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O sujeito presente(?) na educação

No documento monicadamottasallesbarreto (páginas 70-76)

2 TRIUNFO DO SINTOMA, SUJEITO PRESENTE

2.2 O SUJEITO-SINTOMA

2.2.1 O sujeito presente(?) na educação

Para tentarmos compreender os discursos que nos guiam atualmente em práticas voltadas para a educação, na busca por localizarmos qual concepção de sujeito que nos guia em nossa prática, optamos pelos documentos oficiais que orientam a educação.

Os marcos históricos e legais são inúmeros, mas nos ocupamos em trazer aqueles documentos oficiais que orientam a educação atualmente. Por isso, buscamos o PNE, que está em vigor entre 2014 e 2024, e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que serve como parâmetro para os currículos da educação básica atualmente, e foi publicada em 201724.

O PNE, a partir da Emenda Constitucional (EC) nº 59/2009 (BRASIL, 2009b) tornou-se uma exigência com periodicidade decenal, o que significa que planos plurianuais devem tomá-lo como referência. Até esse momento, com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), o PNE era compreendido como uma disposição transitória. O plano também passou a ser considerado, a partir da EC nº 59/2009, o articulador do Sistema Nacional de Educação, com previsão de financiamento por meio do Produto Interno Bruto (PIB). Torna-se, portanto, a base para a elaboração dos planos estaduais, distrital e municipais, promovendo um alinhamento entre os entes federados.

Elaborado em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e com contribuições da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), o PNE apresenta como eixo os processos de organização e gestão da educação, seu financiamento, avaliação e políticas de estado organizado em 20 metas que têm como objetivo, de modo sucinto, assegurar o acesso à educação formal da população em idade escolar, a melhoria da taxa de alfabetização, da aprendizagem e do fluxo escolar, assim como o aprimoramento da formação dos professores e das condições de trabalho e plano de carreira desses profissionais, a efetivação da gestão democrática da educação e o aumento do investimento público em educação.

Sem dúvida são metas que buscam alavancar a qualidade da educação no país. A questão que nos propomos a refletir aqui, neste trabalho, é de que maneira conseguiremos assegurar tal melhoria. De que maneira vamos mensurar, medir e

24 A BNCC da Educação Infantil e Ensino Fundamental foi aprovada em 2017 e para o Ensino Médio está, até o momento, em processo de aprovação.

validar tais metas? O que e como estamos medindo? Em nome de quê e para quem? Questionamos ainda: qual o lugar do sujeito da aprendizagem em meio a essas metas?

A meta 5 do referido Plano é alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do ensino fundamental. Quando dizemos do direito a aprendizagem, precisamos ficar atentos à cilada implícita: a garantia de aprendizagem. Podemos oportunizar que uma criança aprenda a ler e a escrever e, ainda mais, crie hábito e gosto pela leitura, até os 8 anos de idade, mas não podemos assegurar que essa criança aprenda nesse prazo estipulado. Isso porque o ensino é plural, coletivo, daí normas e parâmetros que nos orientam, mas o que sustenta a aprendizagem é um sujeito, e o sujeito, da maneira como concebemos nesta tese, tropeça, vacila, fracassa. As metas, como parâmetro são fundamentais, mas é importante nos arguirmos a respeito do que podemos estar silenciando em nome delas. Se nos vemos a serviço dessas metas e buscamos, a todo custo, alcançá-las, de forma totalizante, podemos estar negligenciando aquele aluno que não alcança esse objetivo. Ter como parâmetro que nossos alunos devem estar alfabetizados até o 3º ano do ensino fundamental pode nos guiar em nossas práticas, desde que não tomemos tal meta de maneira absoluta, desde que não percamos de vista que se trata de uma referência e que, como tal, comporta furos e desvios.

Além do direito de aprendizagem, temos ainda previsto no PNE o direito ao acesso, à universalização do ensino. Podemos garantir o acesso, a oportunidade, mas nem sequer podemos assegurar a permanência. Devemos nos indagar ainda, caso essa criança esteja matriculada e frequentando a escola: a que preço essa criança está sendo incluída e, perguntamos ainda: ela está efetivamente incluída?

A esse respeito da universalização, podemos observar as metas: (1) universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola; (2) universalizar o ensino fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos; (3) universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos; (4) universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado.

As metas trazem como objetivo a garantia de acesso e permanência de toda a população em idade escolar nas escolas. Mas precisamos nos arguir de que maneira os sujeitos estarão incluídos nesses espaços escolares. Ao propormos tal

indagação, trazemos como premissa o sujeito compreendido pela psicanálise: sujeito do inconsciente, do sintoma. Se esse sujeito está sendo recebido na escola, não podemos perder de vista que não há garantia de aprendizagem, mas de tropeços, de dificuldades, de singularidades no que se refere a tempos e maneiras de aprender.

O que propomos aqui é que possamos abrir efetivamente as portas para esses meninos e meninas. Isso não significa apenas garantir a matrícula e permanência desses alunos na escola. Não se trata de aprisioná-los, mantê-los frequentes a qualquer custo, acorrentá-los aos bancos escolares, mas trata-se, isso sim, de recebê-los, integralmente, nas escolas: com suas dificuldades, tropeços e sintomas.

Em relação a isso, diversas pesquisas do PPGP nos trazem questões relacionadas ao lugar do sujeito nas escolas ao indagarem acerca do alcance de metas e a preocupação com os resultados. São questões relevantes, preocupações importantes no campo da educação, mas destacamos que, na busca por essas metas, perdemos de vista o singular. Em um processo de ensino-aprendizagem, sabemos que é preciso em muitos momentos deixar de lado a singularidade, é preciso que o sujeito fique suprimido ou não se faça presente. Mas, é importante também nos indagarmos acerca do lugar do sujeito que eventualmente aparece nesses processos de tropeços e fracassos.

Retomando os documentos oficiais, tendo como base o PNE, em 2017 foi aprovada a Base Nacional Comum Curricular para a educação infantil e ensino fundamental. A BNCC é

um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2018, p. 7, grifo nosso).

A BNCC orienta, portanto, qual conjunto de conteúdos, ou, melhor dizendo, de competências e habilidades os alunos devem adquirir progressivamente em cada etapa de escolarização. O que sustenta esse discurso é o direito de aprendizagem, é o princípio segundo o qual toda criança e adolescente porta o direito à aquisição

de determinado conjunto orgânico de aprendizagem. Cabe destacar aqui os termos competências e habilidades, que sustentam a lógica das avaliações externas. Trata- se do discurso que vigora na educação atualmente e que traz embutida a concepção de sujeito cognoscente, agente do seu conhecimento, ativo, que coloca em prática suas aprendizagens, que consegue aplicar os conteúdos adquiridos na escola. Competência é definida pela BNCC como “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 8).

O foco na aquisição de competências é também, segundo registro da BNCC, o prisma que orienta as avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que guia o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que fundamenta o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE). O que corrobora com a relação aqui enfatizada entre os conceitos de competência e habilidade ao discurso orientado pelas avaliações externas, não apenas em âmbito nacional, mas também em âmbito internacional.

Mas por que estão sendo trazidos para a discussão sobre sujeito os fundamentos para os currículos da educação básica? Partimos da premissa que há, de maneira implícita, uma concepção de sujeito nessa discussão: o sujeito da cognição, que deve ser capaz de aplicar seus conhecimentos. Essa relação fica muito clara na afirmação que encontramos no documento que

as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2018, p. 13).

A BNCC nos orienta em relação àquilo que os estudantes devem conhecer, ou “saber fazer” em cada etapa de escolarização. Como sabemos, dominar um determinado conhecimento se difere das possibilidades de agirmos por meio deles. Arendt (1997) contribui com essa discussão ao trazer uma distinção entre adquirir conhecimento e pensar sobre ele. A capacidade única, subjetiva de reflexão acerca dos conhecimentos adquiridos marca o lugar de sujeito. Nessa direção, podemos repensar a ideia de aplicabilidade do conhecimento. O acesso ao conhecimento e a possibilidade de pensar sobre ele não poderiam ser uma finalidade em si no processo de aprendizagem? Pensar acerca do conhecimento adquirido, ou a partir dele seria aplicar esse conhecimento?

Para discutir a crise na educação na modernidade, Arendt (1997) traz a condição de natalidade, segundo a qual, para os humanos, nascer não significa aparecer no mundo, mas constitui o início de um novo mundo. Nesse sentido, a relação do homem com o mundo é única, singular e subjetivamente edificada. Essa condição humana da natalidade é que garante aos homens a possibilidade de agir no mundo, dando início a novas relações não previsíveis.

Por isso, partindo dessa condição humana, podemos afirmar que a educação não pode jamais ser entendida como algo dado, pronto e acabado, mas tem de ser continuamente repensada em função das transformações do mundo no qual nascem os novos sujeitos. Cabe à educação a delicada tarefa de mediar a inclusão dos recém-chegados num mundo que lhes antecede, que lhes é estranho e que irá perdurar após a sua morte. Quem educa não assume a responsabilidade apenas pelo “desenvolvimento da criança”, mas também pela própria “continuidade do mundo” (ARENDT, 1997, p. 235). Por esse motivo, a autora observa que “a edu- cação ocupa um lugar difícil, instável, e talvez até mesmo paradoxal: afinal, a educação deve ser responsável pela capacidade humana de conservar e transformar o mundo” (ARENDT, 1995, p. 190). Daí a necessidade de adquirir conhecimento nas escolas e também de saber refletir sobre eles, atribuir ao conhecimento, algo de singular, de subjetivo.

Mas isso só é possível, vale destacar, se incluirmos o sujeito na educação. Em nome de metas, resultados numéricos que codificam as competências e habilidades adquiridas pelos alunos, podemos estar excluindo justamente os alunos desse processo. É nesse sentido, por ser a disciplina que nos oferece uma

concepção bastante singular de sujeito, que assumimos a psicanálise para a fundamentação teórica e metodológica desta pesquisa.

No documento monicadamottasallesbarreto (páginas 70-76)