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Interseções do sintoma – Categorias de análise

No documento monicadamottasallesbarreto (páginas 64-69)

2 TRIUNFO DO SINTOMA, SUJEITO PRESENTE

2.1 O SINTOMA-SUJEITO

2.1.1 Interseções do sintoma – Categorias de análise

A indissociabilidade entre os três registros, Real, Simbólico e Imaginário, que guarda uma correlação com os três conceitos freudianos: angústia, sintoma e inibição, é a base para Lacan propor o enodamento que esquematiza por meio do nó borremeo, representado na Figura 2. Localiza nesse nó a dimensão dos impossíveis já mencionados neste trabalho, em que o Real traz a inexistência da relação, proporção sexual; o campo do imaginário traz a falta da totalidade do corpo, ou o corpo despedaçado no espelho; e o simbólico traz a irrepresentatividade ou a impossibilidade de tudo dizer, aquilo que não é dito naquilo que se fala ou aquilo que é dito sem que seja explicitado por meio da fala.

reconhecer a norma padrão de uma língua é uma medida fundamental para nos orientarmos em relação ao ensino nas escolas, mas a crença em alcançarmos tal padrão, de maneira estática e fechada, é da ordem do impossível, do ideal da boa forma.

As metas de alfabetização, que serão discutidas posteriormente neste trabalho, também são uma representação do ideal na educação, funcionando como guia nas práticas pedagógicas. Essas metas, como parâmetros, são também fundamentais para nos orientar em nossas práticas alfabetizadoras. Mas, saber que os alunos devem estar alfabetizados ao final do terceiro ano do ensino Fundamental não implica em acreditarmos que todos alcançarão êxito, que essa aprendizagem se dará sem furos, que todos concluirão o ciclo de alfabetização lendo e escrevendo plenamente.

O parâmetro nos guia, a expectativa do alcance de aprendizagem sem furos nos engessa, nos imobiliza, nos lança à cilada do ideal totalizante, à armadinha do imaginário. O ideal é fundamental, desde que saibamos que é preciso almejá-lo, porém nunca o alcançar. Nesse sentido, guiados pela expectativa de aprendizagem absoluta, nos vemos diante da inversão entre atividade meio e atividade fim: as metas tornam-se uma finalidade em si e, diante delas, somos capazes de burlar resultados, de excluir sujeitos.

Guiados por essa lógica em que a escola está a serviço das metas, ao nos depararmos com o não alcance da aprendizagem almejada, corremos o risco de, priorizando a boa forma, virarmos as costas para o que está sendo simbolizados por meio das dificuldades e tropeços presentes na escola; o que é belo, vendável, publicizável, como o resultado exitoso do Ideb, estampado no outdoor na porta da escola, pode nos desviar o olhar daquilo que está sendo representado por furos e tropeços na aprendizagem. O imaginário em detrimento do simbólico. Ao passo em que termos ciência que tais metas são parâmetros, baliza que nos orientam em nossas práticas, nos leva à primazia do simbólico nas escolas. O ideal é necessário para tornar a nossa realidade viável, basta percebê-lo como representação e não perdermos de vista que o êxito absoluto não é possível.

Vemos também, ainda relacionado a esse campo do imaginário, a inibição da aprendizagem, que, como vimos, sendo considerada inibição, pode ou não se apresentar como sintoma. Desse modo temos de um lado as altas expectativas de desempenho e resultados escolares e, de outro, a impossibilidade de aprender por

parte de alunos que localizamos no lugar de fracasso, sendo os dois polos extremos relacionados ao imaginário: seja de sucesso, seja de fracasso em termos absolutos.

O registro do simbólico, relacionado ao sintoma, e que neste trabalho merece destaque, também pode ser visto como o que resta do Real que pode ser metaforizado, revelando uma verdade do sujeito. Em situações reconhecidas por nós como de fracasso escolar, podemos ver simbolizado justamente aquilo que não anda, que emperra, que não caminha e insiste em se reapresentar, metaforizando algo de singular desse aluno, podendo se oferecer como uma possibilidade de esse sujeito se revelar. Isso nos remete ao impossível de tudo dizer e pode ser justamente em ato que esse sujeito se apresenta, sem palavras. Essa brecha que o sujeito encontrou em sua trajetória escolar, que faz furo em um corpo discente idealmente homogêneo, se reapresenta incessantemente, nos trazendo a dimensão da repetição, do Real. Vemos o fracasso localizado na interseção entre o Real e o simbólico, como metáfora que porta uma verdade do sujeito, como o que pode ser representado desse Real e traz a dimensão da repetição.

A dimensão do Real nos traz, portanto, a angústia, sua tópica correlata, e nos indica a dimensão do inassimilável, irrepresentável e que não cessa em se reapresentar. Em situações de fracasso, assistimos − embora haja inúmeras tentativas em contornarmos situações de insucesso, apesar de medidas por meio das quais buscamos implementar ações que visam o sucesso escolar, com políticas públicas educacionais, metas, avaliações para aferir desempenho − ao fracasso que nos escapa por entre os dedos. Localizamos a angústia do ato fracassado entre o simbólico e o Real, na interseção entre o que pode ser representado, metaforizado do Real, e o irrepresentável, que não cessa.

Mas não estaria justamente nessa busca por resultados totalizante, de aprendizagem absoluta, o seu extremo oposto, que nomeamos como fracasso? Os dois polos contrários da dimensão do imaginário escolar? Do veneno nasce também o seu antídoto, ou, dito de outro modo, o ideal de sucesso estaria criando o seu extremo oposto, também imaginário, de fracasso?

Vemos, nesse entrelaçamento, a interdependência das três dimensões como nos propõe Lacan por meio do nó borromeano ou nó borromeu, na figura 2, que tem como ponto de junção ou de amarração entre os três registros - Real, Simbólico e Imaginário – um burado, o objeto a, que representa o objeto causa de desejo que é perdido. De acordo com a proposta apresentada anteriormente neste trabalho, o

Nessa direção, retomando o que nos propusemos a responder neste trabalho, podemos lançar, a partir dessas formulações, novas indagações: O fracasso escolar não estaria justamente nesse espaço do impossível do saber? Não seria uma amarração entre impossíveis, entre faltas? Seria possível conciliarmos o ineducável e o educável? Sustentarmos o saber não todo, sem, no entanto, cairmos no insucesso total? Localizarmos o fracasso entre o impossível e o contingente?

Na educação tentamos excluir o fracasso escolar. A psicanálise nos possibilita percebermos o fracasso como algo inerente à educação, que não se faz de maneira plena, completa, tendo em vista que o que está em jogo é o sujeito, o sujeito do sintoma. É com base nessas indagações que pretendemos compreender o lugar do fracasso nas escolas e as possíveis contribuições da psicanálise para a educação. Para isso, feitas as primeiras explanações acerca do sintoma para a psicanálise, discorreremos acerca do sujeito do sintoma.

No documento monicadamottasallesbarreto (páginas 64-69)