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Políticas públicas voltadas para a alfabetização

No documento monicadamottasallesbarreto (páginas 95-100)

3 A BUSCA PELA APRENDIZAGEM, OS TROPEÇOS DO SUJEITO

3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E A BUSCA PELA

3.2.1 Políticas públicas voltadas para a alfabetização

Como vimos, a alfabetização vem nos desafiando, no campo educacional, há séculos. Vimos também inúmeras tentativas de contornarmos as dificuldades advindas da aquisição inicial da leitura e da escrita por meio de métodos, perspectivas de aprendizagem acerca do tema, redefinições de nomenclatura, expandindo a compreensão inicial de aquisição da leitura e da escrita para as práticas de letramento. Além de inúmeras maneiras de buscarmos compreender os desafios trazidos pela alfabetização e letramento, assistimos, na história da educação do país, a inúmeras iniciativas de implementação de políticas, projetos e instituição de metas a fim de dar conta dessa questão que nos assola desde os primórdios da educação institucionalizada: a aquisição inicial da leitura e da escrita.

A Constituição Federal (CF) de 1988, um marco legal do pacto social firmado com a redemocratização do país após 21 anos de ditadura, traz a educação como o primeiro direito social enunciado (BRASIL, 1988). Lança, portanto, o conceito de educação como direito público subjetivo. Outro marco da CF de 1988 é que ela inaugura o nosso federalismo como “de colaboração” e prevê, em seu art. 23, uma lei complementar com as normas para a cooperação entre União, estados e municípios (BRASIL, 1988). Esses últimos passam a ser considerados como entes federativos pela primeira vez e são reconhecidos como autônomos. A fim de contornar as possíveis discrepâncias advindas da autonomia entre os entes federados, característica desse novo formato de federalismo, foi apontada a necessidade de um Plano Nacional da Educação, um plano integrador, estabelecido por lei (BRASIL, 2014).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, traz outras contribuições a esse cenário, criando o conceito de Ensino Básico, que compreende a Educação Infantil (EI), o Ensino Fundamental (EF) e o Ensino Médio (EM), e estabelecendo quais são as atribuições de cada ente da federação – União, estados e municípios – em relação à educação (BRASIL, 1996). A LDB também contribui com a determinação da CF indicando a necessidade da elaboração de um PNE que deveria ser elaborado pela União, em colaboração com os entes federados (art. 9º, I) e ser encaminhado ao Congresso Nacional, para vigorar pelos dez anos seguintes (BRASIL, 1996).

Em 2001, de acordo com a indicação da CF (BRASIL, 1988) e confirmada pela LDB (BRASIL, 1996), o Plano Nacional de Educação foi sancionado pela Lei n. 10.172/2001 (BRASIL, 2001)., que vigorou de 2001 a 2010. Sendo aprovado por lei, o plano, pela primeira vez, deixa de ser uma mera carta de intenções para tornar-se um conjunto de obrigações de responsabilidade jurídica.

Em 2004, a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados considerou que quase todas as metas do PNE não estavam sendo cumpridas e, para reparar isso, apresentou uma série de projetos de lei através do Ministério da Educação. O conjunto de programas e projetos foi reunido e desenvolvido pelo Ministério da Educação e resultou no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) em 24 de abril de 2007. O plano foi aprovado pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de melhorar todas as etapas da educação no país em quinze anos, priorizando a Educação Básica (BRASIL, 2007).

O PDE previa várias ações voltadas para os problemas enfrentados na Educação Brasileira, além de ter como alvo os problemas sociais que impactam diretamente a qualidade do aprendizado. As ações deveriam, para isso, ser desenvolvidas em regime de colaboração entre União, estados e municípios. Sendo assim, todos os auxílios do MEC aos municípios, estados e Distrito Federal estão vinculados à adesão ao Plano de Metas do PDE.

No dia 3 de junho de 2014 o PNE 2014/2024 é aprovado por lei, trazendo um conjunto de vinte metas a serem atingidas por meio de 254 estratégias e firmando o desafio atribuído pela Constituição: articular o sistema nacional de educação (BRASIL, 2014). Desse modo, representa um avanço em relação ao PDE e resgata o ideal de um plano único para a educação.

Outro marco fundamental na organização da Educação Básica veio com a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos através da Lei n° 11.274/2006 (BRASIL, 2006), conforme previsto pela meta 02 do PNE, que indica “ampliar para nove anos a duração do Ensino Fundamental obrigatório, com início aos seis anos de idade, à medida que for sendo universalizado o atendimento na faixa etária de 7 a 14 anos” (BRASIL, 2001, p. 19).

Essa ampliação visou a expansão do acesso à educação, que demandou mudanças na organização e funcionamento das instituições escolares, especialmente relacionadas aos processos de alfabetização e letramento: o ensino fundamental passou a ser organizado em anos Iniciais compreendidos em 5 anos,

com ingresso aos 6 anos de idade, e Anos Finais com 4 anos de duração e ingresso aos 11 anos de idade. Com essas mudanças, veio também a alteração na nomeação das etapas anuais escolares, antes reconhecidas como série, agora chamadas de anos.

A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos tem como objetivo “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade” (BRASIL, 2004, p. 3). Essa ampliação teve como proposta que todas as crianças, a partir dos 6 anos de idade, ingressassem na escola, dando início ao processo formal de alfabetização, processo que até então iniciava aos 7 anos de idade.

Ainda em relação às metas e políticas voltadas para a alfabetização, o PNE indicou, em sua meta 5, o propósito de alfabetizarmos todas as crianças até o 3º ano do Ensino Fundamental, aos 8 anos de idade. Os três primeiros anos do EF ficaram compreendidos, portanto, a partir dessa nova organização, como ciclo de alfabetização. Para atender a essa meta, o Governo Federal, estados, municípios e entidades assumiram um acordo formal, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), instituído pela Portaria nº 867/2012 (BRASIL, 2012).

As ações do Pacto, conforme o artigo 5º dessa legislação que o instituiu, têm como objetivos:

I – garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino esteja alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática, até o final do 3º ano do ensino fundamental;

II - reduzir a distorção idade-série na Educação Básica;

III - melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb);

IV -contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos professores alfabetizadores;

V - construir propostas para a definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três primeiros anos do ensino fundamental (BRASIL, 2012, p. 23).

Para isso, os professores participantes e os orientadores do programa dedicam-se a uma formação de 180 horas de duração, que é destinada aos professores que atuam da Educação Infantil, no ciclo de alfabetização e a um coordenador pedagógico por unidade escolar e a legislação institui também a

realização de exames periódicos específicos para acompanhamento dos resultados almejados.

Com o objetivo de acompanhar os resultados visados pelo Pacto, o Ministério da Educação, a partir da divulgação da Portaria nº 482/2013 (BRASIL, 2013), cria a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), que compreende testes aplicados a alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, último ano do Ciclo de Alfabetização, e está inserida no contexto de atenção voltada à alfabetização prevista no Pnaic.

A ANA é uma avaliação externa que objetiva aferir os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas. As provas, cuja aplicação e correção são responsabilidade do pelo Inep, são realizadas de maneira censitária, ou seja, a todos os alunos do 3º ano do EF das escolas públicas nacionais, e fornecem três resultados: desempenho em leitura, desempenho em escrita, desempenho em matemática. Além dos testes de desempenho, que medem a proficiência dos estudantes nessas áreas, a ANA oferece informações contextuais aferidos por meio de um Indicador de Nível Socioeconômico e de um Indicador de Formação Docente da escola.

Por fim, outro marco para o EF, indicado pela CF de 1988, ratificado pela LDB (BRASIL, 1996) e pelo PNE (BRASIL, 2014), é a criação de uma Base Nacional Comum Curricular, homologada em 22 de dezembro de 2017, por meio da Resolução CNE/CP nº 2 (BRASIL, 2017). Trata-se de “um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagem essencial que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2018, p. 7).

A BNCC para os anos iniciais do EF altera a meta inicialmente proposta pelo PNE de alfabetizar todas as crianças até o 3º ano do EF e radicaliza-a ao propor que elas aprendam a ler e a escrever até o 2º ano do EF, aos 7 anos de idade.

Mas, apesar dos inúmeros esforços, tanto de estudiosos da área quanto de governantes, no sentido de auxiliar as crianças nos processos de aquisição inicial da leitura e da escrita, vimos também que as dificuldades insistem em se reapresentar. Vemos, nos dias atuais, estudantes que chegam ao 6º ano do Ensino Fundamental sem ler e sem escrever ou com muitas dificuldades em escrita e compreensão textual, apesar de a meta 5 do PNE apresentar que a alfabetização deve ser dar até o 3º ano do EF, aos 8 anos de idade e a BNCC reduzir essa meta em um ano. É

importante nos indagarmos acerca dessa dificuldade que insiste em se reapresentar nas escolas.

Importante retomarmos que metas a parâmetros são fundamentais como guias para as práticas educacionais e, mais especificamente aquelas voltadas para a aquisição inicial da leitura e da escrita. Mas, o que nos indagamos neste trabalho é a respeito do lugar que tais metas estão ocupando para nós da educação. Termos como orientação o direito à aprendizagem, que inclui a alfabetização até o segundo ano do EF é uma referência fundamental, principalmente se considerarmos as distâncias entre o ensino na rede privada e rede pública de ensino. Essas metas nos servem como parâmetro para analisarmos as oportunidades de ensino dadas às crianças e adolescentes de diferentes classes sociais que frequentam a educação básica.

Mas, sabemos também que, diferentes de parâmetros, muitas vezes nos vemos à serviço das metas, o que nos leva a suprimirmos qualquer escuta para o sujeito na escola e, em muitos momentos, a escamotearmos resultados. Os resultados, representados numericamente, podem nos indicar alguns caminhos, nos oferecer um retorno acerca dos que os alunos estão ou não aprendendo nas escolas, desde que estejam nos auxiliando nas nossas práticas educacionais e não nos servindo como finalidade última a ser alcançada.

Na medida em que nos vemos em busca de alcance por resultados que nos beneficiam institucionalmente, por meio de ganhos simbólicos ou concretos, como veremos adiante, perdemos de vista a trajetória singular de aprendizagem de cada aluno e o que as dificuldades apresentadas por eles podem nos revelar sobre esses sujeitos. É nesse sentido que retomamos o dilema entre o particular e o geral. É preciso generalizar para estabelecer critérios, parâmetros, para classificar, mas sabemos também que toda classificação é aleatória. É preciso não perder de vista o coletivo, sem deixar de lado o singular.

É nesse sentido que nos debruçamos sob a questão de pesquisa proposta nesta investigação a fim de refletirmos acerca do lugar desses sujeitos que não oferecem resultados vantajosos para a escola. Ora, se estamos em busca de resultados que nos beneficiam como instituição e os alunos são instrumento para esse alcance de resultados, perdemos de vista as conquistas e dificuldades de cada um e eles passam a representar um meio pelo qual conseguimos benefícios institucionais ou mesmo pessoais, como aumentos salariais. Não estamos, com isso,

pressupondo que temos nas escolas uma intenção obscura de nos beneficiarmos, mas nessa engrenagem em que todos estamos envolvidos, guiados por resultados numéricos, normas e parâmetros, podemos nos perder e negligenciarmos o que deveria ser finalidade última dessas escolas: a educação, a aprendizagem, os alunos.

Para avançarmos nessa discussão, após nos situarmos em relação ao contexto educacional atual que norteia esta pesquisa, trazendo as polícias públicas educacionais e, mais especificamente, os desafios inerentes aos processo de alfabetização e letramento que norteiam as práticas da educação, cabe trazermos, também, um breve histórico das avaliações externas no país.

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