brasileira de 1988.. 12 1.2 Os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e o direito a defesa pessoal... 16 1.3 Natureza jurídica do interrogatório judicial e as alterações da Lei nº 11.719/2008... 18 1.4 Eficácia temporal da Lei nº 11.719/2008: sua aplicabilidade aos processos em curso quando da entrada em vigor e a necessidade de realização de novo interrogatório... 22

2 A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 11.719/2008 NA JUSTIÇA MILITAR... 27 2.1 A Justiça Militar e a Constituição Brasileira de 1988: histórico, composição e competência... 30 2.2 O procedimento previsto para a instrução nos processos julgados

pela Justiça Militar e o princípio da

especialidade... 36 2.3 A (in)aplicabilidade da Lei nº 11.719/2008 ao Código de Processo Penal Militar: deverá o interrogatório ser o último ato da instrução criminal?... 39 2.4 A interpretação dos tribunais pátrios acerca da temática: análise de casos jurisprudenciais... 44

CONCLUSÃO... 54

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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu art. 5º, incisos LIV e LV, garante aos acusados e litigantes em geral o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Com raras exceções, a CF/88 não faz distinção entre o cidadão militar e o cidadão comum no que tange à garantia dos direitos fundamentais dispostos no art. 5°, impondo-se, desta forma, a observância da norma constitucional aos processos administrativos instaurados no âmbito das Corporações Militares.

De fato, antes da Carta Magna de 1988, o devido processo legal era realidade prática apenas nas esferas penal e civil, sendo aplicado na Administração Pública somente após a previsão legal nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. Ainda assim, de forma tímida e gradativa, em especial, na Administração Militar no âmbito das Corporações Militares Estaduais, que herdaram do regime militar princípios antagônicos ao regime democrático de direito, que perduram até hoje, conforme observa Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2003) ao afirmar que nos processos administrativos militares, as garantias constitucionais têm sofrido limitações em nome da hierarquia e da disciplina. Desta forma, as normas militares devem respeito à Constituição Federal de 1988, que se encontra no ápice da hierarquia das leis.

É nesse sentido o objetivo do presente trabalho de pesquisa, para verificar se, no âmbito da Justiça Militar Estadual do Estado do Rio Grande do Sul, os preceitos constitucionais do contraditório e ampla defesa, têm sido efetivamente observados nos seus respectivos processos, e em que medida a Lei nº 11.719/2008, de 20 de junho de 2008, que modificou o artigo 400 do Código de Processo Penal Brasileiro,

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em especial no que tange ao momento oportuno para o interrogatório judicial, foi recepcionada pela legislação castrense1. Em não tendo sido recepcionada, mantendo-se o interrogatório judicial antes do início da instrução criminal para a persecução penal dos crimes militares, será que se poderia afirmar a existência de violação ao sistema processual penal constitucional, que é o acusatório de garantias?

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o primeiro capítulo tem por objetivo analisar as mudanças trazidas pela lei nº 11.719/08 ao Código de Processo Penal Brasileiro, no que diz respeito à inversão do interrogatório do réu para o final do processo criminal, considerando a sua natureza jurídica, o sistema acusatório de garantias à luz dos princípios da ampla defesa e do contraditório, objeto deste estudo.

No segundo capítulo, busca-se delimitar mais o assunto para abordar o histórico, a composição e a competências da Justiça Militar Estadual com a Constituição Federal de 1988. E, assim, verificar qual o procedimento previsto para instrução criminal nos processos julgados pela Justiça Militar e o princípio da especialidade, além de conferir a (in)aplicabilidade da Lei nº 11.719/2008 ao Código de Processo Penal e, por fim, considerar a interpretação dos tribunais pátrios acerca da temática.

Para a realização da pesquisa foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos a fins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes de corroborar ou refutar as hipóteses levantadas e que atinja os objetivos propostos na pesquisa; b) leitura e fichamento do material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; e d) exposição dos resultados obtidos nesta pesquisa. A relevância jurídica da temática dá-se no sentido de adequar o procedimento especial dos crimes militares, previsto no CPPM, ao sistema acusatório de garantias, previsto na Constituição Brasileira de 1988.

1 Palavra oriunda de castros, acampamentos militares; pequenos povoados fortificados, da época pré-romana.

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1 O INTERROGATÓRIO JUDICIAL E O SISTEMA ACUSATÓRIO DE GARANTIAS

Inicialmente, cabe ressaltar que a temática possui especial relevância no processo penal brasileiro, que foi revitalizado pela Lei nº 11.719/082, para se aproximar do modelo constitucional vigente, no sentido de tornar a legislação infraconstitucional e, por consequência, o processo penal, mais conforme aos ditames do verdadeiro Estado Democrático de Direito, sobretudo no que diz respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL).

A legislação alteradora do Código de Processo Penal, antes mencionada, entre outras modificações, alterou o momento para realização do interrogatório judicial e, com isso, ressaltou ainda mais posição doutrinária já consolidada, de que referido ato processual constitui-se em verdadeiro meio de defesa, e não de prova, como constava no CPP. Assim, no que tange ao momento oportuno para a realização do interrogatório judicial, em sendo realizado após o conhecimento pelo réu e por sua defesa técnica da imputação que lhe é dirigida, bem como das provas que a sustentam, oportunizar-se-á a escolha da melhor estratégia para a defesa pessoal perante o juiz criminal.

E, a partir dessa alteração, a dúvida surgida refere-se à aplicabilidade ou não desse entendimento aos ritos especiais, em especial aos crimes militares. Nesse sentido, os entendimentos são bastante controvertidos.

Segundo Mariana Lucena Nascimento (2014) ao abordar o interrogatório judicial como meio de defesa do acusado, acerca da aplicabilidade da inovação trazida pela Lei nº 11.719/2008 ao processo penal militar, entende que:

A Constituição Federal de 1988, promulgada em um contexto de ruptura político-jurídica com o regime autoritário, fez a clara opção,

2 Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, as quais têm por escopo homenagear os princípios da celeridade e, por consequência, da duração razoável do processo, bem como do contraditório e da ampla defesa aos procedimentos contemplados no diploma. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11719.htm>. Acesso em: 17 out. 2016.

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no que diz respeito ao exercício do poder punitivo do Estado, pelo sistema acusatório.

Não há como negar que a opção pelo texto constitucional brasileiro se deu pelo sistema acusatório como padrão em razão da instrução criminal contraditória, tendo como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, confiadas às figuras diferentes, em razão das divisões claras nas tarefas de acusar, defender e julgar, levando em consideração princípios fundamentais como o direito à ampla defesa do réu, em razão do período democrático em que foi promulgada a nossa Constituição Federal de 1988.

Contudo, não se pode esquecer que o interrogatório já não é visto mais como antes, como mero meio de prova, mas também como meio de defesa pessoal do réu, oportunidade que ele tem de apresentar, diretamente ao juiz, sua versão dos fatos que lhe são imputados e influir na formação da convicção do julgador.

Nesse contexto, para antes da abordagem direta da problemática que ensejou a presente pesquisa, qual seja, avaliar se a alteração do art. 400 do CPP, previsto ao rito comum ordinário, que modificou o momento do interrogatório judicial, remetendo-o para o último ato da instrução criminal, deverá ser aplicada na justiça castrense. Isso porque, considerando que o CPPM tem previsão de um rito próprio para os crimes militares, e prevê, em seu art. 302, o interrogatório a ser realizado antes mesmo do início da fase instrutória, é importante analisar o modelo processual penal previsto constitucionalmente e os princípios que o integram, com especial enfoque aos princípios da ampla defesa e do contraditório, a fim de que se possa verificar a necessidade de adequação da legislação infraconstitucional ao sistema acusatório de garantias.

1.1 O sistema acusatório de garantias e a Constituição Brasileira de 1988

A partir da análise dos conceitos que identificam os sistemas processuais, pode-se afirmar que o sistema processual penal adotado no Brasil é o acusatório. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL) e o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) recepcionaram esse sistema, pois este é o mais adequado para um Estado Democrático.

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Avena (2011, p. 10) discorre que o sistema acusatório tem essa nomenclatura porque “ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja narrado com todas as suas circunstâncias.” Dessa acusação, o réu tem direito de se manifestar, alegando o que lhe couber de fato.

Ainda, Avena (2011, p. 11) aduz que o sistema acusatório também comporta a garantia da isonomia processual, ou seja,

[...] que acusação e defesa devem estar em posição de equilíbrio no processo, sendo-lhes asseguradas idênticas oportunidades de intervenção e igual possibilidade de acesso aos meios pelos quais poderão demonstrar a verdade do que alegam.

Portanto, o sistema acusatório, com base nos seus traços históricos, caracteriza-se, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (2010, p. 119-120, grifo do autor), como:

[...] a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo (ne procedat judex ex officio); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permittitur”; g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, em geral, cabe ao Ministério Público. Mas não desnatura o processo acusatório o permitir-se ao ofendido ou ao seu representante o jus accusationis [...].

Já Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 116) refere que o sistema acusatório

possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.

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Nesse sentido, Paulo Rangel (2010) aponta como características principais do sistema acusatório: a separação das funções de acusar, julgar e defender; a publicidade dos atos processuais (a exceção é que determinados atos podem ser sigilosos); o contraditório e a ampla defesa integram toda a ação penal; o juiz tem livre convencimento para julgar de acordo com as provas dos autos e; o juiz é imparcial.

Para Avena (2011, p. 15), o sistema acusatório está presente em várias normas da CF,

[...] em especial aquelas que referem a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX) e as garantias da isonomia processual (art. 5º, I), do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório, da ampla defesa (art. 5º, LV) e da presunção de inocência (art. 5º, LVII).

Nucci (2010), por sua vez, aduz que o sistema penal adotado no Brasil é o misto, pois é registo por um Código Penal de 1941, o qual tem características do sistema inquisitivo. Posteriormente então surgiu a Constituição Federal de 1988, a qual introduziu princípios do sistema acusatório. Assim, o CPP e CF estão em vigor, evidenciando, no entendimento do autor, o sistema misto.

Bonfim (2010) também defende esse posicionamento ao aludir que o sistema penal brasileiro se divide em duas partes, no qual o inquérito policial é a primeira parte (inquisitório), e a ação penal é a segunda parte (acusatório). Da junção dessas duas partes se forma o sistema misto, que vai da fase extrajudicial à judicial.

Assim, para alguns doutrinadores, há no ordenamento processual penal “uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória, e uma fase final, na qual se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório.” (CAPEZ e COLNAGO, 2009, p. 23). E essa fusão da persecução penal, em momentos distintos, como o da investigação preliminar e o da instrução criminal, em especial pelo modo de ser do inquérito policial, enquanto procedimento investigatório mais comumente utilizado, sem a necessária observância do princípio do contraditório, é que justifica, no entender

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desses autores, dizer que o sistema adotado no Brasil é o misto ou acusatório formal.

Acompanhando o pensamento sobre o chamado sistema misto, que nasce com o Código Napoleônico de 1808 e a divisão do processo em duas fases, a pré-processual, de caráter inquisitório e a processual de caráter acusatória, assevera Aury Lopes Jr (2015, p. 45 grifo do autor), por ser misto,

é crucial analisar qual o núcleo fundante para definir o predomínio da estrutura inquisitória ou acusatória, ou seja, se o princípio informador é o inquisitivo (gestão da prova nas mãos do juiz) ou acusatório (gestão da prova nas mãos das partes);[...]

Avena (2011, p. 15, grifo do autor) ressalta que os seguidores dessa corrente (de que o sistema penal brasileiro é o misto) afirmam que a Constituição Federal de 1988 manteve algumas características do sistema inquisitivo, como por exemplo, o juiz pode “[...] produzir provas ex officio, prevista genericamente no art. 156 do CPP e ratificada em várias outras disposições do mesmo Código e da legislação complementar.”

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (BRASIL).

Nessa senda, a Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Crime Nº 70067641688, julgada em 31/03/2016, decidiu que, enquanto o Código de Processo Penal de 1941 não se declare em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, o sistema processual penal será o misto, ou seja, acusatório e inquisitório. Igualmente, ainda relata que a cada alteração legislativa vem se observando a introdução do caráter acusatório na investigação criminal.

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Contudo, o entendimento majoritário na doutrina é de que o sistema acusatório é o vigente atualmente no Brasil. Além disso, a Constituição Federal de 1988 é a norma maior, a qual deve ser seguida por todos, e é posterior ao Código de Processo Penal brasileiro. Portanto, tudo leva a crer que o processo penal brasileiro é acusatório, dentro dos vários princípios garantidos ao acusado ao longo da persecução criminal e da instrução processual. E, nesse sentido, serão a seguir analisados os princípios do contraditório e da ampla defesa, com enfoque ao direito à defesa pessoal, o qual é exercido, no mais das vezes, por meio do interrogatório judicial.

1.2 Os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e o direito a defesa pessoal

No Brasil, os princípios do contraditório e da ampla defesa estão explícitos na Constituição Federal de 1988, a qual afirma, no inciso LV, que:

aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Do mesmo modo, o princípio da ampla defesa, segundo Nucci (2010, p. 82) é o direito do acusado de “[...] se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação.” Távora e Alencar (2011) complementam este conceito afirmando que existem dois tipos de defesa ao acusado: a defesa técnica (feita por defensor) e a autodefesa (feita pelo próprio réu).

As garantias a direitos fundamentais, como por exemplo o contraditório e a ampla defesa, são consideradas de extrema relevância a um processo penal democrático e garantista, que tem como princípio fundante o acusatório, e tal interpretação há de ser feita, seja na aplicação da norma no âmbito da justiça comum, como na seara da justiça militar, sem o que não haveria de se falar em devido processo legal. Nessa acepção, em relação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, Fábio Motta Lopes (2009, p. 80) afirma que:

tais princípios constitucionais são manifestações da garantia do devido processo legal, prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Magna

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Carta. Efetivamente, não se pode falar em devido processo legal se não forem observados o contraditório e a ampla defesa.

Raul Godoy Neto (2009, p. 177) também segue esse pensamento, ao afirmar que:

tais princípios consistem no direito do réu saber a acusação que lhe é feita e a ter amplo direito de defesa, oferecendo chance da defesa ao acusado e oportunidade de apresentar todo tipo de defesa prescrita em lei.

Apesar disso, os princípios do contraditório e da ampla defesa não podem ser confundidos, pois o contraditório garante ao acusado ter conhecimento da acusação e posteriormente a possibilidade de contraposição; já a ampla defesa “consubstancia-se sob dois aspectos: a defesa técnica e a autodefesa.” (LOPES JR., 2009, p. 88).

Desta forma, embora haja conexão entre os princípios ora citados, pode-se afirmar que existe diferença entre o contraditório e a ampla defesa, em que o primeiro pode servir tanto à acusação como à defesa, já que as partes são informadas dos atos praticados por ambos, para querendo, refutem ou contraditem, e o segundo é utilizado somente pela própria defesa.

Para Aury Lopes Jr. (2015, p. 96, grifo do autor), quando aborda as questões em torno do direito de defesa, técnica e pessoal, garante que:

A defesa técnica supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos teóricos de direito, um profissional, que será tratado como advogado de defesa, defensor ou simplesmente advogado.

O referido autor (2015, p. 96) observa, ainda, que o direito de defesa está estruturado no binômio (defesa privada ou autodefesa) e (defesa pública ou técnica), justificando que a defesa técnica deriva de uma exigência de equilíbrio entre defesa e acusação e

também de uma acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo, de que ele não tem conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal, em igualdade de

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condições técnicas com o acusador. Essa hipossuficiência leva o imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal encarnada pelo promotor [...]

A Constituição brasileira, no art. 5º, inciso LXXIV, garante que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Para tanto, e a fim de que seja possível concretizar essa garantia, o texto constitucional contempla a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com a função de orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.

O Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 1941) em seu art. 261, e em consonância com o sistema processual penal brasileiro, assegura expressamente que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.”

De acordo com Aury Lopes Jr. (2015, p. 98), “a chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância.”

Sob esse viés, sem o direito ao contraditório e à defesa não existe o devido processo legal, pois somente após tomar conhecimento da imputação que lhe é dirigida e das provas produzidas, o acusado terá melhores condições de exercer sua defesa no sentido amplo diante do juiz ou daquele acusador seja ele público ou privado.

1.3 Natureza jurídica do interrogatório judicial e as alterações da Lei nº 11.719/2008

Considera-se o interrogatório do acusado um ato personalíssimo, pois, neste momento, ele não poderá ser substituído por ninguém, razão pela qual é lhe oferecida a oportunidade de fazer sua autodefesa. O artigo 188, do Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 1941) garante ainda ao acusado o direito de entrevista com seu defensor constituído ou nomeado, além de ser o interrogatório

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realizado na presença do advogado, direito este que afasta a possível nulidade absoluta da ação penal.

Dessa forma, com as inovações trazidas pela Lei nº 11.719/08, fica claro que a natureza jurídica do interrogatório é muito mais um meio de defesa, o qual se manifesta de duas maneiras, sendo a primeira a autodefesa, exercida, no mais das vezes, por meio do interrogatório do acusado, e a segunda, a defesa técnica, feita por defensor legalmente habilitado, conforme ensina o doutrinador Paulo Rangel (2012, p. 549, grifo nosso):

[...]Tem natureza jurídica de um meio de defesa, pois é dado ao acusado o direito constitucional de permanecer calado, sem que o silêncio acarrete-lhe prejuízos, pois o parágrafo único do art. 186 do CPP veda expressamente aquilo que a CRFB já fazia, mas precisava de uma lei para dar efetividade à Constituição, o que, por si só, caracteriza um absurdo incomensurável. Ademais, o interrogatório

é realizado depois da oitiva das testemunhas, isto é, como instrumento de defesa.[...]

E segue o autor (2012 p. 549, grifo nosso), ao asseverar que:

[...]A possibilidade de as partes intervirem no interrogatório

(contraditório) não elimina sua natureza jurídica de meio de defesa, como já dissemos, ou seja, continua o réu podendo se

reservar ao direito de não responder, não só a todas as perguntas que forem formuladas, mas a apenas algumas, em especial aquelas formuladas pela acusação. As consequências de sua negativa, perante o conselho de sentença, por exemplo, é um ônus seu, já que, lamentavelmente, o júri brasileiro ainda trabalha com a íntima convicção. [...]

Respeitando o posicionamento de Paulo Rangel, observa-se que há divergência na doutrina quanto à natureza jurídica do ato, se meio de defesa, se meio de prova, se possui natureza híbrida. Deste modo, pode se ver, nos comentários de Eugênio Pacelli (2014. p. 380, grifo nosso) sobre o tema, que o interrogatório do réu como meio de prova está inserido no princípio da ampla defesa:

Inicialmente concebido como meio de prova, no qual o acusado era unicamente mais um objeto de prova, o interrogatório, na ordem atual, há de merecer nova leitura. Que continue a ser uma espécie de prova, não há maiores problemas, até porque, as demais espécies defensivas são também consideradas provas. Mas o

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fundamental, em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido

fundamentalmente no princípio da ampla defesa.

É importante lembrar que antes mesmo da entrada em vigor da Lei nº 11.719/08, o Superior Tribunal Militar já tinha reconhecido a dupla face do interrogatório como sendo meio de prova para o julgador e meio de defesa para o réu, como se pode observar na Correição Parcial nº 2005.01.001888-6/PE.

Cabe salientar, também, que embora a doutrina majoritária considere que o interrogatório do acusado constitui-se como um meio de defesa, fato é que o Código de Processo Penal (CPP), dos artigos 185 ao 196, o elenca entre os meios de prova. Aduz Távora e Alencar (2013, p. 427), “o interrogatório é a fase da persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos, exercendo, se desejar, a autodefesa.”

Dentre suas principais características, o interrogatório é um ato processual personalíssimo, contraditável (baseado no princípio do contraditório), oral e realizável a qualquer momento antes do trânsito em julgado da sentença (PACHECO, 2006). Dessa forma, como analisado, divergem os autores quanto à natureza do interrogatório, sendo que entendimento mais aceito é que ele é um ato de defesa. Ou seja, “o interrogatório constitui prova produzida pelo acusado em seu favor, embora não se possa excluir a hipótese de se resultar prejuízo à defesa” (LOBÃO, 2010, p. 357).

Com a publicação da Lei nº 11.719/2008, a garantia da defesa ficou ainda mais explícita com o novo rito, ao adequar o processo penal brasileiro vigente ao modelo acusatório acolhido pela CF/88, que alterou a redação do artigo 400 do CPP (BRASIL, 1941), o qual passou a apresentar o seguinte texto:

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 200 deste código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às

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acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Essa nova sistemática introduzida pela reforma de 2008, em especial no que tange às alterações da Lei Nº 11.719/08 (BRASIL, 2008) fez com que o interrogatório passasse a ser o último ato da instrução processual e não mais o primeiro, “ajustando a legislação a um modelo processual de feição prioritariamente acusatória” (OLIVEIRA, 2009, p. 392).

É sabido que o processo comum aplica-se a todos os processos “salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial” (CPP, art. 394, § 2.º, com redação da Lei 11.719/08). No entanto, o tema gera polêmica, já que o procedimento comum, que determina ser o interrogatório do acusado o último ato da instrução, seria supostamente mais benéfico ao acusado do que o procedimento previsto no Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, (Código de Processo Penal Militar), no qual o acusado é interrogado antes das testemunhas, ou seja, figura como o primeiro ato da instrução. Por outro lado, aplicar o procedimento comum no processo penal militar seria contrariar texto expresso do CPP (BRASIL, 1941), (art. 394, § 2.º).

Portanto, após o recebimento da denúncia, o Juiz de Direito do juízo militar determinará a citação do acusado para responder ao processo, com a designação do interrogatório. Dessa forma, o artigo 302 do Código de Processo Penal Militar (BRASIL, 1969), dispõe, in verbis:

Art. 302. O acusado será qualificado e interrogado num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após o recebimento da denúncia; e, se presente à instrução criminal ou preso, antes de ouvidas as testemunhas.

O interrogatório, por sua vez, embora objetive comprovar ou não os fatos narrados na denúncia, permite ao acusado expor livremente sua versão inerente aos fatos articulados. A qualificação e o interrogatório ocorrerão num só ato, e será feito obrigatoriamente pelo juiz (SABELLI, 2008).

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Eugênio Pacelli de Oliveira (2011) apesar de entender que o texto infraconstitucional precisa se adequar ao modelo constitucional, aduz que o originário Código de Processo Penal de 1941 tem as seguintes características: caso ocorra prisão em flagrante o acusado é considerado potencialmente culpado; a tutela da segurança pública é superior à liberdade do indivíduo; há prática autoritária e abusiva do poder público para buscar a verdade real; e o interrogatório do réu é um meio de prova (não de defesa), sem a intervenção das partes.

Percebe-se, assim, que, com as modificações legislativas cada vez mais se adequando os textos legais infraconstitucionais aos ditames constitucionais, verifica-se o propósito de consolidar a natureza jurídica do interrogatório do réu como meio de defesa. Ressalta-se, ainda, que o ato possui realmente características próprias, pois é um ato personalíssimo já que somente o réu pode ser interrogado, com a exceção do surdo, e além de ser realizado de forma oral, é um ato judicial, em que o próprio juiz que irá proferir a sentença é quem fará as perguntas e o interrogatório poderá ser realizado a qualquer tempo, uma vez que o ato não fica precluso.

1.4 Eficácia temporal da lei nº 11.719/2008: sua aplicabilidade aos processos em curso quando da entrada em vigor e a necessidade de realização de novo interrogatório, segundo a jurisprudência pátria

É cediço que as leis processuais são de efeito imediato quanto aos processos pendentes, e somente depois da entrada em vigor da nova lei é que os seus atos serão por ela regulados, respeitando assim os já praticados pela lei que os norteava naquele momento em que foram consumados.

Pode-se observar na Constituição Federal de 1988, (BRASIL, 1988) no art. 5º, XL, dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, retroatividade benéfica, dispositivo que não se aplica ou não se estende, de regra, à lei processual penal. Isso porque, no fenômeno da sucessão das leis processuais no tempo, em havendo conflito entre lei nova e lei velha, quando da aplicação da lei aos processos em andamento, foi adotado o princípio da aplicação imediata da lei nova (tempus regit actum), pois que o tempo rege a prática do ato e não a data da infração penal, conforme previsto no Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 1940), em seu art. 2º e § único, verbis:

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Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (BRASIL, 1940).

E, nesse sentido, diferente do previsto para a lei penal material, não importa se a lei processual nova é mais ou menos gravosa. Quando se emprega o princípio da imediata aplicação da lei processual não importa se a nova lei é favorável ou prejudicial à defesa, pois se leva em consideração a data da realização do ato, e não a do fato delituoso, assim sendo, o autor PEDRO LENZA (2013, p. 50, grifo nosso), ensina:

Por isso, se uma nova lei passa a prever que o prazo para

recorrer de certa decisão é de 5 dias, quando antes era de 10, aquele será o prazo que ambas as partes terão para a sua interposição — caso a decisão seja proferida já na vigência do novo

regime. É evidente, contudo, que se a lei entra em vigor quando o prazo para o recurso já havia se iniciado, deverá ser admitido o maior deles. De acordo com o art. 3º, da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal (Decreto-lei n. 3.931/41), “o prazo já iniciado,

inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal”. Tal regra, embora

trate especificamente da entrada em vigor do Código de Processo Penal, em 1º de janeiro de 1942, pode ser aplicada, por analogia, a todos os prazos que estejam em curso quando da entrada em vigor de uma nova lei processual.

Normalmente quando entra em vigência uma nova lei, surgem discussões em relação ao conteúdo nela trazido, se é de natureza penal material ou processual ou até ambas, a fim de que se possa determinar qual o princípio irá reger e solucionar eventuais conflitos de eficácia temporal. Até porque, em se tratando de leis mistas, de regra, não há maiores dificuldades, pois, parte da lei terá aplicação imediata aos processos em curso, quando dispuser sobre o modo de ser da persecução penal, e mais especificamente sobre atos de investigação e atos processuais, enquanto que a parte da lei que tiver natureza material, por alterar institutos que afetem diretamente o poder de penar do Estado, só alcançará os fatos jurídicos que tiverem sido praticados antes de sua entrada em vigor se for mais benéfica.

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O problema pode efetivamente surgir quando a mesma lei regulamentar institutos de natureza mista, como é o caso das causas extintivas da punibilidade, das medidas de política criminal alternativa, da ação penal, entre outros. Nesse caso, é indispensável observar que há de preponderar o caráter material da lei, e, portanto, só irá retroagir se for mais benéfica. Sobre institutos mistos, ou de natureza híbrida, tem-se o que leciona Pedro Lenza (2013, p. 50-51, grifo do autor):

São aquelas que possuem conteúdo concomitantemente penal e processual, gerando, assim, consequências em ambos os ramos do Direito. Em tais casos, em atenção à regra do art. 5º, XL, da Constituição Federal, a lei nova deve retroagir sempre que for benéfica ao acusado, não podendo ser aplicada, ao reverso, quando puder prejudicar o autor do delito cometido antes de sua entrada em vigor. Os institutos da decadência e da perempção, por exemplo, são regulamentados no Código de Processo e no Código Penal. Têm natureza processual porque impedem a propositura ou o prosseguimento da ação privada e, ao mesmo tempo, penal, porque geram a extinção da punibilidade. Por isso, se uma nova lei aumentar o prazo decadencial, não poderá ser aplicada a fatos praticados antes de sua entrada em vigor.

Portanto, quando surge uma nova lei mais branda, que seja mais favorável ao réu, tanto norma de direito material ou processual, que modifique a lei anterior até então utilizada, ela deverá ser aplicada, retroagindo inclusive para aqueles condenados que já estão cumprindo as penas, seja para minorar ou para descriminalizar tal conduta, absolvendo réus em processos em curso. Nesse passo, isto pode ser analisado no julgamento do STF sobre o Habeas Corpus nº 86110/SP, proferido pelo Ministro Relator Cezar Peluso, da Segunda Turma, julgado na data de 02/03/20103.

3 “A Turma deferiu habeas corpus em que condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do CP, pleiteava o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Observou-se, inicialmente, que, com o advento da Lei 12.015/2009, que promovera alterações no Título VI do CP, o debate adquirira nova relevância, na medida em que ocorrera a unificação dos antigos artigos 213 e 214 em um tipo único [CP, Art. 213: ‘Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)’]. Nesse diapasão, por reputar constituir a Lei 12.015/2009 norma penal mais benéfica, assentou-se

que se deveria aplicá-la retroativamente ao caso, nos termos do art. 5º, XL, da CF, e do art. 2º,

parágrafo único, do CP.” (HC 86110/SP, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-01 PP-00089 RMDPPP v. 6, n. 35, 2010, p. 100-104) (BRASIL, 2016, grifo nosso).

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Nesse contexto, e para melhor elucidação desse pensamento, é cediço que existem fenômenos que se opõem à exceção ou excepcionam o princípio da irretroatividade, quais são a retroatividade e a ultratividade. Deste modo, Edgar Magalhães Noronha (1986) explica que é o próprio Código Penal que estabelece a exceção: “a lei penal que beneficiar o acusado (lex mitior) retroage.”

Para uma melhor compreensão do tema, é indispensável trazer à baila o entendimento de Aury Lopes Jr. (2015, p. 107-108, grifo nosso), sobre o Princípio da Imediatidade, ao dispor sobre a distinção entre leis penais puras, leis processuais penais puras e leis mistas:

Leis Penais Puras: disciplinam o poder punitivo estatal, que diz respeito à tipificação de delitos, penas, regimes etc. Aplicam-se

os princípios do direito penal: retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa. Leis Processuais

Penais Puras: regulam o início, o desenvolvimento e o fim do

processo penal, como perícias, rol de testemunhas, ritos etc.

Aplica-se o princípio da imediatidade e não têm efeito retroativo. Leis Mistas: possuem caracteres penais e processuais, visto que disciplinam um ato do processo, mas que diz respeito ao poder punitivo. Exemplos: normas que regulam ação penal, representação, perdão, renúncia, perempção, causas de extinção da punibilidade etc. Aplica-se a regra do direito penal da

retroatividade da lei mais benigna.

Assim, pode-se observar que as alterações sofridas pelo Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 1941), no que diz respeito à Lei nº 11.719/2008, versam sobre institutos regidos pela processual penal. De tal modo, enfocando especialmente as inovações referentes ao momento oportuno para a realização do interrogatório do réu, as novas regras são de aplicação imediata, sem que sejam invalidados os atos já praticados de forma diversa na vigência da lei anterior.

Isso significa dizer que, aos processos já iniciados sob a égide da nova lei, em que não tenha sido realizado interrogatório judicial, o momento oportuno para sua realização seria ao final da instrução, em audiência. Aos já iniciados, com interrogatório realizado, a aplicação imediata da nova lei não impôs fossem refeitos os atos anteriores pois, conforme redação do art. 2º do Código de Processo Penal consideram-se válidos, ou seja, não necessitam ser repetidos de acordo com os novos ditames.

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Tal interpretação é a que se faz, em se tratando de ritos comuns. A dúvida persiste apenas com relação à aplicabilidade ou não dessas inovações no que tange aos ritos especiais, em especial para apuração de crimes militares, o que será objeto de apreciação no próximo capítulo.

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2 A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 11.719/2008 NA JUSTIÇA MILITAR

Como mencionado, a Lei nº 11.719/2008, de 20 de junho de 2008, ao alterar a redação do artigo 400, do Código de Processo Penal comum, determinou que o interrogatório do acusado passasse a ser realizado, ao ritos comuns, ao final da instrução do processo. É uma medida de grande importância, que visa a conferir máxima eficácia ao direito fundamental à ampla defesa e ao contraditório, previsto na Constituição Federal de 1988.

Com o advento da referida Lei nº 11.719/08, surgem vários questionamentos, sendo um deles sobre a modificação do rito procedimental, quanto ao momento oportuno para a realização do interrogatório do acusado, e sua aplicabilidade ou não aos ritos especiais, entre eles, aos observados para a persecução penal dos crimes militares.

Referida alteração ao art. 400 do Código de Processo Penal, impôs-lhe a seguinte redação (grifo nosso):

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de

declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o

disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Contudo, quando o objeto da persecução penal for um crime militar, de competência absoluta, em razão da matéria, da Justiça Militar, há um rito próprio a ser observado para a instrução criminal, e toda uma codificação própria, tanto das leis penais materiais, quanto processuais. E, nos termos do art. 302 do Código de Processo Penal Militar (BRASIL, 1969), o interrogatório judicial está previsto como o primeiro ato da instrução, antes da audiência para a produção da prova oral, tal como previsto no Código de Processo Penal brasileiro, antes das alterações promovidas pela Reforma de 2008.

A questão aqui a ser indagada não é apenas se deveria o Código de Processo Penal Militar adequar-se ao Código de Processo Penal brasileiro. Ou, dito

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de outra forma: as alterações promovidas no rito comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal brasileiro, devem ser estendidas aos ritos especiais. Mas sim, partindo-se da ideia de uma sistematização das normas processuais penais e sua necessária conformidade constitucional, a indagação deve ser quanto à adequação das normas processuais penais ao modelo acusatório de garantias, previsto no texto constitucional, independentemente de se tratar de Código de Processo Penal Militar ou do Código de Processo Penal brasileiro. A legislação infraconstitucional, ordinária ou especial, deve estar em consonância com a Constituição.

No entanto, apesar da intranquilidade existente na jurisprudência dos tribunais militares a esse respeito, em 2013, o Superior Tribunal Militar, considerando o rito estabelecido pelo CPPM, editou a Súmula nº 154 com o seguinte conteúdo: “A alteração do art. 400 do CPP (BRASIL, 1941), trazida pela Lei nº 11.719, de 20/06/08, que passou a considerar o interrogatório como último ato da instrução criminal, não se aplica à Justiça Militar da União”.

Nessa linha de raciocínio, e contrapondo esse entendimento, Mariana Lucena Nascimento (2014, grifo nosso) adverte:

Claro está, diante do que foi exposto, que a determinação contida

nesse dispositivo não se harmoniza com o valor atribuído pela Constituição Federal ao direito à ampla defesa (técnica e autodefesa) e ao contraditório, verdadeiro direito fundamental do

acusado e princípio basilar do processo penal no sistema acusatório.

Ainda, em relação à relevância do tema, segue a autora:

Pela importância do argumento, vale reprisar: não existe possibilidade real e efetiva de exercício do direito à autodefesa sem o prévio conhecimento, pelo acusado, de todas as provas produzidas pela acusação. Sem esse prévio conhecimento, o direito a autodefesa se torna letra morta, uma mera formalidade, e o interrogatório, um restrito meio de prova, capaz apenas de servir a acusação.

4 Supremo Tribunal Militar. Súmula nº 15, “A alteração do art. 400 do CPP, trazida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que passou a considerar o interrogatório como último ato da instrução criminal, não se aplica à Justiça Militar da União.” (BJM Nº 01, de 04.01.13, DJe Nº 070, de 18.04.13; republicada no DJe Nº 149, de 02.09.14)

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De acordo com a autora, o rito estabelecido pelo art. 302 do CPPM (BRASIL, 1969), não permite que o acusado exerça com plenitude o seu direito fundamental assegurado pela nossa Carta Magna, tampouco concorda com o entendimento simulado pelo STM no que diz respeito à especialidade da justiça castrense.

No entendimento de Mariana Lucena Nascimento (2014), a proteção do direito de defesa do art. 302 do CPPM é mais frágil do que aquele trazido pela Lei 11.719/08 alterando o art. 400 do CPP que, por ser mais favorável, garante ao acusado na justiça militar maior eficácia à ampla defesa e ao contraditório, e, portanto, deve ser aplicado ao Processo Penal Militar.

É bem verdade que sob o ponto de vista de que a inversão do interrogatório do acusado facilitaria a versão da defesa, acaba por gerar bastante discussão, uma vez que esta afirmação não é fácil de ser provada.

No entanto, sobre a tendência garantista que tem influenciado o direito penal e processual penal, e que, na visão de alguns autores e atuantes na Justiça Militar, parece não garantir a segurança necessária para a sociedade, o doutrinador Denilson Feitosa Pacheco (2008, p. 119, grifo nosso) lembra:

Mas esta perspectiva libertária, quando tomada de maneira exagerada, ofusca que o processo penal nunca deixou de ser um instrumento de aplicação do direito penal. Infelizmente, há na

atualidade, uma exarcerbação do discurso libertário, que se favorece exageradamente o indivíduo, a longo prazo desfavorece a própria sociedade.

O pensamento do autor supracitado vai de encontro à instrumentalidade garantista do processo penal, de inspiração política democrática, pois foi arquitetado, essencialmente, como um instrumento de garantia da liberdade do indivíduo. Porém, para alguns doutrinadores, a aplicação por analogia das alterações trazidas pela Lei nº 11.719/08 do CPP para o CPPM, pode ocasionar prejuízos à natureza da legislação castrense, que está diretamente ligada àqueles valores, prerrogativas, deveres e obrigações, que, sendo inerentes aos militares, devem ser observados no decorrer do processo.

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Desta forma, é necessário e importante que se faça uma apreciação compreensiva de como se constitui a Justiça Militar como parte do Poder Judiciário, abordando sua história, sua composição e competência com o objetivo de apreender o seu funcionamento e sua especialidade.

2.1 A Justiça Militar e a Constituição Brasileira de 1988: histórico, composição e competência

A Justiça Militar, expressão usada para se entender à jurisdição penal militar, ou, melhor ainda, a Organização Judiciária Militar, é desconhecida pela grande maioria do povo brasileiro. Ainda que se limite esse universo a operadores ou acadêmicos do direito, pode-se afirmar, com certeza, que o conhecimento sobre essa organização judiciária especializada é mínimo, ou nenhum. Mesmo entre os seus jurisdicionados, os integrantes das Forças Armadas e os das instituições militares estaduais, poucos são aqueles que demonstram conhecer sua estrutura, competência e funcionamento. (CARVALHO, 2017)

No Brasil, sobre a Justiça Militar, também conhecida por Justiça castrense, observa-se que raras são as grades curriculares de cursos jurídicos que apresentam disciplinas pertinentes ao direito militar ou à organização judiciária militar. (CARVALHO, 2017)

Os debates e discussões acerca da extinção ou manutenção da Justiça Militar são cíclicos e ocorrem, provavelmente, em função desse desconhecimento. Não há como perceber a necessidade e a relevância social de uma instituição, sem ter o entendimento de sua origem, estrutura e atribuições. (CARVALHO, 2017)

A Justiça Militar não é criação recente, ao contrário, tem raízes muito antigas. No Brasil, foi consolidada com a vinda de D. João VI e a Família Real portuguesa, em 1808, mas só recebeu status constitucional na Constituição de 1891. A Justiça Militar Federal foi inserida como órgão do Judiciário na Constituição de 1934, e a Justiça Militar dos Estados, na Constituição de 1937. Desde então, em todas as

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constituições, teve sua existência confirmada, inclusive na constituição cidadã de 1988. (CARVALHO, 2017)

Logo, pode se considerar incorreto o entendimento de que a Justiça Militar é fruto de regimes ditatoriais e autoritários. Assim como não é verdade afirmar que ela pertence à Polícia Militar. Deve-se sim reconhecer seu valor real, sua existência histórica no mundo e no Brasil, e a importância de seu papel como jurisdição especial e especializada, capaz de contribuir para a manutenção das instituições democráticas, da paz social e do Estado Democrático de Direito. (CARVALHO, 2017)

O caráter distintivo da Justiça Militar é sua composição julgadora mista, integrada por militares hierarquicamente superiores aos acusados, e por juízes togados, formando o Escabinato5 Julgador. Essa formação singular é que propicia julgamentos com maior equidade, já que torna possível aliar o conhecimento técnico-jurídico do magistrado civil e a experiência da vida em caserna dos oficiais, em direção a um provimento devidamente fundamentado. (CARVALHO, 2017)

A competência da Justiça Militar, em matéria criminal, encontra-se disposta no art. 124, caput, da Constituição Federal Brasileira de 1988: processar e julgar os crimes militares definidos em lei6. A distinção maior entre Justiça Militar federal e estadual reside no fato de que, enquanto esta julga os militares estaduais, policiais e bombeiros, aquela julga os militares federais, integrantes das forças armadas. (CARVALHO, 2017)

A Emenda Constitucional n. 45, de 2004, que tratou da reforma do Poder Judiciário brasileiro, ampliou, democraticamente, a competência da Justiça Militar dos Estados, atribuindo-lhe o processo e o julgamento das ações cíveis contra atos disciplinares militares. (CARVALHO, 2017)

5 Escabinato ou Escabinado diz-se do órgão judiciário misto, integrado por juízes togados ou de carreira e por Juízes leigos. Diferencia-se do Tribunal do Júri; neste, o juiz togado não tem direito a voto, somente a voz.

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Em apenas três estados brasileiros, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, a justiça castrense possui órgãos próprios de Primeira e Segunda instância. Nesses três entes federados, funcionam como órgãos de primeiro grau os Juízes de Direito e os Conselhos de Justiça, e, como segundo grau, os Tribunais de Justiça Militar. (CARVALHO, 2017)

As corporações militares estão sujeitas a um ordenamento jurídico particular: códigos, leis, estatutos e regulamentos. As condições especiais da vida militar exigem a formação de um corpo específico de normas e também um órgão julgador especializado. Ficou demonstrado, pois, que há necessidade de um foro de jurisdição especial que aplique essa legislação particular e que seja especializado nela. Esse foro é a Justiça Militar, que não é de exceção, porque está prevista na Lei Maior. O foro especial não é um privilégio dos militares, mas sim uma prerrogativa. (CARVALHO, 2017)

A organização e a estrutura peculiares da Justiça Militar estadual, aliadas à maior severidade das leis penais militares, resultam em decisões mais céleres e adequadas para as situações específicas militares, garantindo a proteção dos bens jurídicos tutelados por essas normas penais e o maior controle dos atos administrativos disciplinares das corporações militares estaduais, com a devida fundamentação, como determina a Constituição de 1988 (art. 93, inciso IX). (CARVALHO, 2017)

No Rio Grande do Sul, a Justiça Militar existiu antes mesmo da Justiça Comum, tendo chegado a bordo das naus portuguesas que integravam a expedição militar de Silva Paes, em 1737. Em 1763, o Marquês de Pombal condensou a dispersa legislação penal militar portuguesa. Em 1808, com a vinda da família real para o Brasil, Dom João VI criou o Conselho de Justiça Supremo Militar, embrião do atual Superior Tribunal Militar, que foi o primeiro órgão permanente de Justiça Castrense a operar no País. Com a criação do Corpo Policial da Província – embrião da Brigada Militar, surgiu logo a necessidade de se garantir a disciplina da Força Pública, que não apenas fazia o policiamento urbano, como, também, tinha a atribuição de proteger o território, recebendo instrução militar. Foi, então, instituída a Justiça do próprio Corpo Policial. (CARVALHO, 2017)

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No tocante à Justiça Militar dos Estados, a Carta Magna de 1969 limitou-a à primeira instância, excetuando aqueles Estados que houvessem instalado Cortes recursais antes de 15 de março de 1967, ou seja, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. (CARVALHO, 2017)

Em 31 de dezembro de 1970, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei nº 6.156, que manteve as duas Auditorias, os três Conselhos e a Corte de Apelação com cinco membros, dos quais um civil, nomeados pelo Governador. Em 18 de março de 1979, foi instalada a terceira Auditoria, com sede na cidade de Passo Fundo. Em 1º de fevereiro de 1980, o Código de Organização Judiciária do Estado fixou a composição do Tribunal Militar em sete juízes, quatro militares e três civis, todos nomeados pelo Governador. A Lei nº 7.706/82 determinou que, obrigatoriamente, um dos juízes civis fosse escolhido dentre os Juízes-Auditores. Em 1982, foi instalada a quarta Auditoria, com sede em Porto Alegre. (CARVALHO, 2017)

Durante a Constituinte Federal de 1988, surgiram emendas propondo a extinção das Justiças Militares Federal e Estadual. Na ocasião, provou-se que os tribunais militares nos Estados consomem parcela muito pequena do orçamento judiciário (no RS, menos de 1%) e prestam um relevante serviço, pois costumam julgar os crimes de policiais militares com mais rigor e celeridade do que normalmente faria a Justiça Comum, o que se constituiu numa garantia ao cidadão e à democracia. (CARVALHO, 2017)

A Constituição Federal de 1988 manteve a Justiça Militar naqueles Estados onde o contingente militar fosse superior a 20 mil integrantes, como também lhe ampliou a competência, restabelecendo a possibilidade de processar e julgar os policiais militares e os bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, além de decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças7. A Emenda Constitucional nº 18, de 5 de fevereiro de 1998, explicitou a

7 Militares situados, na hierarquia, abaixo de segundo-tenente, ou seja, são praças o soldado, o cabo, o sargento e o sub-tenente.

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condição militar dos membros das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares. (CARVALHO, 2017)

A Justiça Militar Estadual de 1º Grau existe em todos os Estados da Federação, e os Tribunais Militares existem como órgãos de 2ª instância nos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, com a competência para julgar os militares estaduais que cometem crimes militares, exceto homicídios dolosos contra civis, que são julgados pela Justiça Comum, em Júri Popular. Além disso, a Emenda Constitucional nº 45 passou a designar os Juízes-Auditores de Juízes de Direito do Juízo Militar, estabelecendo a sua competência para processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de Juiz de Direito, processar e julgar os demais crimes militares. (CARVALHO, 2017)

Em primeira instância existe o Conselho Especial: para julgar os oficiais da Brigada Militar, ou as praças, quando denunciadas juntamente com oficiais pela mesma falta. Cinco membros: constituído por um Juiz de Direito, bacharel em Direito nomeado após concurso público pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado, e quatro oficiais superiores, sob a Presidência daquele. Esse Conselho é formado especificamente para cada processo. (CARVALHO, 2017)

Conselho Permanente: para julgar as praças da Brigada Militar. Também composto por cinco membros: um Juiz de Direito (bacharel em Direito e concursado), Presidente do Conselho, um oficial superior e três oficiais, capitães ou tenentes. Funciona para todos os processos por três meses consecutivos. (CARVALHO, 2017)

A convocação dos militares para os Conselhos integrados pelo Juiz de Direito, que elabora as sentenças após os julgamentos, se dá por sorteio, através de lista de nomes fornecida pela Brigada Militar. (CARVALHO, 2017)

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As Auditorias8 correspondem às varas ou aos juízos da Justiça Comum e seus respectivos cartórios e são divididas por território. No Rio Grande do Sul existem quatro Auditorias: duas em Porto Alegre, criadas, respectivamente, em 28 de maio de 1918 e em 15 de outubro de 1982; uma em Santa Maria, criada em 27 de dezembro de 1957, e uma em Passo Fundo, criada em 22 de novembro de 1975. (CARVALHO, 2017)

Os julgamentos em 1º grau são realizados pelos Conselhos de Justiça, com a participação do Promotor de Justiça e de um advogado indicado pelo réu ou um Defensor Público, se não quiser ou não puder constituir advogado. (CARVALHO, 2017)

Realizado o julgamento pelo 1º grau, tanto a defesa quanto a acusação poderão recorrer da decisão da Auditoria para o Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul. (CARVALHO, 2017)

Em Segunda Instância - (2º Grau), O Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul é o órgão recursal da Justiça Militar estadual, sendo constituído por sete Juízes: quatro militares, oficiais combatentes do mais alto posto da Brigada Militar (coronéis), nomeados pelo Governador; três Juízes civis, todos bacharéis em Direito, sendo um magistrado de carreira, promovido pelo Tribunal de Justiça Militar, um representante do Ministério Público e um representante da OAB, ambos nomeados pelo Governador (Art. 104, § 1º, 2º e 3º da Constituição Estadual de 1989). (CARVALHO, 2017)

Os julgamentos em 2º grau são realizados em plenário, e incumbe ao Tribunal de Justiça Militar, em síntese, o seguinte:

a) julgar originariamente os habeas-corpus impetrados perante a Justiça Militar do Estado;

b) julgar, em instância única, os processos oriundos de Conselhos de Justificação a que foram submetidos oficiais, desde que enviados pelo Poder Executivo;

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c) julgar os recursos interpostos das decisões e das sentenças proferidas pelo 1º grau, bem como os embargos opostos das decisões do próprio Tribunal;

d) julgar as representações oferecidas pelo órgão do Ministério Público, nos casos de condenação acima de dois anos, decretando ou não a indignidade ou a incompatibilidade para oficialato, com a consequente perda do posto e da patente, ou a perda da graduação das praças, com a consequente decretação da exclusão das fileiras da Brigada Militar;

e) julgar representações oferecidas pelo Corregedor-Geral da Justiça Militar do Estado, na hipótese de arquivamento de inquérito policial militar ou sindicância, sempre que aquele entender que há hipótese de deflagração da ação penal militar. (CARVALHO, 2017)

Assim sendo, deve-se observar que, de fato, a Justiça Militar não julga seus militares pela prática de qualquer crime, mas tão somente pela prática de crime militar, definido por lei, esclarecendo, portanto, que a justiça castrense não é foro para delito dos militares, mas é sim a justiça especializada para julgar os delitos militares previstos na legislação penal militar. A seguir, será feita uma análise do procedimento especial para apuração desses crimes, conforme previsto no Código de Processo Penal Militar. (CARVALHO, 2017)

2.2 O procedimento previsto para a instrução criminal nos processos julgados pela Justiça Militar e o princípio da especialidade

Muito tem se discutido a respeito do procedimento penal adotado, no âmbito da justiça penal castrense, principalmente quanto ao interrogatório dos acusados do cometimento de infrações penais militares. A doutrina processual penal militar tem defendido, com veemência, a aplicação do rito especial para os delitos submetidos à sua apreciação. A especialidade consiste na finalidade maior do CPPM, qual seja a proteção às instituições militares, as quais apresentam, nos seus pilares básicos, a hierarquia e disciplina, razão pela qual carece de justiça especializada.

É admissível que se deseje conservar o princípio da especialidade no procedimento penal militar. Essa especialidade deve ser observada, pois o Direito Penal Militar é um ramo do Direito que trata de interesses relativos à segurança

Referências

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